Sete de setembro Bolsonarista em São Paulo

No feriado da Independência, manifestações pró e contra Bolsonaro agitam o país. Em São Paulo, uma das maiores apostas golpistas tomou a avenida.

Hoje terça-feira fui ao ato pró-Bolsonaro na avenida Paulista. Muita coisa foi igual às manifestações passadas, mas teve novidades também – esta foi a primeira manifestação brasileira com tecla SAP!

Cheque os vídeos do ato em https://www.youtube.com/channel/UC2HckNC_hEmc7qKW1aGK_KQ

Acordei sob o impacto das imagens da “invasão” dos bolsonaristas na Esplanada em Brasília. Hoje era o ponto culminante de vários processos em curso e, agora de manhã, tudo estava em aberto. O dia prenunciava o pior e a pergunta de hoje era se haveria um esgarçamento do tipo trumpista, com invasão de prédio público e impasse institucional que forçaria tomadas de posição até agora ninguém tinha ousado. As incógnitas eram (e são) muitas: as PMs se amotinariam e se juntariam aos manifestantes? Os caminhoneiros vão parar o país? A base do presidente diminuiu em força ou estão dispostos à mudança de regime? Como reagiriam as instituições?”

Os lances da semana indicavam o pior – a FEBRABAN e FIESP, banqueiros e industriais, tinham recuado de críticas amenas mas abertas ao governo, e expuseram o atual e profundo racha na burguesia, que parecem tocar dois golpes distintos: um com Bolsonaro (mais militares) e outro com a Terceira Via (também mais militares). Além de um golpe militar clássico na Guiné!

Além disso, um enorme medo tomou conta da esquerda: esperávamos sermos agredidos se fôssemos às ruas, muito vaticinaram rios de sangue e corpos na rua. Houve intenso debate sobre isso, especialmente entre aqueles que tudo apostam na eleição de Lula e aqueles que não. A hesitação se refletiu na confusa convocação do ato de resistência. Ao final, o medo era totalmente deslocado. Mas a sociedade viu a esquerda ficar com medo de ir à rua, vai ter impeachment e é o ato do MBL que vai bombar. Estamos muito obviamente vulneráveis.

As repercussões da manifestação já estão ardendo nas redes e jornais, e tem perguntas que ainda são feitas com ansiedade: “Vai ter golpe? Quem vai ser contra? O que querem os militares? E se for muita gente?”.

A última pergunta foi fácil de responder em São Paulo: foi um monte de gente sim.

Dei um giro pela Paulista e centro logo de manhã, umas 9h. A avenida já apresentava atividade e gente que desperta cedo já passeando verdeamarela na rua. Deu para ver que ia encher.

Quis estar nos dois eventos (pró e contra-Bozo) da tarde, e tentei alternar como fosse possível. R me ajudou e concentrou no centro da cidade – eu fiquei mais na Paulista. Este é o relato do ato bolsonarista.

Os carros de som iam montando seus aparatos na avenida sob o forte sol, os vendedores estendendo suas mercadorias, mas, no centro da cidade, não vi nada – exceto o vale gradeado de forma esquisita.

Pensei nos eventos da noite, quando uma ação muito bem concertada disparou vídeos alarmantes de manifestantes bolsonaristas rompendo barreiras policiais com enormes caminhões, uma quantidade de gente grande aparentemente ganhando o território em frente aos edifícios sensíveis.

Foi muito louco acompanhar os eventos de Brasília ontem, à noite, parecia que estávamos em um transe, onde todos os enredos eram encenados simultaneamente e nada podíamos fazer. O pânico parecia impedir a correta leitura do lance e fazia com que produzíssemos nossa própria paralisia pela profusão de versões e possibilidades em colisão. Ficamos loucamente tentando dar sentido à massa de factoides coalhando um labirinto coreografado de fora: o que diabos está acontecendo? A verdade é mesmo a primeira vítima da guerra e o estilo Steve Bannon de fazer política estava em pleno curso – seu método funciona!

Até mesmo a informação de que todos os hotéis de Brasílias estavam lotados (largamente replicado na esquerda), confirmando a escala da “invasão”, não era exata. Fui reler a matéria depois e esta era baseada em uma fonte dizendo que dizia haver reservas muito numerosas – e não hóspedes concretos nos quartos. A manchete do artigo esfumaçou a informação e deu margem ao boato.

De manhã deu para ver que a invasão dera em nada, e que muitas impressões gerdas pelos vídeos eram enganosas. Ganhou o Bolsonaro, que durante umas 3 horas manteve o zumzum do “eles invadiram! Eles cruzaram a linha! Vai começar tudo agora!”. Passada a fumaça, ficou talvez o ganho político maior: todo mundo pensando “eles podem tudo!”.

Pedalando pela cidade, não via cartazes, panfletos e pichações, que na política mais tradicional acompanham mobilizações para atos. Recordei que no dia da eleição do segundo turno de 2018 eu não via um único cartaz ou mesmo adesivo de Bolsonaro, nenhum santinho, nenhuma boca de urna. Nada. Mas TODAS as rodas de conversa naquela manhã eram sobre Bolsonaro.

Assim era hoje, escutei uns taxistas falando dele e também um guarda em sua guarita, escutando alguma estação muito bolsonarista. Lembrei de Paulo Arantes, que define o bolsonarismo como um movimento de insurreição popular, de direita, mas genuinamente popular (inclui classes médias e elites, mas as últimas serão substituídas).

Almocei com R no centro e retornei à avenida ao redor das 13h30. Forte sol batia no asfalto e já tinha bastante gente caminhando pelo local. Era claro que as pessoas vinham de incontáveis municípios brasileiros, especialmente do interior de São Paulo. O metrô estava cheio e o povo lotava várias estações.

Logo depois de cruzar a avenida Brigadeiro pelo meio da rua (tudo fechado ao trânsito, da praça Oswaldo Cruz até a avenida Consolação) vi o primeiro carro de som, de um total de dez ao longo da extensão da avenida. Este era pequeno e da Liga Cristã Mundial, useira e vezeira dos atos bolsonaristas.

Em frente a Gazeta, estava o segundo carro de som. Era do agronegócio (vi o logo do Sindicato Rural de Ribeirão Preto) e dois enormes infláveis ladeavam o veículo: Bolsonaro em cavalo rampante e Bolsonaro presidente, de terno. Vi também um boneco do ministro do STF Alexandre de Moraes, grande inimigo do pessoal hoje.

O conjunto era embalado por uma canção muito curiosa, um jovem ruralista desfiava suas memórias ao narrar sua jornada de conquistas. Fiquei um pouco e avancei.

Vi o Lisboa gravar entrevista para seu vlog, que leva seu nome.

O terceiro carro estava a poucos metros, e vi a primeira faixa em inglês. Era o carro dos monarquistas. Estenderam uma enorme bandeira imperial atravessado na rua, o pavilhão parecia uma enorme cortina no asfalto. No carro de som, faixas com o tema da Constituição – parece que o dito príncipe escreve uma nova carta magna para o Brasil. Vi também um busto de D. Pedro I em um pedestal ao lado do carro de som, envovlido em plástico bolha – bizarro (checa o vídeo!).

Achei que hoje havia uma presença muito forte dos monarquistas, a bandeira deles aparecia em todos os lugares. Esta era uma notável diferença em relação aos atos bolsonaristas do passado.

Uma outra forte diferença era a enorme quantidade de mensagens, talvez mais da metade de todos os cartazes, faixas e banners tinha texto em língua estrangeira, notadamente em inglês. As traduções não eram necessariamente muito boas e dei várias risadas (top do dia: “Outside Moraes!”). Fiquei a imaginar se o ponto era gerar solidariedade internacional ou apresentar prova do uso de dinheiro estrangeiro enviado, sei lá. Vi mensagens em inglês até mesmo em material feito por associações claramente pequenas, tipo Clube Conservador de Varginha ou Direita Ourinhos. Cheguei a ouvir uma oradora de carro de som puxar a palavra de ordem “Freedom” – e a galera cantou junto!

Aliado à gritante minoria de cartazes feitos à mão, ponderei que era tudo material centralizado, entregue aos manifestantes. De fato, as narrativas expressas nas mensagens estavam bem sob o controle: uns três pontos centrais dominavam a pauta. Hoje, nada de profetas loucos e falar em línguas, só tinha soldado disciplinado. Era quase estatístico que houvesse muito mais cartazes feitos à mão, dada a quantidade total de manifestantes.

Tudo isso converge na outra constatação, que era a óbvia escala da organização: aquele ato deu muito trabalho para realizar, e muita grana foi gasta também. O ato foi grande. Muito se falou depois que ‘flopou’ em Brasília, mas o número inicial de 100 mil manifestantes foi revisto para 400 mil na capital federal. Super suspeito esta correção posterior, mas serviu para fazer valer o auê que Bolsonaro fracassou no dia 7 de setembro, o que não é exatamente verdade. Há forças importantes na imprensona agora contra o presidente que estão a operar esse tipo de truque.

Caminhando no sentido Consolação notei o cartaz impresso “Tribunal Constitucional Militar”, uma faixa “Brasil pede destituição do STF”. Voto impresso, contra STF e contra Moraes, liberdade em geral e liberdade para os ‘prisioneiros políticos’ (Daniel Silveira, Roberto Jefferson, e agora – de novo – o youtubber Eustáquio).

Ouvi muito as palavras de ordem “Eu vim de graça” (tem vídeos mostrando que muitos manifestantes foram pagos sim) e “Lula, ladrão, seu lugar é na prisão”.

Na real as mensagens não eram muito diferentes das dezenas de atos e carreatas da extrema direita a que tinha ido nos últimos dois anos. Achei as formulações desta manifestação boas para as bases, sempre no limite do legal, sempre anti-sistema mas formuladas positivamente em termos como “liberdade”, “democracia” e “constituição”, “anti-corrupção” e “limpeza”. Isso permitia que um manifestante e um orador que ouvi pudessem fazer pouco da descrição dos atos que estavam na imprensa: “manifestações anti-democráticas”. Para eles, os atos eram claramente de defesa da vida democrática – “do bem”. Curioso que nunca falam em direitos, eles não usam esse termo. A fala do presidente daria a temperatura política mais exata da medida de suas intenções políticas.

Passei por mais dois outros carros de som, um em frente ao Shopping Cidade de São Paulo e outro em frente a FIESP. Um era do Avança Brasil, e o segundo tinha temas monárquicos também.

O sexto carro estava na esquina da rua Itapeva e tinha motivos cristãos. O sétimo e oitavos no quarteirão do MASP – e um deles era o principal, onde discursaria o presidente. A área em frente ao MASP foi depois esvaziada e reservada.

A esta altura o asfalto estava lotado e fiquei preso uns 20 minutos, tentando voltar e tomar uma travessa. No meio da multidão, sob o sol quente, vi um moço chinês, suando em bicas mas sorridente em seu terno, empunhando um sininho com que abençoava as pessoas fazendo-o soa seu som pequenino. Já o tinha visto na carreata de Bolsonaro em São Paulo.

Consegui sair fora da muvuca e contornar pela alameda Santos até mais perto da rua Ministro Rocha Azevedo, por onde retornei à avenida. A Santos estava cheia pra caralho também.

Notei o bom humor das pessoas, para a maioria este era claramente um delicioso feriado.

Cheguei à esquina da rua Augusta e anotei outros dois carros de som, menores, que pontuavam a avenida, um em frente ao Center 3 e o outro depois da rua Augusta em frente ao hotel Meliá.

Já tinha dado para notar que o grosso da manifestação era composta da base bolsonarista: os coxinhas (senhorinhas e senhorzinhos brancos de 50-70), os militantes (homens de 30-40), algumas famílias, evangélicos e militares ou ex-militares. Jovens e crianças completavam o cenário. Apesar de majoritariamente branco, havia alguma diversidade étnica – sob as dúbias lentes da etnografia do olhão. Evidentemente muitos eram de fora da cidade.

Havia sim muitos grupos de policiais, mas com camisetas e não uniformes (vi um único senhor com uniforme do exército completo), o que já tinha visto muitas vezes em atos passados – clubes de ex-paraquedistas, turmas de ex-colegas militares etc. A Associação dos Veteranos da ROTA estava lá de novo.

As selfies com PMs em serviço, de novo, é usual e está no limite da legalidade.

Vi muitas camisas do Palmeiras, um do São Paulo e outra do Flamengo. Vi bonequinhos infláveis do Lula presidiário. Seu nome ou figura estavam em várias mensagens e orações. O homem assusta.

Vi cartazes “Intervenção militar com Bolsonaro no poder”, “Esquerda nunca mais”, “Supremo é o povo” e “Pela criminalização do comunismo”.

As falas dos carros de som eram bem combativas, “não vamos recuar”, “eu autorizo” etc. Um orador afirmou que a o facebook e youtube estavam censurando comentaristas ‘convervadores’. Disse também que seu celular tinha sido roubado naquele dia, enquanto fazia uma live! Havia palpável alegria na leitura dos números de manifestantes de hoje. Os organizadores que ouvi falar diziam que havia quatro milhões de pessoas, e que era o “maior manifestação da história”. O exagero era evidente, mas rivalizava com o grande ato pró-golpe de 2016 (então umas 150 mil). Achei que havia tanta gente quanto a passeata pró-Dilma de dezembro de 2015, quando contei 100 mil pessoas.

Achei a cifra muito expressiva e de nenhuma forma um fracasso. A esquerda tenta muito e não consegue mais do que 30 mil. “Ah, mas eles esperavam 4 milhões” não quer dizer nada. Fora as Diretas em 1984, nenhum ato reuniu mais de um milhão. É verdade que o custo foi alto e possivelmente não facilmente replicável, mas eles estão com essa força toda sim. A narrativa do “flopou” foi importante para barrar a paralisia, mas não foi simples assim na rua nem nos desobriga da luta.

De fato, esse alívio de não ter tido massa ou organização suficiente para um golpe esconde que Bolsonaro avançou mais ainda os limites do aceitável e nos forçou a normalizar certas coisas horríveis, tipo que a polícia tem lado, que mortes são um preço aceitável, que as instituições podem aceitar atrocidades em silêncio.

Perto das 15h dois helicópteros do exército sobrevoaram o local: era Bolsonaro. O povo aplaudiu muito, acenando para a aeronave.

Acabei chegando à Praça do Ciclista e decidi me quedar ali perto do último carro de som, onde a multidão era mais esparsa. Assim ouviria o presidente falar sem ficar esmagado pela multidão sob o sol.

Entendi que este não era um local VIP quando subiu o apresentador Amauri Júnior para discursar. Foi saudado como “um artista que não usa a Lei Rouanet”. Curiosamente, ele tinha mensagem de respeito à opinião alheia e destoou um pouco do tom geral belicoso.

A certa altura um outro orador ficou indignado com alguém que teria jogado uma garrafa na avenida a partir de uma janela do hotel. A comoção durou uns 15 minutos, ficavam falando que tinha sido a partir do décimo primeiro andar, mas depois passou.

Afinal o discurso de Bolsonaro foi irradiado, mas a qualidade do som era péssima e não se entendia nada. A má qualidade do som fazia parecer que o presidente falava transtornado a partir do além-túmulo, irradiando de um universo onde as leis da física ondular não se aplicam.

A fala foi curta e o pessoal nem se interessou tanto assim. Li nos jornais depois que em Brasília o tom foi provocador e belicoso, em São Paulo menos.

Fiquei muito atento para ver se haveria alguma marcha ou ocupação sob comando dopresidente, alguma chamada inssurrecional, mas nada rolou. Vi quatro jovens hare-krishna dançarem e cantarem no asfalto, mas certamente não tinha a ver com a fala recém-encerrada do presidente.

O orador do carro falou em seguida, e afirmou que tanto a CNN quanto a Jovem Pan tinham censurado o discurso do presidente. Fez propagando da revista Direita BR e depois disse ter sido diretor do PC do B no passado, e portanto sabia como a esquerda funcionava.

O orador também celebrou um figura que tinha sua filha bebê nos braços, também em cima do carro de som. Disse que “este pai deu nome à filha em homenagem a Bolsonaro: Vitória!”. O tal pai ergueu a filha ao ar e o povo aplaudiu. “Ela é o símbolo do futuro!”.

Começou a dispersão e logo foi possível caminhar pelo asfalto na direção ao Paraíso. Foi nessa hora que me caiu a ficha que, para as bases bolsonaristas, o evento foi um sucesso. Enquanto alguns buscavam as estações do metrô ou seus ônibus estacionados em outros pontos da cidade, muitos iam ficando no asfalto. A alegria era evidente, muita cantoria e confraternização. Ouvi canções do Legião Urbana cantadas em mais de uma roda, fotos com o Bolsonaro de papelão, selfies com PMs e milicianos.

Vi o Luciano Hang no carro principal em frente ao MASP. Ouvi algum orador afirmar que “fizemos história hoje, não só do Brasil mas da América Latina”.

Vi um casal que tinha o filho bebê sobre uma bandeira do Brasil, cercado de cartazes bolsonaristas. Foi um frisson, a galera adorou. Foi perturbador.

Todo filho é um prisioneiro político. pensei.

Ao longo do dia tentei saber como foram os atos de resistência, incluindo aquele no Anhangabaú. Recife reuniu centenas de milhares em bela mobilização, realmente muito linda. São Paulo compareceu, mas não em grandes números. A Folha deu 15 mil, o que não é mal para o estado de nervos em que estávamos, mas seremos humilhados pelo ato do MBL no dia 12 sem dúvida. Ter a coragem de quem saiu ontem às ruas é fundamental: o fascismo tem algo de aposta e blefe que precisa ser enfrentado.

O resultado dos atos de hoje está nas reações das forças políticas hoje, dia 8. Se só houver falas e notas, Bolsonaro fecha tudo. Se tiver reação, ele cai. O cenário político parece ter mudado.

Alcancei o fim da avenida e fui para casa.

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