Para exigir proteção do governo federal, indígenas vão ao STF

Ação no Supremo demanda barreiras sanitárias nas terras isoladas, retirada de invasores e criação urgente de plano de enfrentamento

Foto: Alex Pazuello / Prefeitura de Manaus

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A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e seis partidos políticos tiveram que entrar com uma ação no STF para obrigar o governo federal a proteger essa população durante a pandemia, já que, até agora, as ações de prevenção e enfrentamento estão sendo feitas em grande parte localmente, pelas prefeituras, estados ou, muitas vezes, pelas próprias comunidades organizadas. Há pouco tempo contamos por aqui como a Funai vem gastando pouco (e mal) seus recursos no combate ao coronavírus. 

Até agora, organizações indígenas contabilizaram 403 mortes e 10.341 infectados. Um estudo da Fiocruz divulgado no início do mês mostra que 48% dos indígenas que procuram atendimento hospitalar com covid-19 morrem, e esse percentual é pior do que o de qualquer outro grupo étnico no país: 28% dos brancos, 36% dos pretos e 40% dos pardos morrem. “O governo federal vem agindo de maneira absolutamente irresponsável no controle da pandemia do coronavírus em relação aos povos indígenas. As ações e omissões do poder público estão causando um verdadeiro genocídio, podendo resultar no extermínio de etnias inteiras”, alertam os autores.

A primeira solicitação é que a União isole e mantenha barreiras sanitárias nas terras isoladas e de recente contato, algo tão básico que é incrível precisar da Justiça para isso. “Fomos obrigados a recorrer à instância máxima do Judiciário porque, enquanto permanecemos isolados, nossos territórios estão sendo invadidos e nossa saúde, negligenciada. Segundo a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), a taxa de mortalidade pela doença por 100 mil habitantes entre indígenas da região é 150% maior que a média nacional, e ao menos 30% dos territórios analisados no estudo têm potencial elevado de contágio “por causa do desmatamento e da ação de grileiros e garimpeiros“, escreve Eloy Terena, assessor jurídico da Apib, na Folha

Entre outras demandas, a ação pede a retirada dos invasores de seis terras indígenas (Yanomami, Karipuna, Uru-Eu-Wau-Wau, Kayapó, Araribóia, Munduruku e Trincheira Bacajá); exige que a Secretaria Especial de Saúde Indígena do Ministério da Saúde passe a atender em áreas ainda não demarcadas e os indígenas que vivem nas cidades (hoje isso não acontece e é uma fonte antiga de preocupação); e que se crie, em 20 dias, um plano de enfrentamento de covid-19 para os povos indígenas. 

Coroação do descaso

A tragédia do coronavírus nas aldeias – com comunidades ameaçadas por grileiros, aldeados que se expõem nas cidades para conseguir dinheiro e comida, indígenas não afastados de seus trabalhos que espalham involuntariamente a doença nas comunidades, ausência de proteção pelas autoridades – é obviamente fruto de um processo histórico muito mais grave. Um jovem de 15 anos do povo Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, falou ontem sobre o descaso do Brasil com a saúde indígena no encontro anual sobre os direitos das crianças do Conselho de Direitos Humanos da ONU. O grande problema de fundo, denunciou ele, é o do acesso à terra.

“O meio ambiente afeta diretamente os direitos de meninos e meninas. Para a infância indígena, a proteção do território é a forma de garantir nosso estilo de vida tradicional, sobrevivência, nosso desenvolvimento como ser humano e o exercício de todos os nossos direitos humanos” disse, criticando a paralisação das demarcações no governo Bolsonaro. E completou: “Nossas crianças sofrem com taxas elevadas de desnutrição. Somos mais de duas mil famílias – 60% crianças –, sobrevivemos em barracas de lona sem acesso à água, saúde, educação, alimentação, em uma verdadeira crise humanitária”.

E nem a demarcação garante segurança, como sabemos. Pelo menos 12 denúncias de garimpos em unidades de conservação e terras indígenas da Bacia do Xingu foram protocoladas só entre dezembro de 2018 e maio deste ano, segundo um levantamento da Rede Xingu+. É uma verdadeira “pandemia de garimpo na região”, que ajuda a explicar o crescimento da covid-19 na área. A terra mais vulnerável é a Yanomami, onde mais de 20 mil garimpeiros ilegais ameaçam o território. Em junho, dois jovens indígenas foram mortos a tiros por garimpeiros no meio da floresta.

Ontem, militares realizaram uma operação em Roraima que incluiu atendimento médico a yanomamis. Distribuíram máscaras e fizeram testes rápidos – que são menos confiáveis e só dão resultado positivo pelo menos uma semana após o surgimento de sintomas. O ministro da Defesa, Fernando Azevedo e Silva, esteve lá. Disse que a pandemia em terras indígenas está “sob controle“. Quanto aos assassinatos, afirmou que “não é um fato corriqueiro e normal”. 

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