Mais dúvidas do que certezas

Espaços supervisionados de consumo de drogas têm menos evidências do que se supunha

Estudo revisou a literatura sobre espaços supervisionados de consumo de drogas e concluiu que são poucas as pesquisas confiáveis e, com base nelas, de que não há evidências de que essa política de redução de danos diminua overdoses, por exemplo. 
23 de agosto de 2018
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MAIS DÚVIDAS QUE CERTEZAS

“No passado, especialistas, militantes e jornalistas (incluindo eu) advogamos que espaços para consumo supervisionado de drogas têm muitas evidências que os apoiam”, confessa o repórter Germam Lopez, da Vox, que aborda um novo estudo, publicado no International Journal of Drug Policy, que revisou boa parte da literatura sobre esta política de redução de danos e chegou a uma conclusão diferente. De acordo com a pesquisa, feita pela Universidade de South Wales (Reino Unido), esses locais têm um pequeno impacto na criminalidade relacionada ao consumo de drogas, mas não há efeitos significativos em outros desfechos, incluindo redução de emergências ou no índice de mortes por overdose e compartilhamento de seringas. Com a crise dos opioides nos Estados Unidos, muitas prefeituras têm optado por investir nesse serviço – caso de Nova Iorque, que abriu centros no início do ano.

“Isso não significa dizer que os espaços de consumo não funcionam; é reconhecer que nós ainda não sabemos. Um dos problemas apontados pela pesquisa é que há uma série lacuna de conhecimento nessa área. Das dezenas de estudos que existem, os pesquisadores concluíram que apenas oito eram rigorosos e transparentes o suficiente para incluir na revisão. Com um número tão reduzido, é possível – e mesmo provável – que estes estudos apresentem algum tipo de viés, de modo que novas pesquisas podem produzir novas conclusões”, escreveu Lopez.

Importante frisar: a pesquisa não conclui, como muitos políticos conservadores o fazem sem qualquer suporte da ciência, que os espaços de consumo supervisionado estimulam as pessoas a usarem mais drogas.

ASSUNTO DE SAÚDE PÚBLICA

O Reino Unido recentemente estabeleceu novos limites recomendáveis de consumo de bebidas: 14 unidades por semana.  E, hoje, no Guardianapareceuma estimativa feita pelo Instituto de Estudos sobre o Álcool e pela Universidade de Sheffield sobre o impacto para a indústria. Caso os consumidores sigam as recomendações, as empresas perderiam nada menos do que 13 bilhões de libras (algo e torno de R$ 67,6 bi) em vendas. A tendência seria não absorver o “prejuízo” e aumentar os preços dos produtos.

Os pesquisadores reforçam que o abuso de álcool causa 24 mil mortes por ano e 1,1 milhão de internações a um custo de mais de R$ 18 bi ao NHS. “Mesmo assim, políticas para mitigar esse quadro, como preço mínimo por unidade e aumento nos impostos sobre o álcool, sempre sofreram grande resistência da indústria. Nossa análise sugere que esta pode ser a causa: as empresas se dão conta de que a redução no consumo que prejudica a saúde as arruinaria financeiramente”, dizem.

AVANÇOS NA CIÊNCIA

Falamos aqui na segunda sobre a CRISPR, técnica que usa uma proteína para “picar” o DNA, modificando o código genético. Pois a Wired relata que a China é o país em que a técnica está sendo aplicada de maneira mais rápida para descobrir formas de reverter doenças. Os chineses foram os primeiros a testar em macacos, embriões e humanos. Semana passada, cientistas de lá publicaram um artigo na Molecular Therapy em que descrevem como a técnica foi usada em embriões para reparar uma mutação genética que causa a síndrome de Marfan – doença no tecido conjuntivo caracterizada, dentre outras coisas, pelo crescimento desproporcional de braços e pernas – que afeta uma em cada cinco mil pessoas. Os pesquisadores utilizaram uma técnica chamada editor de base (tradução livre) que substitui um nucleoide de DNA por outro. E, na sequência, mantiveram os 18 embriões vivos por dois dias para fazer testes e verificar se a edição tinha funcionado. Funcionou em 16 deles. Nos outros dois, ocorreram edições adicionais não planejadas. O mais bem-sucedido estudo antes deste (publicado em 2017) havia se dedicado a editar uma mutação que causa doença cardíaca e funcionou em 42 de 58 embriões.MAIS DIREITOS

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem que todos os aposentados que precisem de assistência permanente têm direito a acréscimo de 25% no benefício mensal pago pela Previdência Social. A Lei de Benefícios Previdenciários prevê que apenas aposentados por invalidez teriam direito a essa parcela suplementar, lembra o Estadão, mas a corte optou por estender o alcance da medida. A decisão foi tomada por cinco votos a quatro. Conforme o entendimento, o adicional será pago mesmo nos casos em que o aposentado recebe o teto do INSS, definido em R$ 5.645,80 para 2018. Ainda cabe recurso.

REJEIÇÃO CAIU, MAS CONTINUA ALTA

Pesquisa Datafolha divulgada ontem apontou que 59% da população brasileira segue contrária a mudanças na atual legislação relacionada ao aborto. Há menos resistência do que antes, contudo. O último índice, de novembro de 2015, era de 67%. Ainda segundo o levantamento, 13% são favoráveis à mudança na lei para que o aborto seja permitido em mais situações (em 2015 eram 16%). E 14% defendem que o aborto seja legal em qualquer situação (três anos atrás, eram 11%). Infelizmente, 58% acreditam que as mulheres que interrompem a gravidez de forma voluntária devem ser processadas e presas. Mas 33% são contrários a qualquer punição. Foram ouvidas 8.433 pessoas em 313 municípios nos dias 20 e 21 de agosto.

VIOLÊNCIA DE GÊNERO

Nos últimos nove anos, a Central de Atendimento à Mulher (180) registrou 3,1 mil denúncias de feminicídio e outras 6,4 mil de tentativas de assassinato por motivos de gênero. A mudança no Código Penal, em 2015, que incluiu o feminicídio parece ter sido importante: naquele ano, foram registradas 956 denúncias de assassinatos, contra 69 no ano anterior. Mesmo assim, os números gerados pelo serviço são tímidos frente à realidade violenta do país: segundo o Sistema de Informações sobre Mortalidade, em 2016, 4.635 mulheres foram mortas por agressões, uma média de 12,6 por dia.

É HOJE

Será retomado hoje o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade5595, que questiona o orçamento impositivo na saúde. Proposta pela Procuradoria-Geral da República em resposta à aprovação, em 2015, da Emenda Constitucional 86, a ADI afirma que as regras reduzem o financiamento federal no SUS. O relator da ADI é o ministro Ricardo Lewandowsky, que já se manifestou favorável à PGR.

O vice-presidente do Instituto de Direito Sanitário Aplicado Thiago Camposfalou com nossa editora, Maíra Mathias, sobre o assunto em outubro passado, e apontou que, desde que foi aplicada, a EC 86 retirou R$ 1,2 bilhão do Sistema Único. “Significa o custeio de um ano inteiro do Samu, por exemplo, ou a possibilidade de construção de novas 2.940 Unidades Básicas de Saúde. Significa ainda o custeio por um ano inteiro de 89 mil agentes comunitários de saúde, além da garantia do pagamento da totalidade das internações em leitos de UTI que o SUS paga por ano”, listou.

CARTA À LULA

Seis ex-presidentes da Fiocruz assinam carta à Lula. No texto, datado em 14 de agosto, expressam “irrestrita solidariedade” a sua luta “por justiça, em defesa do respeito à Constituição, ao Estado de Direito e à democracia” e pela “convicção do seu direito de candidatar-se à Presidência da República”. Elogiam os governos federais do PT, listando uma série de iniciativas que impactaram de maneira positiva a Fiocruz, a população e a política externa brasileira.  Concluem assim: “Acreditamos que o mais importante neste momento é manifestar nossos votos de muita energia, saúde e paz para enfrentar uma adversidade tão grande e um tratamento tão injusto. Mais do que nunca, precisamos que a justiça seja garantida e a democracia seja plenamente exercida no nosso país.”

SARAMPO E PÓLIO

O Ministério da Saúde divulgou que faltam vacinar cinco milhões de crianças num universo de 11,2 milhões que compõem o público-alvo da campanha contra sarampo e pólio, que termina no dia 31 de agosto.

HISTÓRIAS BRASILEIRAS

O prazo oficial para o fim da obra era 17 de agosto de 2016. Dois anos depois, uma unidade básica de saúde ainda está sendo, bem no gerúndio mesmo, construída pela prefeitura de São Paulo. As obras da UBS Jova Rural, na região do Jaçanã, zona norte da cidade, foram iniciadas em agosto de 2015. A prefeitura afirma que 70% da empreitada está pronta.

PRIORIDADES

Seminário realizado no Congresso Nacional reuniu entidades e profissionais de saúde que cobraram a aprovação de projetos que fortaleçam políticas públicas no setor. É o caso de projetos que fortalecem o combate ao tabagismo, que evitariam que a exposição dos produtos nos pontos de venda funcione com propaganda ou direcionariam parte dos tributos da indústria do tabaco para o pagamento de tratamentos de doenças relacionadas ao fumo. Na área da alimentação, os alvos são refrigerantes e sucos industrializados, que deveriam ser mais tributados. E, também, a aprovação da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, que prevê a criação de zonas de uso restrito e zonas livres desses produtos, dentre outras medidas.

BONS RESULTADOS

O melanoma é um câncer com grandes probabilidades de se espalhar para o cérebro e, uma vez que isso acontece, menos de 20% das pessoas sobrevivem mais do que um ano quando submetidas a tratamentos convencionais. Uma pesquisa feita com 94 pessoas que se tratavam em 28 unidades de saúde nos Estados Unidos obteve bons resultados com o uso da imunoterapia, quando drogas potencializam os sistemas imunológicos das pessoas a combaterem a doença. A combinação de dois medicamentos foi capaz de reduzir o tumor cerebral e prolongar a vida dos pacientes: 82% deles continuaram vivos depois de um ano. A pesquisa, patrocinada pela empresa que produz as drogas – Bristol-Myers Squibb –, foi publicada ontem no New England Journal of Medicine.

Segundo o artigo, a combinação deveria ser testada para pacientes com outros tipos de câncer com metástase no cérebro. Mas os resultados não se aplicam aos tumores originados no cérebro. Um editorial do New England Journal escrito por médicos britânicos concorda com as conclusões, mas recomenda cautela, reforçando que os resultados se aplicam só aos pacientes de melanoma. As drogas usadas no estudo custam mais de US$ 100 mil por ano (aproximadamente R$ 405 mil).

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