Auxílio: Guedes se dobra ao Congresso

Prorrogação por dois meses ainda é insuficiente. Oposição tenta estender benefício até dezembro

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O governo federal decidiu, enfim, sucumbir à pressão do Congresso e manter o auxílio emergencial no valor de R$ 600, prorrogando-o até agosto. O auxílio tem sido alvo de intenso debate, como acompanhamos. Enquanto os parlamentares defendiam a manutenção do valor atual por, no mínimo, dois meses, o Ministério da Economia desejava pagar valores menores por mais tempo: três parcelas ao todo, com valores de R$ 500, R$ 400 e R$ 300. Em termos de impacto, nada mudaria, com o governo desembolsando os mesmos R$ 1,2 mil por beneficiário. 

Ter parcelas mais magras poderia fazer com que a popularidade do presidente caísse – pesquisas de opinião têm mostrado um aumento do apoio a Bolsonaro nas camadas mais pobres da população, e o auxílio obviamente tem peso nisso. Reduzi-lo deve, portanto, provocar queda nessa aprovação. Por outro lado, um pagamento menor em três meses levaria o auxílio a se estender até setembro, e o governo pretende criar o “Renda Brasil” em outubro, com benefícios variando entre R$ 250 e R$ 300. A proposta original do governo tentava evitar esse ‘buraco’ no recebimento de renda, talvez amortecendo a perda de apoiadores.

É verdade que, se dependesse da equipe econômica, as pessoas teriam recebido R$ 200 mensais desde o início, e só por três meses. Foi o Congresso que subiu esse valor para R$ 500, depois complementado pelo governo para evitar a perda de paternidade do projeto. Apesar deste fato documentado, ontem o ministro da Economia Paulo Guedes se defendeu das críticas sobre a omissão no combate à covid-19 dizendo o seguinte: “As linhas de ataque ao coronavírus que adotamos envolveram várias iniciativas, a primeira e mais importante foi o auxílio emergencial que estamos prorrogando nesse momento”.

Mesmo após o anúncio da prorrogação, ainda há algum suspense no ar: não se sabe direito como e quando vão ser feitos os próximos pagamentos. Segundo Guedes, eles devem acontecer não em duas, masem complicadas quatro parcelas. Nesse caso, no primeiro mês seriam dois pagamentos nos valores de R$ 500 e R$ 100; no segundo, mais duas parcelas de R$ 300 cada. Para o ministro, essa divisão faz parte de uma “aterrissagem inteligente”.

Ainda é pouco

Mantida a marcha atual, dificilmente o vírus terá sumido do Brasil dentro de dois meses, e mais dificilmente ainda a economia terá se recuperado – embora o delirante Paulo Guedes afirme o oposto. Em vez disso, são os empregos que devem seguir evaporando. Ontem o IBGE divulgou que dos quase 7,8 milhões de postos de trabalho perdidos no trimestre que terminou em maio, 5,8 milhões eram informais. A informalidade era o que, de forma muito precária, impedia o desemprego de explodir no país, e seu colapso levou a população ocupada ao menor nível desde 2016 – uma taxa de 37,6%, ou 85,9 milhões de pessoas empregadas, sendo 32,2 milhões na informalidade, A Folha lembra que o índice já andava mal em fevereiro (40,6%). Hoje, tem mais gente fora do mercado do que trabalhando.

Em maio o desemprego ficou em 12,9%, mas, por definição, essa taxa só inclui quem está procurando trabalho. Acontece que um imenso número de pessoas desistiu disso durante a pandemia, de modo que esse percentual não dá uma real dimensão do problema. No trimestre em questão, 5,4 milhões deixaram de procurar emprego (15,3% a mais que no trimestre anterior).  Os subutilizados – pessoas que estão empregadas, mas gostariam de trabalhar mais tempo – aumentaram 3,6 milhões (27,5%).

Hoje, 65 milhões de brasileiros estão recebendo o auxílio emergencial. Mesmo que venha o Renda Brasil, o valor do benefício será menor, e a extensão do seu alcance, também. O fim do auxílio vai deixar milhões na pobreza. Por isso, parlamentares de oposição e entidades da sociedade civil organizada querem prorrogá-lo até dezembro. No Brasil de Fato, a especialista em orçamento público Grazielle David afirma que há condições para isso. Em termos legais, existem garantias no estado de calamidade pública (que se estende até dezembro) e no entendimento do STF sobre o tema (o ministro Alexandre de Moraes liberou o governo de cumprir determinadas exigências orçamentárias naquilo que se refere às medidas de enfrentamento à pandemia). 

O argumento de que o Estado não tem verbas, segundo ela, também não se sustenta: “A ideia de que o Estado está quebrado e que não tem espaço fiscal não é verdadeira. Nossa dívida é interna, em moeda nacional, e a gente não vai quebrar. Existe espaço ainda para a emisssão de títulos, existem compradores e não tem limitação fiscal, no momento, de nenhuma regra que impeça o governo de fazer isso. Então, neste momento, isso é uma escolha política”.

Outra questão é que o recurso passado às pessoas não é ‘perdido’, mas traz retorno econômico pela manutenção do consumo – e também pela arrecadação de impostos proveniente daí. Um estudo dos economistas Ecio Costa, da Universidade Federal de Pernambuco, e Marcelo Freire, da secretaria estadual de Desenvolvimento Econômico, mostra o peso da renda extra no PIB de todos os estados. No Nordeste, o impacto na economia foi tão grande que a região deve sair da recessão mais rápido que o resto do país, segundo os autores. “Em um primeiro momento, a injeção de recursos deve atenuar significativamente a retração da economia na região, via consumo”, diz Costa, no Valor.

Com a prorrogação anunciada ontem, o montante destinado ao Nordeste pode chegar a R$ 50 bilhões ao todo, o que representa 6,3% do PIB na região. Na média brasileira, são 2,5% do PIB. A consequência disso para os municípios mais pobres é enorme. E, segundo a reportagem, eles acabaram beneficiados também pelas restrições de mobilidade, por mais que isso soe contraintuitivo. O município de Gavião tem um dos menores PIBs da Bahia, e, segundo o prefeito Raul Soares Moura Junior, os comerciantes da cidade nunca viram circular tanto dinheiro. Além de receberem o auxílio emergencial, os moradores precisaram parar de comprar coisas nas cidades vizinhas maiores, devido aos bloqueios: acabaram gastando localmente. Em Catumbi, terceiro município mais pobre de Pernambuco, a prefeita Sandra Magalhães diz que praticamente só há emprego formal na prefeitura, e que o grande impacto do benefício tem sido na renda dos desempregados. “Muita gente saiu de uma renda zero para R$ 600”, diz. 

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