UPAs sem uso

A União investiu R$ 268 milhões em 145 Unidades de Pronto-Atendimento que estão prontas, mas fechadas pelas prefeituras

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24 de agosto de 2018

UPAS SEM USO

O UOL tem feito uma boa cobertura de saúde. Reportagem publicada ontem informa que 145 Unidades de Pronto-Atendimento, as UPAs, deterioram em todo o país. O governo federal investiu R$ 268 milhões na sua construção. Os prédios estão prontos. Mas permanecem de portas fechadas. A mais antiga delas, em Araguaína (TO), desde 2011. A gestão atual do município argumenta que a UPA foi construída “sem planejamento” e anuncia, sem dar detalhes, que vai transformar a unidade em Clínica da Mulher. A justificativa de que as UPAs inutilizadas serão transformadas em outra coisa foi constante. São muitos casos relatados pelo repórter Wanderley Preite Sobrinho, que conversou com moradores de várias das cidades que sofrem com o problema. Em Betim (MG), com UPA inaugurada em 2012 que jamais funcionou, uma moradora desabafa: “O nosso bairro precisa da UPA porque quase ninguém tem plano de saúde.”

Dentre os problemas apontados, figuram a irresponsabilidade de políticos locais – que no afã de anunciar e inaugurar obras não se certificam de que o município vai ter os recursos necessários para efetivamente colocar o serviço em funcionamento – e, do outro lado desta moeda, o governo federal, que não se aprofunda na avaliação das contrapartidas oferecidas pelas prefeituras; e o TCU, que não tem capacidade para fiscalizar todos esses investimentos.

O estado com mais UPAs fechadas é São Paulo (22), seguido por Bahia e Pará (13 cada) e Paraná (11).

DE CASA EM CASA

Em São Paulo este sábado, agentes da Prefeitura irão de casa em casa para buscar as crianças menores de cinco que não foram vacinadas contra sarampo e pólio na atual campanha, e tentar bater a meta de imunização de 95% desse público-alvo. Hoje, o índice está em 50%.

É CULPA DO PT?

Comemos mosca e não noticiamos por aqui um editorial publicado na quarta pelo jornal O Globo em que se afirma que “a bagunça na saúde, iniciada na era Lula” levou à desorganização do SUS e é responsável pelos atuais baixos índices de cobertura vacinal, expressos pela campanha contra sarampo e pólio que, até agora, só atingiu metade do público-alvo. O texto cita o nível de engajamento em vários estados – Rio, Pará, Rondônia, Amapá, etc. – para dizer que: 1) as autoridades hoje estão cumprindo tabela, e faltam estratégias que motivem as pessoas a aderir à campanha; 2) no fundo, tudo é culpa do PT:

“O que se viu, a partir do governo Lula, foi um desarranjo na gestão do sistema público, cujas causas estão em administração deficiente, disputas técnicas e suspeitas sobre as compras de vacinas (HPV, por exemplo). A esse quadro, somou-se, mais recentemente, o ativismo político de militantes vinculados ao PT e partidos satélites que, em posições estratégicas nas áreas de prevenção sanitária federal, estaduais e municipais, contribuíram decisivamente para impasses na formulação e execução das campanhas públicas de vacinação. É desse grupo o absurdo discurso eleitoral de que o impeachment de Dilma fez o país regredir na vacinação, na mortalidade infantil e ‘voltar ao mapa da fome’”.

NÃO É CULPA DO PT…

Os ex-ministros da Saúde do governo Lula, José Gomes Temporão e José Agenor (este também participou do segundo governo Dilma) responderam ao editorial. Em carta enviada ao jornal, publicada ontem nas redes sociais, afirmam que o texto é uma “agressão irresponsável” e promove fake news. Escrevem:

“O sucesso de um programa de vacinação pode ser medido pela população alcançada e pelas doenças prevenidas. Nessas duas dimensões, o período de maior crescimento do PNI foi justamente aquele em que Lula e Dilma estiveram na Presidência do Brasil, com incorporação de novas vacinas e ampliação da parcela da população beneficiada. As vacinas oferecidas na rede de atenção básica, que eram 14, em 2002, passaram a 20, nas gestões Lula e Dilma. Foram incorporadas, entre outras, aquelas que protegem contra a meningite C, contra a diarreia causada pelo rotavírus que evitou a morte de 1,8 mil crianças por ano no país, contra o pneumococos e a do papilomavírus, que previne o câncer de colo de útero, produzida pelo Instituto Butantan, do governo do estado de São Paulo, e sobre cujo processo de aquisição não paira qualquer tipo de suspeita. E em 2010 foi realizada a vacinação contra a gripe H1N1 com 88 milhões de pessoas protegidas. (…) Os cortes orçamentários causados pela emenda constitucional 95 comprometem a sustentabilidade da atenção básica e o trabalho das equipes de saúde da família. Por mais que os sistemas de aquisição, suprimento e armazenamento de imunobiológicos funcionem bem, são os profissionais desses serviços que acompanham a situação vacinal das pessoas de suas áreas, convocam, visitam as casas e efetivamente administram as vacinas, trabalho que está sendo prejudicado.”

No dia anterior ao editorial de O Globo, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) divulgou uma nota em que manifestava preocupação com a queda das coberturas vacinais: “A redução das coberturas vacinais do calendário infantil, entre 2015 e 2017 nos mostra a dimensão do problema. Segundo dados do Ministério da Saúde/PNI a vacinação contra a poliomielite caiu de 98,3% para 79,5%; rotavírus de 95,4% para 77,8%; pentavalente de 96,3% para 79,2%; hepatite B ao nascer (<1 mês de idade) de 90,9% para 82,5%; meningococo C de 98,2% para 81,3%; pneumocócica de 94,2% para 86,3% e; primeira dose de tríplice viral de 96,1% para 86,7%”.

A Abrasco reconhece que a situação é complexa, incluindo aí a atuação de movimentos antivacinas, mas para a entidade o que determinou a redução das coberturas foram dois fatores: crise de financiamento e piora dos serviços do SUS. A primeira se expressa pela EC 95, como citam Temporão e Agenor, e a segunda na “falta e alta rotatividade de profissionais, a estagnação das equipes de Estratégia Saúde da Família, más condições de trabalho que dificultam ações de vigilância, como a busca ativa e investigação epidemiológica e desabastecimento de vacinas na rede pública.”

NOVIDADES SOBRE OS SURTOS

Uma pesquisa da Fiocruz e da Universidade de Oxford (Inglaterra) investigou os recentes surtos de febre amarela no Brasil. Publicado ontem na Science, o estudo afirma que o que aconteceu foi mesmo febre amarela silvestre – e não a variação urbana, como muitos temiam –, e também que o vírus possivelmente migrou do Norte e Centro-Oeste para o Sudeste do país com “ajuda” humana, como tráfico ilegal de macacos ou mesmo transporte inadvertido de mosquito em  viagem de carro, por exemplo. A partir de análises genéticas, epidemiológicas e espaciais do surto, os pesquisadores concluíram que a partir do momento em que os casos iam sendo identificados em macacos (pela morte dos bichos), levava apenas quatro dias para que aparecessem em humanos. E recomendam que as campanhas de vacinação sejam focadas no público que se mostrou mais suscetível: homens trabalhadores rurais entre 40 e 49 anos, que responderam por 85% das infecções em Minas.

VAI RECORRER 1

O Planalto divulgou ontem que a decisão do Superior Tribunal de Justiça terá um impacto de R$ 3,5 bilhões por ano. O STJ decidiu na quarta que todos os aposentados têm direito ao adicional de 25% do valor do benefício caso necessitem de auxílio permanente, como de um cuidador de idosos ou mesmo de um familiar.Já o Instituto Nacional do Seguro Social, o INSS, anunciou que vai recorrer da decisão assim que ela for publicada.

VAI RECORRER 2

Também ontem o ministro da Agricultura Blairo Maggi voltou a dizer que a Advocacia Geral da União vai recorrer da decisão que suspendeu o registro de agrotóxicos que tenham como ingrediente ativo o glifosato. Diz o ministro que sem glifosato, de 95% a 97% da área plantada de culturas como soja, milho e algodão seria inviabilizada – tamanha a dependência que o agronegócio tem do produto. A suspensão, decretada pela Justiça Federal, acontece até que a Anvisa conclua procedimentos de reavaliação toxicológica desses agrotóxicos.

MUNDARÉU DE PROCESSOS

Enquanto isso, a Bayer – que comprou a Monsanto, fabricante de agrotóxicos com glifosato como Roundup e Ranger Pro – ‘comprou’ junto os processos movidos contra a empresa relacionados a esses produtos. São aproximadamente oito mil ações judiciais no final de julho. Um aumento considerável desde a última notícia oficial, dada pela própria Bayer em junho, de que seriam cerca de 5,2 mil casos. Como você sabe, a Monsanto foi condenada a pagar US$ 289 milhões (mais ou menos R$ 1.170 bi) no dia 10 de agosto, quando foi condenada pela Justiça na ação movida por Dewayne Johnson, que desenvolveu câncer, por ter sido exposto ao produto e não haver qualquer alerta a respeito do risco. No julgamento, foram apresentados e-mails em que executivos da empresa demonstraram saber do potencial cancerígeno dos agrotóxicos produzidos por ela.

DEBATE NECESSÁRIO

“Se o SUS foi produto de luta social potente, nas ruas, sua defesa não poderá obedecer a outra exigência. Saídas consensuais, pactuadas, disputas eleitorais, documentos, manifestos, abaixo-assinados e lobbies no parlamento não serão suficientes para conter a reverter a escalada global do drama social e de produção da barbárie que vivemos. Nem na saúde nem fora dela.” A análise é do pesquisador da Fiocruz André Vianna Dantas e foi escrita para o Intercept Brasil e republicada pelo Outra Saúde.

O historiador, que foi entrevistado em nossa reportagem sobre o significado dos cinco anos de Junho de 2013, é um estudioso do movimento conhecido como Reforma Sanitária, e um defensor da ideia de que as dificuldades do SUS não podem ser atribuídas ao “fantasma da classe ausente”. Ou seja, à população que, segundo alguns analistas, não entende e não defende o Sistema. Para ele, a conquista brasileira de um sistema público universal de saúde não deve ser entendida de maneira autônoma da luta popular geral, travada na redemocratização.

“No Brasil e no mundo, o estudo da história não nos autoriza a apostar em conquistas civilizatórias que não tenham sido produzidas por lutas sociais de peso, para além das eleições e da ocupação de cargos públicos ou em entidades”, escreve. O artigo tem como pano de fundo a disputa pelo fundo público e o papel do Estado no capitalismo contemporâneo.

Vianna Dantas, aliás, é o entrevistado do mês do Observatório de Análise Política em Saúde. Por lá, também bate na aposta que parte do movimento sanitário faz na política institucional, como se a candidatura Lula fosse “tábua de salvação para tudo”. Diz ele: “(…) embora o processo da luta se mantenha – nesse sentido a Reforma Sanitária está viva, o movimento sanitário está vivo – com esses métodos de luta a Reforma Sanitária morreu. Já se testou o privilégio da tática institucional, deixando em segundo plano o trabalho pela base, e não deu certo, não está dando”.

GREVE DE FOME

Os grevistas de fome completam hoje 25 dias sem alimentação. Exigem que as três ações declaratórias de constitucionalidade sobre legalidade da prisão em segunda instância sejam julgadas pelo Supremo. Ontem eles foram recebidos pela ministra Rosa Weber e pela chefe de gabinete do ministro Luis Roberto Barroso.

O Saúde Popular apresenta um breve perfil do médico que está cuidando dos sete militantes. Ronald Wolff integra a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares, é filiado ao PT e começou a militância política na década de 1970, na Comissão Pastoral da Terra. Já acompanhou quatro greves de fome. Promete essas experiências em um livro.

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