Abuso de crianças em Marajó: o que Damares quer esconder

Reportagem expõe pobreza e exploração sexual constante de crianças. Mas ministra liga violência a falta de calcinhas. Leia também: ministro da Saúde, desgastado, pode ser substituído. Pode ficar pior: PP cobiça o posto

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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TUDO ERRADO, DAMARES…

Quando lançou o programa ‘Abrace o Marajó’, a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos disse que as meninas do arquipélago são estupradas porque não usam calcinha. E uma de suas propostas para corrigir a situação era… uma fábrica de calcinhas no local. Não é preciso ter muitas luzes para sacar que o problema não está no vestuário. Andrea Dip, da Agência Pública, investigou a violência sexual por lá e descreve a realidade marajoara que deve ser conhecida para entender a questão.

Dos 16 municípios do Marajó, 14 estão na lista dos menores IDHs do país; Melgaço, conhecido por reportagens que denunciam a exploração de meninas em balsas de carga, está em último lugar no ranking nacional. Pela primeira vez, o Ministério Público do Pará está fazendo um levantamento sobre exploração sexual e violência sexual contra crianças especificamente na região. Além da miséria empurrando as meninas para isso, não há equipamentos públicos suficientes para protegê-las nem para receber denúncias e investigar os crimes. 

 “As nossas crianças sobem naquelas balsas e muitas descem com pequenos objetos, às vezes com pequenos alimentos, um litro de óleo diesel, em troca da exploração do seu corpo. Eu conversei bastante com as duas meninas que foram encontradas nessa balsa [num caso específico em 2016]. A de 18 disse que desde os 5 anos de idade era explorada sexualmente em troca de comida. Hoje ela diz que é ‘prostituta da balsa’ e que seu sonho é casar com um gaúcho pra sair da miséria [as balsas de cargas muitas vezes atravessam o país, então passam por lá homens de todas as regiões]. A menina de 9 anos disse que subia desde que se entendia por gente, pra ganhar comida”, conta a irmã Henriqueta, que trabalha no combate a essa exploração desde 2008. 

Vale muito a pena ler também a entrevista com a juíza Elinay Melo, que julgou o flagrante de 2016 mencionado por Henriqueta. Entre muitas coisas, ela conta da visita que fez a uma escola na comunidade de Antonio Lemos. “Eu perguntei: ‘O que vocês querem ser quando crescerem?’. De 20 crianças, apenas uma levantou a mão. Ela disse: ‘Professora’. Ainda perguntei: ‘Ninguém quer ser médico? Engenheiro? Nada?’. Eles riram e ficamos assim. Aquela cena ficou na minha cabeça. Eles não sonham”. 

POR VERBAS E CARGOS

A fritura de Luiz Henrique Mandetta pode estar vindo de um Partido Progressista ressentido de ter perdido a Saúde. Segundo Bela Megale, há uma articulação em curso para tirar o ministro do DEM da Pasta. E ela foi confiada a Hélio Lopes (PSL-RJ), conhecido como Hélio Negão, fiel escudeiro e amigo de Jair Bolsonaro. Ele estaria tentando influenciar o presidente a colocar o deputado Hiran Gonçalves (PP-RR), presidente da frente parlamentar de Medicina, no cargo. Um dos combustíveis para a fritura seria o fato de o DEM estar direcionando para si próprio muitas verbas e cargos no Ministério da Saúde, numa divisão injusta com as outras siglas. De acordo com O Globo, o ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, chegou a manifestar a mesma opinião que o PP em conversas com deputados. 

DEMISSÃO EM MASSA

Tudo começou ainda no dia 12, quando o STF considerou ilegal o Instituto Municipal de Estratégia de Saúde da Família (IMESF) – que contratava trabalhadores em Porto Alegre via CLT – por ser uma fundação pública de direito privado. O prefeito tucano Nelson Marchezan Júnior decidiu então terceirizar todos os serviços de atenção básica do município, criando novas Clínicas da Família administradas em parceria com o setor privado. E demitir mais de 1,8 mil trabalhadores.

Com empregos ameaçados, eles paralisaram suas atividades na segunda-feira para protestar. Só que Marchezan fez das manifestações combustível para seus argumentos pró-privatização. Ele disse que “os servidores estão recebendo para trabalhar e estão deixando os ambientes de trabalho abandonados, sem ninguém para atender os pacientes”, o que seria a “prova” de que a contratação por concurso público não é a melhor. 

O pior é que a ação que resultou na decisão do STF foi ajuizada em 2011 justamente por sindicatos. Mas, na época, a intenção era cobrar a realização de concursos e a contratação de servidores estatutários. A principal crítica à prefeitura hoje é que poderia haver alternativas para resolver o problema para além da solução apontada por Marchezan. “A demissão dos funcionários de seus empregos públicos altera radicalmente as relações entre professores, estudantes, trabalhadores e usuários que se consorciam no processo de formação acadêmica, dissolvendo arranjos de trabalho consolidados há anos, trazendo instabilidade e ameaças também para a formação“, diz a nota da Coordenadoria da Saúde da UFRGS. 

PORTAL ÚNICO

Ao invés de encaminhar pedido diretamente à Anvisa, a partir de 2 de outubro as pessoas interessadas em importar de forma excepcional produtos à base de canabidiol terão que fazê-lo através do Portal Único do Governo Federal. Segundo o Estadão, nada muda porque o formulário e outros documentos continuarão a ser analisados pela agência reguladora. Mas para quem lembra que na comemoração dos cem dias de governo Jair Bolsonaro assinou um decreto (n. 9.756) que determina a migração de todos os sites da administração federal para o tal portal único, a notícia é preocupante. Isso porque o decreto não poupa nem universidades, nem autarquias. Muitos avaliam inviável a migração de todas as informações oferecidas aos cidadãos para um espaço só; outros antecipam que muito do que hoje é divulgado nos sites das instituições, inclusive o jornalismo público que algumas delas fazem, será vetado no portal único. A ver. 

NOVAS TENDÊNCIAS

Segundo pesquisa do Serviço Social da Indústria (Sesi), feita com 1.006 diretores e gerentes de recursos humanos de indústrias de médio e grande portes do país, um quarto delas não oferece planos de saúde aos seus funcionários. O custo é apontado por 61% dessas companhias como justificativa para não conceder o benefício. “O custo com saúde é o maior da folha de pagamento, após os salários, representa 13,1%, em média. Muitas empresas estão investindo em gestão de saúde, com programas de promoção e prevenção feitos em paralelo e em conjunto com o serviço das operadoras como uma maneira de reduzir esse custo. Além disso, já observamos uma tendência entre as empresas de implementar planos de saúde autogestão como um caminho para mudar a forma de assistência, hoje remunerada por serviços, o que promove desperdícios”, resume Rafael Lucchesi, diretor-superintende do Sesi. O levantamento foi divulgado ontem.

SEM INCENTIVO

Saiu na segunda-feira no Diário Oficial, apenas três dias após o assassinato da menina Ágatha Félix: um decreto assinado por Wilson Witzel (PSC) acabou com o incentivo à redução de mortes por policiais no Rio de Janeiro. A partir de agora, os homicídios não entram no cálculo de um bônus salarial oferecido semestralmente a policiais militares e civis de batalhões e delegacias. Deram lugar ao número de roubos de carga. Segundo Pablo Nunes, da Universidade Cândido Mendes, isso quer dizer mesmo o que você está pensando: menos chance ainda de reduzir a letalidade da polícia.

BINGO…

Nas redes sociais, circulou uma cartela de bingo feita pelo Intercept Brasil em que constavam temas que deveriam fazer parte do discurso de Jair Bolsonaro na ONU ontem, como “ONGs estrangeiras” e “somos o país que mais preserva o meio ambiente”. Em 20 minutos, ele não decepcionou os ‘apostadores’. De acordo com Jon Lee Anderson, da New Yorkerfoi uma experiência “surreal” ouvi-lo. Principalmente a defesa que o presidente fez das políticas ambientais do governo, já que nas palavras dele as florestas estão “praticamente intocadas” e sua destruição é fake news da “mídia sensacionalista”. Não faltaram ataques a Emmanuel Macron e ao Partido dos Trabalhadores. Sobrou até para o cacique Raoni, candidato ao Nobel da Paz, e as Nações Unidas que, segundo Bolsonaro, respaldaram “verdadeiro trabalho escravo” dos profissionais cubanos no Programa Mais Médicos. 

AVANÇA

O número de pessoas mortas por doença pulmonar ligada a cigarros eletrônicos nos EUA chegou a nove. Já existem 530 casos registrados, e o Centro de Controle de Doenças prevê que ainda há outras centenas por vir. Massachusetts decidiu banir as vendas por quatro meses.

CHAMADA

Estão abertas duas linhas de financiamento para pesquisas patrocinadas pela Fundação Bill & Melinda Gates. A chamada Grandes Desafios Brasil voltada para a prevenção, detecção e combate à malária fica aberta até o dia 14 de outubro, e oferece um total de R$ 14 milhões para estudos que inovem na área. Já uma segunda chamada é voltada para melhorar o impacto das campanhas de saúde, com US$ 100 mil disponíveis.

AGENDA

Amanhã o Centro de Estudos e Debates Estratégicos da Câmara faz reunião para discutir a atenção primária à saúde. E, segundo o site, a proposta é debater, entre outras coisas, que impacto o “credenciamento de especialistas de fora do SUS poderia ter no atendimento, a fim de torná-lo mais ágil”.

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