Como e por que governo Trump ataca órgãos federais da saúde pública

Após campanha contra principal epidemiologista do país, governo exige reter dados da pandemia em banco de dados centralizado em Washington – e inacessível ao público

.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 16 de julho. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Donald Trump está na ofensiva contra órgãos federais da saúde pública. Ontem, os hospitais do país pararam de repassar seus dados ao Centro de Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês), seguindo determinação da Casa Branca que resolveu redirecionar as informações para um banco de dados em Washington. Detalhe: o tal banco não é aberto ao público. Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência…

Semana passada, a administração Trump já tinha criticado as diretrizes do órgão para a reabertura de escolas, caracterizadas como “excessivamente restritivas”. Em um país sem sistema nacional de saúde, onde mesmo os esquemas de cobertura financiados com dinheiro público dependem do setor privado, o CDC cumpre um papel de coordenação técnica bem relevante. Mas a agência está pouco equipada para lidar com a pressão política por sempre ter evitado entrar nessa seara, como mostrou uma reportagem do STAT

Quem está lidando razoavelmente bem com a pressão é Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas – que tem sido uma espécie de grilo falante para um governo que só quer ouvir a própria voz. Desde o fim de semana, Fauci é alvo de um ataque coordenado da Casa Branca que teve como pontos altos uma lista entregue por assessores de Trump a veículos de comunicação contendo diversas críticas às previsões do epidemiologista. E um editorial de um dos correligionários mais próximos do presidente, Peter Navarro, saiu na segunda com o seguinte título: “Fauci esteve errado todas as vezes em que interagi com ele”. 

Desde então, se discute no país se o presidente tem o poder – e o respaldo – para demitir o epidemiologista que acumulou, ao longo de décadas, um enorme capital político na sociedade americana. Ontem, Fauci mandou um recado a Trump durante um evento virtual: “Acredito que na maioria das vezes você pode confiar em autoridades médicas respeitadas”, disse, para emendar: “Acredito que sou uma delas, então acho que você pode confiar em mim.” Ao The Atlantic, ele afirmou que não pretende renunciar ao cargo no meio da pandemia e definiu como “um pouco bizarra” a campanha do governo para desacreditá-lo. 

“Se você se sentar e conversar com as pessoas que estão envolvidas na lista que saiu, elas ficam realmente surpresas com o grande erro que foi. Eu acho que se você conversar com pessoas razoáveis na Casa Branca, elas perceberão que foi um grande erro da parte delas. E eu não acho que essa era a intenção delas. Não consigo descobrir nos meus sonhos mais loucos porque eles gostariam de fazer isso. Acho que agora eles percebem que isso não era uma coisa prudente, porque apenas refletia negativamente sobre eles”, disse na entrevista.

E parece que Trump sentiu: ontem, o presidente tentou se descolar dos ataques feitos por Navarro no tal editorial. “Bem, ele fez uma declaração representando a si mesmo. Ele não deveria estar fazendo isso. Não, eu tenho um relacionamento muito bom com Anthony”, disse. 

Leia Também: