A corrida de Pequim para evitar “nova Wuhan”

Com cerca de 100 novos casos, governo endurece isolamento de forma localizada. Enquanto isso, países que reabriram antes da hora vivem tragédia previsível

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Depois de quase 50 dias sem registrar novos casos, Pequim identificou um novo surto em um dos maiores mercados atacadistas da capital chinesa. Começou com dois homens que tinham ido ao local e testaram positivo na semana passada; desde então, 517 pessoas fizeram testes, dos quais 45 deram positivo. Nenhum dos infectados tinha sintomas. Isso foi mais que suficiente para fechar o mercado, determinar que todos os dez mil funcionários sejam testados nos próximos dias e estabelecer lockdown em 11 bairros do entorno, com monitoramento diário dos moradores. Embora a origem pareça ser o mercado, isso ainda está sob investigação.

Desde a quinta-feira, foram confirmados mais de cem casos relacionados a esse surto, alguns já fora de Pequim. As restrições endureceram. Mais dez bairros entraram na quarentena. Serviços de táxi e circulação de automóveis foram suspensos. Todos os contatos de pessoas infectadas estão proibidos de deixar a cidade. Escolas foram fechadas. Governos de províncias próximas impuseram quarentenas a viajantes vindos de Pequim. Pode soar exagerado, mas foi seguindo essa mesma cartilha que o país de 1,4 bilhão de habitantes conseguiu controlar sua primeira onda com 83 mil casos e 4,6 mil mortes, números que logo se tornaram baixos diante do sufoco no resto do mundo.

Wu Zunyou, epidemiologista-chefe do Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças, afirmou que o problema foi identificado o mais rápido possível e que, se o número de casos não subir muito, o surto pode ser logo contido. É verdade, e só dá para ter essa rapidez quando se consegue, antes de flexibilizar isolamentos, baixar ou zerar o número de novos casos a ponto de poder monitorar cada novo pequeno conjunto de infecções.Não é a primeira vez que novos surtos são detectados em locais onde a covid-19 parecia sob controle, mas, ontem, em coletiva de imprensa, a Organização Mundial da Saúde (OMS) manifestou preocupação. “Pequim é uma cidade muito grande, conectada, dinâmica“, afirmou Michael Ryan, diretor do programa de emergências da entidade. O diretor-geral Tedros Ghebreyesus alertou que “mesmo países que demonstraram a capacidade de suprimir a transmissão devem ficar alertas à possibilidade de ressurgimento”.

Falando nisso, a Nova Zelândia confirmou dois novos casos. O país havia comemorado recentemente a erradicação do coronavírus, suspendendo todas as restrições. Ambos os registros estão relacionados a viagens ao Reino Unido. De novo: como são poucas pessoas, as autoridades têm condições de monitorá-las e testar seus contatos.

Tragédia anunciada

Há também locais que começam a relaxar suas medidas de isolamento antes de reduzir drasticamente suas mortes e casos diários, como… o Brasil. Um olhar para os Estados Unidos pode ser profético. Lá, mais de 20 estados já registram subidas de suas curvas. Mesmo em Nova Iorque, que reabriu só após a redução sustentada dos números e tem registrado quedas expressivas, o governador Andrew Cuomo estuda voltar a impor medidas mais restritas porque as pessoas estão descumprindo as regras de distanciamento. Há aglomerações em bares, por exemplo. O país inteiro tem mais de 115 mil mortes por covid-19. A Universidade de Washington prevê que, mantidas as reaberturas, haverá 200 mil até outubro.

No Paquistão, o confinamento foi suspenso no dia 9 de maio não porque o coronavírus estivesse contido, mas porque o governo não conseguia mais bancar os efeitos econômicos. Havia 25 mil casos registrados. Um mês depois, são 125 mil (sem falar na subnotificação) e especialistas preveem que esse número chegue a 900 mil até agosto. Hospitais já estão abarrotados, com placas de “cheio” na porta. Profissionais de saúde precisam comprar equipamentos de proteção com o próprio dinheiro, estão ficando doentes e morrendo e, para completar, são também agredidos por familiares que reclamam os corpos de seus parentes.

A OMS incluiu o Paquistão na lista dos dez países onde o vírus mais preocupa, e recomendou a reimposição dos bloqueios. As autoridades rejeitam a possibilidade. “Temos que fazer escolhas políticas difíceis para encontrar um equilíbrio entre vidas e meios de subsistência”, declarou na semana passada o ministro da Saúde Zafar Mirza. A reportagem do New York Times lembra que, no início, o primeiro-ministro Imran Khan dizia que a covid-19 era como uma gripe comum; mais tarde, as autoridades pediram que as pessoas ficassem em casa; depois, rejeitaram a severidade da pandemia de novo. Nas redes sociais, há boatos de que os números estão sendo inflados para o governo conseguir mais dinheiro da comunidade internacional.

Na Índia, a expectativa é de que venham tempos muito, muito difíceis pela frente. Com 332 mil casos conhecidos e 9,5 mil mortes, o país já é o quarto mais atingido pela pandemia, atrás apenas dos EUA, Brasil e Rússia. Este mês, reabriu após um ineficiente lockdown nacional, mas com os casos e mortes subindo. As cidades de Mumbai, Nova Déli, Chennai e Ahmedabad tiveram aumento substancial nas infecções e o governo não sabe ainda o que fazer. Em Déli, o governo espera que os casos aumentem nada menos que 20 vezes até o fim de julho, chegando a meio milhão, e que só lá serão necessários 150 mil leitos hospitalares. Já há pacientes tendo atendimento negado. 

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