Folha edita especial sobre saúde mirando eleições

Caderno trouxe uma lista onde se elencou 16 medidas e seus impactos para o sistema de saúde do país

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Caderno trouxe uma lista onde se elencou 16 medidas e seus impactos para o sistema de saúde do país

27 de agosto de 2018

E AGORA?

No sábado, a Folha publicou um especial dedicado à saúde tentando balizar o debate do tema nessas eleições. ‘E agora, Brasil?’ reuniu 12 reportagens, seis delas com exemplos de serviços de referência do SUS (próprios ou conveniados), como unidades básicas de saúde fluviais que levam atendimento para ribeirinhos e indígenas no Amazonas.

Além das matérias, o caderno trouxe uma lista onde se elencou 16 medidas e seus impactos para o sistema de saúde do país. Foi elaborada a partir de entrevistas com fontes muitíssimo diferentes, que vão desde Claudio Lottenberg, do Instituto Coalizão Saúde, think tank que representa grandes empresas do setor (o próprio Lottenbeg é presidente da multinacional UnitedHealth no Brasil) até Mário Scheffer, da USP, pesquisador crítico do empresariamento da saúde. Numa contabilidade rápida, pode-se dizer há mais defensores do mercado entre os 13 entrevistados do que nomes ligados ao SUS. Mas o resultado é equilibrado (provavelmente por obra das repórteres, especializadas no tema).

Defende-se aumentar a cobertura da atenção básica; ampliar a participação de enfermeiros e outros profissionais no atendimento à população enfrentando o lobby dos médicos; transformar boa parte dos cerca de 80% hospitais pequenos do país em outros serviços, já que a quantidade de leitos diminuta e a baixa taxa de ocupação não fazem sentido do ponto de vista assistencial; regionalizar a organização desses serviços que, no jargão da saúde, são considerados “mais complexos”; e, ainda nessa seara, redefinir o nível de descentralização, uma vez que quase 80% das cidades brasileiras tem menos de 20 mil habitantes e se mostram frágeis na capacidade de organizar a rede de saúde.

Há muitas outras propostas, mas destacaremos mais três. O jornal considera a proposta encampada pelo ex-ministro Ricardo Barros de criar planos populares de saúde como negativa. É a única a receber tal classificação. Por outro lado, elenca a principal bandeira do setor privado (Coalizão Saúde e cia) de que uma melhor “coordenação” ou “sinergia” do SUS com o setor privado pode “reduzir a carga do setor público”. E bate na tecla de que o setor privado é “mais eficiente” para gerenciar serviços do que o setor público. Recomenda as Organizações Sociais (OSs) e as parcerias público-privadas (PPPs).

Por fim, não sabemos o que pensar da proposta que quer definir a extensão da cobertura universal do SUS. De verdade. Diz o texto: “Não há clareza no Brasil sobre a extensão da cobertura (medicamentos e procedimentos ofertados). Isso, aliado a uma demora para a incorporação de novas tecnologias, abre espaço para a judicialização da saúde, que já custa R$ 7 bilhões por ano ao país. Sanitaristas defendem que sistema continue a ser universal, mas com lista de procedimentos terapêuticos efetivos, evitando que a cobertura ocorra para um tratamento em detrimento de outro com menor custo e eficácia semelhante”.

O resto das matérias, resumimos amanhã.

DEFESA TÍMIDA

O SUS foi o assunto de um dos editoriais de ontem na mesma Folha. “Pior sem ele” foi o título escolhido. O Sistema é caracterizado como “um pequeno milagre”, já que o Brasil, é um dos poucos países de renda média a ter universalizado o acesso à saúde.  “Não faltam razões para pessimismo, porém”, ressalva o texto, citando “gargalos que tendem a se agravar nos próximos anos”: restrição orçamentária e envelhecimento da população. A Folha afirma que o financiamento é o principal problema. “Em termos proporcionais, o Brasil gasta 8,9% do Produto Interno Bruto em saúde, patamar semelhante ao de países desenvolvidos. Entretanto a parcela correspondente ao SUS ronda os 3,8% do PIB, abaixo dos padrões internacionais”. No entanto, estabelece o seguinte horizonte político para os eleitores: ceticismo em relação a “promessas de mais dinheiro”. Ao invés de política, o editorial sugere que “os esforços precisam se concentrar no combate às ineficiências do SUS”. Entre os exemplos de medidas nesse sentido, cita a regionalização – mas afirma que não existe um “plano nacional articulado nesse sentido” (nós aqui nos perguntamos sobre o Contrato Organizativo de Ação Pública, o COAP, criado em 2011 por decreto presidencial que ‘existe’ e prevê justamente isso). O editorial cita muitas dos destaques do caderno especial editado na véspera, acrescentando que o “emprego dos serviços de organizações sociais [OSs] é uma opção a ser explorada, por permitir gestão mais dinâmica e menos burocrática, em particular para contratação e dispensa de pessoal”.

Talvez a única novidade no front seja a defesa – tímida – de mudanças nas isenções no Imposto de Renda. “Especialistas apresentam, como alternativa, a fixação de um limite máximo para os abatimentos de despesas médicas que contribuintes podem fazer na declaração anual do Imposto de Renda. Trata-se de proposta certamente sujeita a reparos e contestações, mas que faz sentido do ponto de vista da justiça distributiva”.

RISCADO DO PROGRAMA

Na capa da Época desta semana, em meio às incertezas da candidatura tucana, uma informação interessante para quem se preocupa com saúde. É que o ex-secretário estadual de saúde, David Uip, contou aos repórteres que nos últimos meses, tomou parte de uma equipe multidisciplinar que recebeu de Geraldo Alckmin a missão de fazer um diagnóstico da saúde no país. Saíram de lá quatro pontos. Mas só dois entraram no programa de governo do candidato. E adivinha? O problema do financiamento, considerado o principal pelo grupo, desapareceu do programa. “Precisamos reconhecer que o SUS está subfinanciado. Criamos um sistema muito amplo, mas não pensamos em fontes de recursos estáveis para ele”, diz Uip na matéria. O outro ponto que saiu foi a judicialização. E o que ficou, é mais do mesmo: a promessa do prontuário eletrônico (que era uma das promessas do ex-ministro Ricardo Barros) e que a informatização será capaz de reduzir perdas de recursos melhorando a gestão.

A reportagem também revela um hábito um tanto cômico do ex-governador de São Paulo: ele guarda uma caderneta com os registros das anestesias que aplicou quando médico (faz tempo). E não é incomum que saque dela para entreter visitas com histórias daquela época.

SENADO LIDERA DERRUBADA DO VETO

Foi destaque ontem a promessa do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), de convocar uma sessão para votar a derrubada do veto que impede ao reajuste do piso salarial dos 355 mil agentes de saúde. Na home do portal, a Folha destacava que seria uma “armadilha” para o próximo presidente, pois aumentaria o gasto da União em R$ 4,8 bilhões em três anos (passando dos atuais R$ 1.104 para R$ 1.550 em 2021). Os agentes são contratados pelos municípios, mas 95% do valor do piso é pago pela União.

O que a reportagem não conta é que Michel Temer (ainda iludido pela miragem da reeleição que deixaria de lado mais tarde) foi a uma audiência pública do Congresso e até saiu do script formal com a recepção calorosa da categoria, que depositava na aliança com o governo as fichas para que o aumento saísse. Lá, foi claramente discutido o reajuste. Na matéria, o senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), responsável pela inclusão do reajuste no texto, lembra que esta proposta foi construída com o líder do governo no Congresso, deputado André Moura (PSC-SE), “sem contestação”. Moura e sua assessoria não responderam à reportagem.

A expectativa é que a votação aconteça na primeira semana de setembro, quando está previsto um esforço concentrado para votação de projetos na Câmara e no Senado. “Mesmo entre aliados do presidente, o sentimento é que a derrubada do veto é praticamente inevitável. Na Câmara, por exemplo, 228 dos 513 deputados compõem a Frente Parlamentar em Defesa dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias. A maior parte deles é de siglas da base”, nota a matéria.

REDE D´OR AUTUADA

O Ministério do Trabalho fez uma inspeção em 11 hospitais da Rede D´Or no Rio e apontou que 1.606 médicos estavam trabalhando em situação irregular. A empresa, ao que tudo indica, não aprendeu: havia sido autuada em dezembro pelo mesmo órgão, que na ocasião encontrou número menor de trabalhadores irregulares, 380. É que os profissionais tinham sido demitidos e continuavam trabalhando de forma autônoma ou por meio de empresas constituídas. O MPT afirma que se trata de terceirização ilícita, pois estão presentes elementos da relação de emprego, inclusive a subordinação a escalas e padrões de atendimento. A empresa foi notificada a depositar R$ 31,6 milhões que deixaram de ser recolhidos pelo FGTS para médicos e R$ 811 mil para fisioterapeutas.

CARTA ANUAL

O diretor-geral da OMS Tedros Guebreyesus estreou semana passada num rito da entidade: a tradicional carta anual. E de saída, começa comparando a saúde a uma “commodity” (a mais valiosa, frisa). Mais para o fim do texto, essa escolha não deixa de ser reveladora. Ele destaca o marco dos 70 anos da entidade (completos em abril) e elogia os fundadores por não terem sido modestos ao colocar no documento que constitui a OMS que a saúde é um “direito humano”.

Como dissemos aqui em maio, quando aconteceu a Assembleia Mundial da Saúde, a principal expectativa em torno de Tedros tinha a ver com a resposta que a entidade conseguiria dar ao surto de ebola na República Democrática do Congo. E, até agora, a mídia internacional considera que a OMS tem se saído bem, e ele destaca isso logo no início da carta – que, de resto, é uma coleção de parágrafos curtos que parece mais uma lista do que qualquer outra coisa.

Um trecho interessante no contexto atual tem a ver com a defesa das vacinas: “Sou lembrado [dos princípios da OMS] todos os dias quando chego ao trabalho e vejo a estátua de uma criança sendo vacinada contra varíola. A erradicação dessa doença antiga continua sendo uma das maiores conquistas não só da história da OMS, como da história da medicina”.

POLEGAR PRA BAIXO

Morreu no sábado o senador republicano John McCain. Por aqui, ele ficou conhecido em 2010, quando disputou com Barack Obama a corrida presidencial. Por lá, era considerado uma espécie de reserva moral do Congresso, e há uma enxurrada de textos sobre sua atuação considerada pela imprensa dos EUA como independente das posições da bancada de seu partido (e há quem note que, na verdade, o que McCain tinha era excelentes relações com os jornalistas de Washington que estão um tanto cegos para seu apoio consistente a todas as guerras declaradas mundo afora e até para os números: votou 93% das vezes com o governo Trump, apesar da fama de opositor). Mas uma de suas votações mais lembradas tem a ver com a saúde.

Já varava a madrugada quando McCain jogou um balde de água fria na tentativa de Trump de acabar com o ‘Obamacare’, ou Affordable Care Act, que como o nome já diz, é um – senão o principal – projeto da gestão anterior. Sua posição não foi tanto contra o mérito – ele já havia votado contra outros projetos que estendiam políticas de saúde – mas contra o processo atropelado de aprovação, que aconteceu sem audiências públicas e pulou o debate nos comitês. Mas em 27 de julho do ano passado, ele votou pelo não e, de maneira dramática da tribuna, virou o polegar para baixo.

MAIS OBAMACARE E REDUÇÃO DE DANOS

Um editorial do New York Times defende a política de redução de danos e o Obamacare como as melhores formas para lidar com a crise dos opioides. E critica Trump por fechar os olhos para os ótimos resultados obtidos por estados e municípios que adotam a abordagem. No ano passado, o país viveu seu maior pico de mortes por overdose: foram 72 mil, um aumento de 10% em relação a 2016. São pessoas que, segundo o CDC (Centro para Prevenção e  Controle de Doenças), estão usando muitas drogas ao mesmo tempo: heroína, fentanil, cocaína, metanfetamina, benzodiazepina (ansiolítico)… Mas há lugares onde essas mortes vêm caindo. São justamente  os locais onde há tanto uma abordagem preventiva para reduzir as prescrições de opioides, quanto políticas úblicas de substituição dessas drogas por outras, como metadona e buprenorfina, que melhoram a qualidade de vida dos usuários.

“O sucesso pode ser atribuído em parte aos esforços de aumentar o número de pessoas com seguro de saúde – sabe-se que dependentes químicos frequentemente têm situações financeiras complicadas e não podem arcar com tratamentos se não estiverem cobertos”, diz o editorial, apontando para locais onde as overdoses caíram e se vê que a diferença para onde elas aumentam é que, nos primeiros, 60% dos usuários receberam tratamento e remédios e nos segundos, esse número cai para 12%.

“A disparidade mostra o quão importante é para governos estaduais tirarem vantagem do Obamacare, e a quão equivocada está a gestão Trump e os congressistas republicanos de fazerem tudo o que está a seu alcance para enfraquecer essa lei e reduzir o número de pessoas que dela se beneficiam”, diz o NYT.

MOMENTO BOBEIRA

Nas eleições o que não falta é motivo pra rir (e pra chorar). Circula nas redes sociais um vídeo daqueles com DNA de meme. É a propaganda das “gêmeas de saúde”, em que as candidatas pelo PSDB mineiro Mirelle e Daniela se apresentam aos potenciais eleitores cantando um jingle insólito com tamanha desafinação que é difícil descrever. Só ouvindo. Em tempo: elas prometem que se eleitas deputada federal e estadual, respectivamente, a pobreza não vai mais existir. Tá bom ou quer mais?

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