Um sábado cristo-bolsonarista

No dia 15 de maio de 2021 São Paulo dá sua contribuição ao “Bolsonaro Day”…

Saí de casa às 13h para o ato de apoio a Bolsonaro, parte de uma programação nacional sob a etiqueta do #dia15vaisergigante. Brasília teve concentração de caminhoneiros e ruralistas, mas em São Paulo a coisa assumia a figura da Marcha da Família Cristã pela Liberdade, que, testemunhei, não teve muito brilho aqui na cidade.

O contexto geral é da CPI e de reveses nas pesquisas têm animado o campo bolsonarista, tentado fazer frente às más notícias. Relata-se que a CPI vai pior do que julgaram os governistas. O primeiro de maio foi significativo mas não massivo. Hoje conteium máximo de 200 manifestantes.

Cheguei ao prédio da FIESP na avenida Paulista às 13h30. Era imediatamente notável que havia muitos vendedores de bandeiras e de camisetas do Bolsonaro, parecia que esperavam que acorresse muita gente. Contei pelo menos 12 pontos de venda, com fios esticados, de onde tremulavam as flâmulas e camisetas. Logo notei várias bandeiras de Israel tremulando ao vento, junto com as cores nacionais do Brasil. Teve uma manifestação pró-Palestina hoje na mesma hora em outro ponto da cidade, em reação à violência colonial dos eventos recentes. Não fui.

O evento de hoje foi marcadamente religioso, mas o carro irradiava muitas canções militares. Vi camisetas ou bandeiras da “Ordem Dourada do Brasil”, que me pareceu ser a organizadora, mais o Movimento Pra Frente Brasil e depois chegaram uns meninos com uma bandeira da Aliança Jovem Conservador.

Logo vi uma faixa “ProArmas. Não é sobre armas, é sobre a liberdade”, que já tinha visto no 1o de maio. Relata-se que o povo cristão conservador é reticente quanto à apologia às armas do presidente, mas não sei bem na real. Eles têm também uma narrativa do apocalipse necessário para a vinda doreino de deus, então sei lá.

Perguntei a um vendedor se eram todos ligados a uma pessoa ou empresa, mas ele me falou que era cada um por si e que hoje esperavam muitos manifestantes – o que não veio a acontecer. Ele me ofereceu o copo com canudo do Bolsonaro por R$25 reais. Apesar da tentação de possuir um objeto que vai ser o top do vintage daqui uns 10 ou 20 anos, decidi não gastar essa grana.

Os oradores começaram a falar depois das 14h e aproveitei para dar uma geral das faixas e cartazes. Achei que tinha uma boa quantidade de cartazes feitos à mão, e todos contemplavam a pauta Bolsonarista: “Renan canalha cafajeste”, “Eu autorizo” e “Voto impresso já”. Já a pauta religiosa era expressa em várias faixas, “Deus Pátria e Família”. Doria e a quarentena apareceram pouco.
Faixa: “Impeachment Doria já. Dom Aquino – MT”.

Os manifestantes eram majoritariamente coxinhas, isto é, senhorinhas e senhorzinhos de 50-60, com alguns moços mais jovens. Achei o clima mais ultra-católico do que evangélico, o que se confirmou depois nas falas. Muitos ciclistas, motoristas e pedestres gritavam Fora Bolsonaro e Genocida!, acho que mais do que o normal.

Achei que não houve grande investimento nesse ato. No primeiro de maio era claro que havia muitas organizações envolvidas, gente do interior, um certo climão de festa. Aqui parecia que a organização foi terceirizada para o grupo religioso e a tropa bolsonarista apenas apoiou. Até a PM não fechou o trânsito para o ato, como normal e obsequiosamente o faz.

Notei que mais de um orador pediu muito a união da direita, e alertaram intensamente contra a dominação esquerdista, que já existiria mas que com Lula viria a ser mais intensa. “O mal está se unindo, precisamos nos unir”, disse um. “Estivemos aqui no primeiro de maio, tomamos o poder, tomamos a Paulista de ponta a ponta”, em flagrante hipérbole. Outros oradores falaram da ideologia de gênero e corrupção, coisas que “não vamos permitir”.

Um orador garantiu que “a nossa única constituição é a bíblia sagrada. Lá tem tudo o que o que precisamos saber!”, “Não temos constituição hoje, temos um tratado de formação de quadrilha, feita por políticos para políticos – ela não é cidadã”. “O PSDB e o MDB estão no poder e fundaram o Foro de São Paulo”. Ele pediu a substituição do STF por um Tribunal de Justiça. Disse que Doria e Rodrigo Maia são da mesma família política Agripino Maia, e são da oligarquia, e nunca trabalharam um dia na vida.

Lembrei do ex-governador Geraldo Alckmin, que cultivou os ultra-católicos da Opus Dei. Ele murchou e de como agora ele está saindo de um PSDB endireitado. Lembrei do prefeito Bruno Covas, que nos legou um vice-prefeito fundamentalista. O liberalismo brasileiro está nos legando um fundamentalismo miliciano e cristão.

Outro orador chamou uma salva de palmas para “nosso jornalista”, que “está em uma cadeira de rodas, um repórter da direita”, o Oswaldo Eustáquio. Chamou uma CPI dos governadores e prefeitos.

Uma mulher tomou a palavra a seguir e falou muito sobre a cultura sob o ponto de vista da direita religiosa. Reclamou que artistas de direita são oprimidos no campo artístico pela esquerda, e que esperam do governo uma política cultural “clara e precisa”. “Queremos arte pela arte e não arte de protesto”. Contou que fazem a peça Passos da Paixão, que é precisamente a história da bíblica do sofrimento do cristo. Ela contou que a narrativa é tão poderosa que “as pessoas choravam e avançavam para bater em Judas e em Pilatos”, isso porque “a gente põe a alma no trabalho”. “Precisamos trazer a arte para nosso lado”.

Lembrei que já vi chamada para grupos evangélicos e cristãos em geral aprender a usar a Lei Rounaet e bancar seus conteúdos. O desmonte da industria criativa está sendo complementada pelo redirecionamento das verbas da cultura e educação para o campo cristão. Suas dívidas já foram perdoadas, e a consolidação dessa manobra será o desastre final para a cultura e educação.

O “tratamento preventivo” também foi assunto, citado por outro orador, que elaborou sobre como a cloroquina e medicamentos associados “curam o Covid”. Apontou várias pessoas no ato que eram “testemunhas” da eficácia do tratamento. Saudou a médica Nise Yamaguchi e afirmou que Bolsonaro está coma razão.

O partido do presidente, o Aliança pelo Brasil tinha sua barraca lá, e um orador subiu ao carro para implorar que as pessoas assinassem uma ficha de apoio. Parece que estão em dificuldades de obter os números necessários para a homologação do novo partido, em parte porque o forte discurso antipolítica bolsonarista desestimula o apoio exatamente a um partido institucional.

Subiu para falar a secretária da família do governo Angela Gandra. Ela disse que “Vocês são a menina dos olhos do nosso governo. Queremos trabalho e equilíbrio com a vida familiar. Todos os ministérios trabalham com a família, de modo transversal, de modo que cada família possa se estruturar, proteger o cidadão dentro da família, solidariedade intrageracional, queremos diálogo e amor na família, o diálogo homem-mulher”, “para que a família seja uma política de estudo não de governo”.

Achei bem articulada a posição religiosa que quer fortalecer a família frente ao enxugamento do estado. Ela não negou à mulher protagonismo ou proteção, mas deixou claro que entendimento entre os gêneros só dentro da família.

Depois falou o Quirino Cordeiro, que é do governo na secretaria anti-drogas: “Nossa tolerância zero com as drogas é zero”. Apontou apreensões recordes de drogas, investimento em recuperação de drogados, e relatou como trabalharam para ter a PM dentro das escolas, não só pela segurança mas pelos “valores e disciplina”. Falou sobre o risco de legalização da maconha, através da aprovação da PL399.

O orador seguinte falou que o apresentador de TV Sikera “está conosco nessa campanha” e que ia apresentar uma música contra o consumo de maconha, que originou com o apresentador e é divulgada em seu programa: “Éu éu éu, todo maconheiro dá o anel. (…) Iu, iu iu, todo maconheiro fuma nu…”

Depois da cançoneta, pediu palmas para a PM, e ainda puxou um “Viva a PM”. Disse que Olavo de Carvalho tem razão em dizer que “a esquerda está em todas as instituições – a doutrinação demoníaca, com conglomerados internacionais, globalistas e chineses”. Mas “nada podem contra o poder de deus” e que “genocida é a esquerda, essa gente possuída pelo demônio. Eles nos chamam de fascistas, de nazistas, ,as eles é que são”.

Quando um cantor chamado Boca Nervosa começou a cantar uma canção contra Lula, decidi que era hora de fazer como os vendedores e começar a sair fora do ato xoxo. Até o anjo branco que tinha feito plantão com uma bandeira do Brasil estava desmontando suas asas.

Na saída vi que Paulo Kogos tinha chegado com seus jovens reacionários, tentando redefinir o termo “trabalho” na reivindicação anti-quarentena: “Todo serviço é essencial”.

Um pessoal ocupava a faixa de pedestres durante o tempo do sinal fechado, e ouvi um deles ao megafone dizer: “Apoiamos Israel contra o terrorismo”.

Eram 16h, pedalei e fui para casa.

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