Uma nova pandemia?

Cientistas chineses encontram, em criações de porcos, variante de influenza com potencial para gerar pandemia. O que isso significa?

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Um estudo publicado ontem no periódico Proceedings dof the National Academy of Sciences deixou muita gente de cabelo em pé. Não é para menos. Nele, cientistas chineses descrevem a descoberta de uma variante do vírus da gripe em porcos, com potencial para gerar uma pandemia. E o que poderia ser pior do que uma nova pandemia dentro da pandemia?

A identificaçãode patógenos em animais com potencial de infectar humanos não é nada rara. Centenas ou milhares de animais de criação são sacrificados cada vez que isso ocorrre. Este ano mesmo, já durante a pandemia de covid-19, aconteceu na Alemanha e nas Filipinas, quando dois subtipos diferentes de gripe aviária foram encontrados em criações de frango e codorna, respectivamente. 

Criações de porco são consideradas especialmente dignas de atenção porque os vírus podem saltar com relativa facilidade desses bichos para seres humanos – embora, depois disso, a transmissão entre humanos seja incomum. No estudo em questão, os cientistas analisaram porcos em matadouros de dez províncias chinesas entre 2011 e 2018 e encontraram 179 vírus da gripe suína; a partir disso, viram que a variação G4 EA H1N1 (um nome provisório) era cada vez mais comum, tornando-se dominante desde 2016. Trata-se de um rearranjo de três linhagens: uma semelhante às linhagens encontradas em aves europeias e asiáticas; o H1N1 que causou a pandemia de 2009 e matou pelo menos 18 mil pessoas; e um H1N1 norte-americano que tem genes de vírus influenza aviário, humano e suíno. 

O que deixou os cientistas mais preocupados dessa vez é que o G4 já parece ter uma alta capacidade de infectar seres humanos. Sua estrutura molecular é parecida com a da variedade que causou a pandemia de 2009, e ele também foi capaz de infectar células humanas em laboratórios. Além disso, infectou bem furões, que têm padrão de vulnerabilidade similar ao de humanos. Mas a pior evidencia vem de que testes em 338 trabalhadores da indústria de carne suína: mostraram que 10% desses trabalhadores apresentaram anticorpos, já tendo sido portanto infectados. Além disso, a reportagem da Science reforça que o núcleo do G4 é um vírus da gripe aviária – para a qual qual os humanos não têm imunidade – com pedaços de cepas de mamíferos misturados.

Agora, vamos às boas notícias. Em sua conta to Twitter, a virologista Angela Rasmussen, da Universidade de Columbia, explica que para se tornar um patógeno humano (bem antes de gerar uma pandemia) um vírus precisa entrar nas células humanas, se reproduzir, se multiplicar, transmitir para outro hospedeiro e causar uma doença. O estudo chinês indica que o G4 pode entrar nas células, pode se reproduzir e se multiplicar. Mas ainda não há evidências de que passe de uma pessoa para outra, mesmo que esteja circulando desde 2016. E, pelo menos até agora, entre as pessoas infectadas não houve nenhum registro de alguém que tenha adoecido.

“A probabilidade de que essa variante em particular cause uma pandemia é baixa”, diz à Science Martha Nelson, bióloga que estuda os vírus da gripe suína nos Estados Unidos. Isso não significa que se deva baixar a guarda em relação a esse ou qualquer outro novo vírus ou variante. Ela observa que, no caso do H1N1, ninguém sabia de nada até os primeiros casos humanos aparecerem. “A gripe pode nos surpreender. E há o risco de negligenciarmos a gripe e outras ameaças no momento”, diz ela. Talvez o mais importante no estudo seja que ele dá tempo aos pesquisadores e autoridades para monitorar a situação de perto – uma necessidade apontada pelos próprios autores. 

Angela Rasmussen também se posiciona nesse sentido. “Precisamos ficar de olho nisso, mas não devemos nos concentrar exclusivamente em nenhum vírus. Devemos nos preparar para qualquer tipo de pandemia de gripe emergente”, escreve a professora, completando: “Podemos intensificar os esforços de vigilância para ver se esse vírus parece estar se adaptando cada vez mais a hospedeiros humanos ou se relacionando com algum caso de doença grave. Podemos estudá-lo para ver o que pode aumentar sua capacidade de infectar, transmitir e causar doenças nas pessoas. O que não devemos fazer é ‘surtar’ e esperar que outra pandemia de gripe seja iminente. Devemos nos preparar para a pandemia de gripe que virá.”

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