Segunda Manifestação Massiva Fora Bolsonaro

Imagem cedida por Alice Vergueiro

Saí de casa às 14h30 para o segundo ato de repúdio ao governo. As expectativas eram altas e em outras cidades do país a movimentação era grande, especialmente no Rio de Janeiro. Se os números fossem maiores do que o 29 de maio, seria possível falar em crescimento e expansão da oposição a Bolsonaro – até agora paralisadas. Sem as ruas, nenhuma solução política avançará, já que todas as instituições, incluindo os partidos, estão derretidos e por si não seguram nada.

Mas o avanços de hoje colocam os problemas da próxima encruzilhada: o que faremos com essa força reencontrada? Retornar a um “normal republicano”? Aproveitar a onda e reformar radicalmente as relações sociais? Tudo isso aparece também na forma da questão de como lidar com “arrependidos” e “isentões”.

A tarde era fria mas seca, e a avenida tinha seu fluxo normal de sábado. Mas, caminhando para o MASP a partir do Paraíso, vi grupos de jovens de esquerda preparando o ato. Na esquina da avenida Brigadeiro Luiz Antonio, peguei a bicicletada Fora Bolsonaro, que avançava pela avenida a partir da Praça do Ciclista. Contei uns 200 a 300 manifestantes, com muita alegria. Vi um cartaz “BMX antifascista” e um outro figura que trouxe um jacaré inflável na sua bike.

Ainda no caminho até o Museu, notei que os vendedores de bandeira já tinham se posicionado em várias esquina. Muita bandeira LGBTQ+, muito Fora Bolsonaro, uma ou outra do Brasil, e algumas poucas com o Lula 2022 ou o PT.

Vi coletivos como o Porcomunas, Coletivo Democracia Corinthiana e o Arrastão dos Blocos se preparando nas calçadas. Além deles, muitos coletivos de partidos, com sua juventude e suas faixas.

Imagem cedida por Alice Vergueiro

Notei com alegria, já no MASP, que havia vários carros de som, de tamanho médio. Achei que aliviaria o “efeito púlpito” e que ouviria mais vozes no correr da manifestação. De fato foi assim, não fiquei para ouvir nenhuma fala a partir do carro de som principal, da Frente Brasil Popular e outros.

Durante o ato teve bandeira da Palestina, de todos os partidos de esquerda e do PDT, mais várias anarquistas.

Logo de cara deu para notar muitos cartazes feitos à mão, o que se mostrou até o fim da manifestação. Muitas figuras, gráficos e tipografia bem variada, em vários tipos de suporte. era um deles. Um ótimo sinal que as mensagens eram variadas e se afastavam dos motes aprovados pela direção.

O tom principal era do Fora Bolsonaro, o número de mortos e a vacina. O termo “genocida” definitivamente pegou, apareceu em várias versões, incluindo “Ecocida”.

A avenida foi eventualmente fechada desde a avenida Consolação até pelo menos a Brigadeiro. Isso permitiu que houvesse menos aglomeração, mas dificultou uma avaliação do número de pessoas presentes. A organização falou em 120 mil, mas é demais. De qualquer forma, deu mais que no 29M.

Encontrei com R e fomos até a FIESP. No caminho, vimos três PMs com seu drone. Vi uma camiseta “Tô puta e exausta”, uma faixa “Não é fogo, é capitalismo”, “Floresta em pé, fascismo no chão”, outra “Pública, Central dos Servidores”.

Vi os cartazes “A ciência destrói o mito”, “Se não tem guilhotina vamos de impeachment”, “De luto mas eu luto”, “Quantos mortos até o impeachment?”, “

O clima geral parecia mais alegre que o 29M, hoje um pouco menos solene. Achei também que havia mais gente que não é de esquerda, a quem chamamos de “isentões” ou até mesmo “arrependidos”. Havia várias bandeiras do Brasil, possivelmente mais numerosas em todas as manifestações de esquerda durante o governo Bolsonaro.

Notei pelo menos três manifestantes homens com roupa ou adereços militares. Conversei com um deles, mas não consegui compreender bem de onde ele vinha. Ele disse que estava lá por ser contra o negacionismo da ciência, mas não conseguiu explicar porque vestia uma farda militar – e máscara e proteção facial de acrílico. Ele não estava à vontade, sozinho na avenida.

Falei com outros “isentões”. Todos indicavam como era impossível apoiar o presidente agora, mas alguns formulavam que “o PT não dava”. L depois me falou que viu uma camiseta “Nem Lula nem Bolsonaro – 3a via”. Praticamente todos falaram que a condução da pandemia foi o que virou – não as ameaças à democracia, nada sobre a economia, participação dos militares etc…

No geral o ato foi outra oportunidade incrível de sair na rua estar juntos no asfalto. A sensação de isolamento e impotência evaporando ao ler as mensagens, ver os sorrisos, encontrar conhecidos que há anos não via.

Vi um moletom com “Foda-se Bolsonaro, e se você gosta dele foda-se você também”.

Eram 18h30 quando fui à esquina da avenida Consolação ver se ia ter passeata. Vi que estavam posicionados o MTST e vários grupos indígenas, que pediam “Demarcação Já”. Há intensa mobilização dos povos originários em Brasília no momento, e estão sob ataque em suas terras por garimpeiros, desamparados pelos órgão oficiais. Mas demoramos muito a sair, não estava claro se o resto do ato viria também.

Imagem cedida por Alice Vergueiro

Notei certa tensão ali na frente do ato, mas não soube ler o que se passava. Parece que um antagonismo entre o MTST e o Bloco Combativo, este anarquista, cresceu e gerou crise mais abaixo na avenida. Não vi nada no dia de hoje e não consigo relatar com segurança o que aconteceu a partir do que li depois. Mas tem a ver com os rumos da movimentação, que discuto abaixo.

Vi um novo tipo de projeção sobre as empanas dos prédios. Não é a bolinha de luz que via sempre nem as imagens grandes dos panelaços e da esquina da rua Maria Antonia. Era um laser, letras desenhadas em verde. Ali na avenida, vi as palavras “O ladrão era branco”.

Encontramos os fotógrafos L, S e A. Trocamos impressões sobre hoje, incluindo o número de manifestantes e os rumos a partir de agora. S contou sobre a ação do coletivo Aparelhamneto, que alugou um carro-pipa com tinta vermelha e a espalhou pela avenida Paulista enquanto avançava em linha reta. A PM interviu e acabou com a ação. Mas tem vídeo.

Imagem cedida por Alice Vergueiro
Imagem cedida por Alice Vergueiro
Imagem cedida por Alice Vergueiro
Imagem cedida por Alice Vergueiro

Eram mais de 20h quando chegamos à Praça Roosevelt, ao pé da avenida Consolação. O progresso da passeata era lento e vinha dispersa, com muitos espaços vazios, não foi possível contar o número de manifestantes como normalmente faço.

Ainda vimos o Jornal Nacional dar boa cobertura aos atos em todo o Brasil, na TV de um boteco do centro. Por um lado é uma vitória aparecer nessa mídia, um importante multiplicador, mas há pouco a celebrar que a Globo ainda tenha o poder que tem. Amanhã será contra.

No geral o ato foi ótimo, grandão, fez ondas e trouxe gente que não estava vindo. A recuperação da vida pública está sendo extremamente benéfica para todos.

Mas, tendo reerguido o corpo do chão onde estávamos, encontramos a primeira de muitas encruzilhadas: para onde ir daqui?

Imagem cedida por Alice Vergueiro
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Imagem cedida por Alice Vergueiro
Imagem cedida por Alice Vergueiro

A formulação genérica “tirar o Bolsonaro” esconde que cada caminho para fazê-lo leva a lugares diferentes. Para a esquerda em geral, é preciso derrotar o bolsonarismo mais que depor o presidente atual. Parte dela aceitaria (com a direita) um militar “moderado” no lugar de Jair ou na condução do processo sucessório, o que é um equívoco histórico gravíssimo, mas que está nas cartas.

O acolhimento dos “democratas” e “liberais” fora da esquerda embute essa questão também. O ponto não é humilhar quem errou, mas como garantir que DE NOVO eles não nos lancem aos cães. Quem diz que tem medo de bandeira vermelha não teve problema de roçar ombros com militaristas, monarquistas, intervencionistas, ultracatólicos, milicianos, PMs, lavajatistas… e agora o problema é o punk na avenida? A onda agora é democrática e quem quiser que corra atrás. Disputa a pauta, traz a sua bandeira e tenta aí.

Um dos pontos da crítica ao dito centro e os ditos liberais é que Bolsonaro realizou a pauta liberal. Dória faz o mesmo que o presidente, Covas fez o mesmo… o que seria um governo da “3a via”? Em termos sintéticos: o liberalismo propicia o fascismo. O fascismo realiza o que o liberalismo sempre quis e por isso liberal não tem nem argumento contra o Bolsonaro que não seja a corrupção. Até a condução governista da Saúde foi darwinianamente regida “pelos mercados” e não pelo senso público.

Li que o MBL agora “tem receio” de ir às manifestações. O topete! Eles pregaram e praticaram a violência contra a esquerda, caluniaram Marielle, foram a ocupações de estudantes para bater na galera… vai ter troco sim. Que venham.

Porque insistir em compor com quem quis nos destruir – e tentou muito?

Então para onde vamos a partir de agora, reenergizados pela rua?

Hoje deu uma sensação parecida com os loucos anos Fora Temer. Saímos às ruas contra o golpe, fizemos de tudo para denunciar o golpe, mas… parecia que o PT não queria balançar o barco… Não só o Haddad depois declarar que “a palavra ‘golpe’ é muito forte”, mas também a própria Dilma, apenas dias após o golpe parlamentar, foi à ONU discursar e não disse UMA PALAVRA sobre o evento.

As presentes crises sobrepostas que acometem o Brasil, o mundo, a economia e todo o resto não podem ser ignoradas e esta energia que foi liberada, a um só tempo nefasta e libertadora, precisa ser canalizada e não abafada.

Em outras palavras, alguma coisa precisa acontecer para que as manifestações cresçam e passem a ter protagonismo maior do que a política institucional, que tende a se proteger. O gatilho para a ocupação das ruas pela direita foi a decisão do ministro Gilmar Mendes, que cassou o direito de Lula de ser ministro. Além disso, Sergio Moro vazou o infame grampo ilegal do “Tchau, querida”. A reação foi enorme e desde então a direita domina as ruas. As presentes manifestações não podem ser apenas uma carta no bolso para a negociação de gabinete – o povo percebe logo e se desinteressa.

Um ato político assim poderia disparar mobilizações massivas, mas teria que ser do naipe da prisão do Pazuello pela CPI, do Araújo que seja… Um fato que evite a repetição cansativa de manifestações meio iguais, onde os discursos do carro de som são intercambiáveis e genéricos,onde a multidão não tem nenhum poder.

Parte da esquerda acredita que esse evento tem que vir da própria rua, já que a crise é da própria representatividade, do capitalismo, do formato democracia liberal. Esse diagnóstico ilumina que a melhor das alternativas institucionais, o melhor resultado realisticamente possível vai ser um governo minoritário do Lula, sem forças para contemplar as várias reformas urgentes e instaurar uma transição radical para um outro tipo de sociedade. O judiciário, as polícias, o agronegócio, a uberização da vida, nada disso será alvo de um governo Lula, que terá de agir como um breque às aspirações urgentes da sociedade, em nome de suas alianças.

Um Lula amarrado sucumbirá à Sindrome de Estocolmo.

É notável que o Chile tenha conseguido construir a alternativa rua e movimentos, ao largo da maioria dos partidos de esquerda, contra a vontade da socialdemocracia, forçando avanços institucionais que os brasileiros podem apenas sonhar, sabendo que um escopo assim ousado de reforma constitucional não vai ser obra do PT, mas dos movimentos. A constituição chilena vai ser radical, vai ser transformadora como a esquerda institucional nunca achou possível.

Há grande efervescência nos movimentos, notadamente os feministas, indígenas, movimentos negros e muitos outros, que estão superando dilemas paralisantes da esquerda mais tradicional (“reforma ou revolução?”). Barrar essa força é anular as chances de avançar as liberdades democráticas.

Mas a questão da faísca vir da rua está cheia de problemas também. As experiências de 2013 foram múltiplas e ambíguas, mas a realização radical da potência transformadora levantada então aconteceu em larga escala. Há limites e perigos na ação direta individual frente a tarefas como impor a narrativa à imprensa, à direita, à polícia, ao estado.

Mas pelo menos acho que a ideia central é que não vai ter como evitar o confronto. Bolsonaro vai confrontar quando se julgar preparado, pagá-lo no contrapé é crucial. É melhor que seja agora do que esperar um suposto enfraquecimento do presidente. Apostar tudo nas eleições é um equívoco.

Coxinha que corra atrás.

Tomei o metrô e fui para casa.

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