Dois atos em São Paulo: pró e contra Bolsonaro

Dois atos no final de semana em São Paulo (26 e 27 de junho 2021) acontecem sob o primeiro impacto das revelações potencialmente destruidoras da CPI.

Imagens cedidas por Alice Vergueiro

Sábado 26 de junho – Fora Bolsonaro!

O final de semana foi marcado pelas tumultuadas revelações da CPI na sexta-feira, que mostrou a corrupção no superfaturamento na compra da vacina indiana, envolvendo o líder do governo no Congresso, Ricardo Barros. Potencialmente atinge o próprio presidente e sua família. Para o jogo político, o aparecimento da carta “corrupção” muda a rodada de patamar, já que só as atrocidades atuais não comoveram suas ainda bases de sustentação, fazendo cair a mais manjada das máscaras, que era a de que não há corrupção no governo.

Do lado da oposição, o impeachment voltou ao baralho depois de muitas rodadas no “morto” ao centro da mesa. Uma brecha importante parece ter sido aberta e está mais possível mobilizar a sociedade contra o governo, como parece ter indicado o sucesso das duas manifestações passadas.

Os eventos de Brasília deram nova urgência às ruas, e potencialmente a esquerda sai na frente, já parcialmente mobilizada no asfalto. Mas há importante divisão: a esquerda institucional (partidos em geral mas em especial o PT) preferem mobilizações moderadas que redundem numa forte candidatura Lula, ganhando se possível logo no primeiro turno. Um governo Mourão pós-impeachment seria arriscado demais para eles.

Mas há enorme impaciência na sociedade, que não vai querer ser carta na manga de negociações de gabinete, buscando construir uma rua plural, inclusiva, transformadora e múltipla. Manifestação só engaja se quem vai é de alguma forma protagonista, ou faz mais do que ir levar bandeira ou cartaz passear. Serão necessárias muitas vozes para a reconstrução do Brasil, e elas precisam estar junto desde o começo. Os indígenas, por exemplo, estão sob intenso ataque no momento, e estão mobilizados em vários lugares, incluindo Brasília. Sua urgência é máxima e não dá para esperar mais. Um cenário poderia ser algo como no Chile, onde a luta popular contra o governo Piñera contornou a esquerda institucional e impôs um novo prumo institucional mais à esquerda e mais popular do que os sonhos mais ousados da socialdemocracia. A assembleia constituinte resultante do levante será a experiência mais radical de democracia em décadas.

Imagem: F
Imagem: Gavin Adams

Fui ao MASP na avenida Paulista em São Paulo para a manifestação contra Bolsonaro que foi espontaneamente chamada. Achei ótimo que as mobilizações sejam muitas e imprevisíveis. Cheguei às 16h15 e logo vi a PM negociando com manifestantes. Quase sempre há uma equipe de “moderadores” que fazem o contato. Seu discurso é sempre muito ambíguo, uma mistura de ameaça e falsa simpatia. Já ouvi moderador justificar atitude repressiva como “é para a segurança de vocês”. Já impediram saída de carreata pelo não uso de máscara no carro de som. Multam carros e motocicletas nas carreatas. Pediram hoje que se removesse os mastros de bandeiras e fizeram uma série de restrições ao trajeto. Nunca pedem isso aos verdeamarelos. Além disso, rotineiramente fecham grandes extensões da avenida para a direita.

De qualquer forma, o povo logo ocupou a via em direção à avenida Consolação em festa. Tinha umas 300 pessoas, o que não é mal, mas confesso que esperava mais. Acho que a diversidade hoje contou mais, e a completa ausência de carro de som ou lideranças fez do encontro importante.

Logo vi V, e depois A e M. Conversamos um pouco sobre a conjuntura e M contou um pouco do período em que esteve no Chile, durante o levante. Disse que o processo foi longo e penoso, mais de um ano de manifestações diárias ou semanais. A repressão foi horrorosa e não foi trivial sustentar a luta todo o tempo.

Imagem: Gavin Adams

Vi algumas bandeiras do Brasil, uma da Palestina. e uma camiseta do MLB.

Vi camisetas e estandartes de alguns coletivos, mas achei que prevaleciam os militantes avulsos e manifestantes soltos. Vi cartazes feitos à mão, como os “500 mil motos porque Bolsonaro queria propina e não vacina” e “Impeachment já. Fora genocida, Fora Bolsonaro”.

O Coletivo Democracia Corinthiana estava lá, e vi a faixa “Paralisação Nacional. Fora Bolsonaro e Mourão. Faísca Esquerda Diário”.

Saímos em passeata em direção à rua Augusta, que então tomamos à direita. Eram 17h30 e começava a escurecer.

Vi três ciclistas entregadores, e depois vi que o Galo de Luta, dos entregadores, esteve lá também.

Imagens cedidas por Alice Vergueiro

“Não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar!” foi entoado pela multidão. Notei nessa hora que a presença da PM era pouco numerosa, achei que eles não estavam preparados para esta manifestação. Até tinha visto a Força Tática, que é a tropa especializada que faz a repressão. Os outros, os jalecos verdes, são mais genéricos e servem para contenção, uma espécie de infantaria.

Imagem: Gavin Adams
Imagens cedidas por Alice Vergueiro

Tinha visto uma chamada para um ato na periferia, em Guarulhos, na mesma hora que aqui na Paulista. Achei ótimo ter vários atos, mas a potência da inauguração das mobilizações hoje, sem direções partidárias, basista, foi desperdiçada. Achei que seria melhor do que disputar frente de ato com direção hostil.

Mas seguimos me paz, descendo a rua Augusta. O som nesta via, que liga a Paulista ao centro em acentuado declive, reverbera muito bem, e boa parte do percurso tem prédios residenciais, de cujas janelas apoiadores manifestavam amistosamente.

Assim, “Pela nossa vida, eu quero o fim do governo genocida” ecoou nos ares da cidade, e também o “Que contradição, tem dinheiro pra milícia mas não tem vacinação!” – além do “É barricada, greve geral, ação direta que derruba o capital!”. O batuque animava o povo.

Muitos passantes e funcionários de lojas nos saudavam ao passarmos – com a obrigatória filmagem pelo celular.

Imagens cedidas por Alice Vergueiro
Imagem: F
Imagens cedidas por Alice Vergueiro
Imagem: F

Passou O de bicicleta e conversamos um pouco. Como todos, animado com os eventos recentes, mas incerto quanto aos rumos do Brasil.

Notei uma camiseta “Pedale como Marina”, que achei curiosa: é a primeira vez desde 2018 que vejo seu nome nas ruas (M me alertou que não se trata de Marina Silva, mas sim da cicloativista Marina Harkot, cicloativista morta por atropelamento há uns meses).

“Marielle perguntou, eu também vou perguntar, quanta gente tem que morrer, pra essa guerra acabar?” e “Vacina na veia, Bolsonaro na cadeia!” estavam na boca do povo.

Dobramos à esquerda na rua Caio Prado e entramos na rua Maria Antônia, onde já havia uma manifestação chamada pela “Geração 68 Sempre na Luta”, que são aqueles que fizeram a luta nos anos após o golpe de 1964.

Contei umas 500 pessoas já lá, o total agora então perfazendo umas mil pessoas.

Imagens cedidas por Alice Vergueiro
Imagens cedidas por Alice Vergueiro
Imagens cedidas por Alice Vergueiro
Imagens cedidas por Alice Vergueiro

Logo vi as faixas do Porcomunas e do Democracia Corinthiana, perto do pequeno palco onde um orador já falava.

Vi uma cartaz “A Cova do Mundo é nossa!”

Eram 18h15 quando decidi ir embora. Soube depois que José Dirceu falou, mas não vi.

No total o dia seguinte da CPI foi intenso, mas ainda um pouco tímido. Abriu-se a possibilidade de derrubar Bolsonaro, mas é preciso abrir caminho para derrotar o Bolsonarismo, que pode ter vários avatares, incluindo generais como Mourão ou Santos Cruz.

Peguei o metrô e fui para casa.

Domingo 27 de junho – Pelo voto impresso auditável!

Imagem: Gavin Adams

Saí de casa de bicicleta e fui até a frente da FIESP, que é na avenida Paulista. Lá havia uma manifestação da base bolsonarista, ostensivamente pelo voto impresso.

Cheguei umas 15h15 e já estava em andamento. Um carro de som concentrava as atenções dos manifestantes que tomavam toda a via em direção ao Paraíso.

Logo ou vi o orador afirmar “são 900 dias sem corrupção no governo. Não tem mais estatais, lotadas de bandidos, queimando nosso dinheiro”. “Querem nos vencer pelo cansaço, mas vamos vencer!”

Imagem: Gavin Adams

A pauta era de explícito apoio ao presidente, e ouvi poucas referências diretas ao caso da covaxin. No geral foi muito apelo genérico de apoio, eles contra nós etc. A pauta Fora Doria ausente. Havia até uma ou duas faixas com essa pauta, mas ninguém falou mais em lockdown ou no direito ao trabalho.

Contei umas 300 pessoas ao todo, e o perfil parecia bem raiz: senhorinhas e senhorzinhos de 60-7- anos, alguns jovens de 30-40, ativistas de movimento, e uns poucos jovens. Vi o magrelo que é gringo e assíduo da rua extremista. Achei todo o evento bem basista, falaram muitos ativistas e poucas autoridades ou celebridades da direita.

Imagem: Gavin Adams
Imagem: Gavin Adams
Imagem: Gavin Adams

O tom geral soava defensivo, onde a imprensa publicava pesquisas falsas “para confundir o eleitor e fazer a fraude do voto eletrônico possível”. “É só o presidente falar em família que o inferno abre”, afirmou um orador, atribuindo a recente onda de ataques ao presidente à pauta familiar.

Muita bandeira do Brasil e camisas da CBF, mas muito menos cartazes feitos à mão. Até tinha um coringa e uma “ministra Carmen Lucia”, que trazia um carrinho amarrado a um barbante. No pequeno veículo, uma lagosta passeava no asfalto. O bonequinho inflável do Lula presidiário era vendido pelos muito vendedores.

Um bombeiro, ex-PM e militares reformados estavam entre os ativistas oradores. Pediam muito a mobilização e o apoio ao partido que Bolsonaro tenta construir, o Aliança pelo Brasil, que tinha uma barraca atrás do carro. Uma pessoa que se chamou de “Gamer de Direita” falou também, de bandeira LGBTQ+.

Dentre as faixas que vinham sempre, “Criminalização do comunismo no Brasil”, “Obrigado PM”, mais os cartazes “CPI do STF”, “STF caga no pau” e “Abaixo a ditadura do STF”.

A questão mesmo do voto eletrônico, que parece ser a melhor aposta do presidente, trouxe certa confusão. Um casal que tem um canal de youtube disse que tinham feito uma live com um procurador do Mato Grosso do Sul e que ele tinha explicado que o enunciado “voto auditável” está equivocado, já que uma auditoria é feita após a contagem. O certo seria “voto escrutinável”, que é a conferência feita no ato do voto. Eles alertaram que a deputada Bia Kicis tinha que mudar o texto de seu projeto de lei a respeito.

Imagem: Gavin Adams

Há inúmeras questões acerca do voto eletrônico, mas, até pela reação indiferente dos manifestantes, achei que não faz diferença nenhuma o teor exato do texto legal, o ponto deles é tumultuar. Depois falou um “especialista em voto eletrônico”, Amilcar Brunazo, que discorreu sobre o tema.

Vi um figura que tinha seus cartazes encadernado, de modo que podia escolher entre 12 mensagens escritas. Dentre elas “Celso Daniel está vivo em nossos corações”, “Roberto Jefferson Obrigado”, “10 trilhões /15 anos = 666”, “Mídia neurótica”, “Inferior Tribunal Eleitoral”.

Vi uma camisa do Palmeiras, uma bandeira de Israel e um policial P2 que vejo sempre. Vi também o fotógrafo coxinha que fotografa para o MBL.

Um orador elencou todos os partidos que tinham se posicionado contra o voto impresso. Outro protestou contra a decisão do STF que exigiu explicações de Bolsonaro acerca de suas alegações de fraude nas eleições de 2018. O orador afirmou “a gente não têm que apresentar provas. É um absurdo, a gente ter que provar. Fomos vítimas e temos que provar?”

Imagem: Gavin Adams

Uma mulher do movimento “Brasil Nosso Território” falou em seguida, e pediu muito a mobilização das pessoas, cobrou a formação de grupos em todo o Brasil.

Eram 17h quando decidi sair fora.

Comparando os dois atos do final de semana, está claro que o bolsonarismo está na defensiva e que terá grandes dificuldades de absorver a pecha da corrupção. A julgar pela pauta hoje, eles confiam que vai ter eleição e que Bolsonaro será candidato. Mas os manifestantes de hoje provavelmente não largarão suas posições e permanecerão fiéis, mas terão dificuldades em expandir suas mobilizações sem algum outro fato externo.

Achei também que os números de hoje não estavam péssimos, em outras capitais o comparecimento foi humilhantemente baixo. Aqui não.

Já a esquerda, para realizar o potencial aberto, depende em parte da adesão dos isentões e tucanos arrependidos – ou então da população em geral, meio desesperada, que espera da oposição que seja contra o sistema e não a restauração de uma ordem que nunca mais vai ter.

Pedalei pela avenida e voltei para casa.

Gostou do texto? Contribua para manter e ampliar nosso jornalismo de profundidade: OutrosQuinhentos

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *