Primeiro de Maio bolsonarista em São Paulo

A base bolsonarista saiu às ruas no Primeiro de Maio em explícito contexto golpista. Conseguirão salvar o presidente do atual cerco institucional?

Há uma pergunta que se faz àqueles que se apavoram com a possibilidade de um auto-golpe: “Mas quem apoiaria um golpe de Bolsonaro hoje?”. A resposta sensata é “ninguém fora da bolha dos ditos 30% de sua base, nem os militares arriscariam tocar o louco”. Mas basta inverter a pergunta para se obter uma resposta bem mais ambígua. “Se o Bolsonaro fechasse o regime, quem seria contra o golpe de verdade?”. Quem é que sairia às ruas na pandemia para realmente enfrentar as PMs, exército e milícias? Tucano? A Globo? O STF? Provavelmente só postariam notas indignadas, esperando o resultado do enfrentamento na rua que só partes da esquerda fariam: blackblocs, torcidas organizadas, alguns movimentos sociais e pequenos partidos…

A questão se coloca no contexto de hoje, Dia do Trabalho, pois o governo se sente acuado com a CPI e com a volta de Lula ao cenário eleitoral. Parte das manobras de defesa do presidente é a mobilização de sua base, desta vez em um tom bem pessoal de defesa de sua pessoa.

Achei o ato de hoje bem organizado e capilarizado em suas bases. O tom religioso de cores evangélicas foi muito presente, o que se alinha à composição das bases bolsonaristas. A mensagem golpista aberta mas espertamente formulada como “eu autorizo” a “intervenção federal”. Achei o ato focado e não julguei ver as pessoas atônitas com o Queiroz e a volta de Lula, que foi o caso nos últimos atos.

Saí de casa para acompanhar as celebrações do Primeiro de Maio. A maior parte das esquerdas fez um evento virtual – e também carreatas pelo país, de manhã. Os bolsonaristas saíram às ruas, ostensivamente em defesa do “direito ao trabalho” e contra o lockdown, mas na real foi um ato de defesa explícita do presidente e chamada do golpe. De tarde passei em um ato de esquerda, na praça da Sé.

Pedalei até a avenida Paulista onde ocorreria o ato bolsonarista, logo de manhã às 9h. Passei rapidamente pela FIESP mas logo cheguei no MASP, onde havia também alguma concentração. O carro de som principal estava em frente a Federação, mas havia carros de retransmissão à altura da Gazeta e do MASP. Deu para sentir que a expectativa de público era grande, logo a avenida foi fechada pela CET e PM à altura da Casa Branca e Pamplona, e depois entre a Augusta e Peixoto Gomide.

Ainda cedo vi uns homens encorajando os ainda esparsos manifestantes a bloquearem o trânsito e fechar a avenida. Um deles gritava: “Como vocês querem mudar o Brasil assim? Vem pra rua, fecha o trânsito. Ninguém vai apanhar”.

A candura da admissão que a PM estava ao lado deles neste ato bolsonarista foi conformada pela atitude amistosa e francamente celebrativa da polícia nesta avenida. A polícia se comportou de maneira bem diferente mais tarde no ato da esquerda.

Logo vi, na calçada do MASP, uma grande faixa: “PROARMAS. Informação pró-armas. Não é sobre as armas, é sobre a liberdade”. Saí fora pensando na contradição evidente do enunciado e retornei à FIESP, quando vi o cartaz “São José do Rio Preto exige carta branca para Bolsonaro”. De fato, ao longo da manifestação, vi muitos grupos que vinham de cidades do interior. Vi muitas associações e facções de extrema-direita lá, representadas por corpos e por insígnias.

A hostilidade ao governador do estado João Doria estava presente em várias falas e faixas, mas não era o mote central, ao contrário das recentes carreatas. Também notei que Lula assombra esse campo e já há farto material contra ele, incluindo os pequenos pixulecos infláveis, que são os bonequinhos de Lula presidiário.

Vi até a franca camiseta com “João Doria vai tomar no cu, filho da puta”. Na FIESP, um figura segurava ao alto uma pequena faixa “#Lulala”. Logo o estranhamento se desfez quando ele esticou a faixa e revelou toda a sentença: “#Luladrão”.

“Presidente Bolsonaro, eu autorizo. Nos livre do comunismo”, resumia uma faixa, e outra “Com Deus criador pelo Brasil”

Uma barraca do partido Aliança pelo Brasil angariava assinaturas. Achei meio desonesto, pois pediam que se assinasse uma “ficha de apoiamento”.

Vi uma equipe de filmagem da PM.

A pauta da urna eletrônica estava lé em várias mensagens: “Nosso voto, nossa arma. Impresso e auditável”. Esta é uma pauta que vai feder, já que a demanda não é absurda, e o STE não é transparente quanto ao processo.

Percebi que o ato mesmo só ia atingir seu ápice de tarde, a organização ia esperar encher. Mas deu para notar que a capilarização deste ato na base bolsonarista foi boa. Se por um lado o recorte principal era “coxinha” – senhorinhas e senhorzinhos brancos de classe média ou da “família militar” – havia certa diversidade. A “família militar” é racialmente mais diversa do que os meninos militantes bolsonaristas, ainda que prevaleça a hierarquização (os negros tendem a ser relegados a patentes mais inferiores). Muitos trouxeram a família. Os militantes, homens de 30-40 anos estavam lá, com seu look que fica entre o hipster e o mauricinho: óculos escuro, camiseta com mensagem ou emblema, bermuda, cabelo curto estiloso e corpo de academia.

Além disso, vi muitos cartazes feitos à mão, fantasias e decorações espontâneas, o que sempre denota maior capilarização e menor controle da pauta pela organização do evento. O homem da gaita-de-foles estava lá, aquele que já vira em carreatas de 2020. Até o Coringa deles fez sua aparição. Ele cantava a melodia da “calcinha apertada” ao lado de uma mulher que segurava um cordão onde estavam presas umas 6 calcinhas. Mais tarde, vi um moço fantasiado de presidiário, algema no punho, e a palavra “trabalho” onde geralmente vai o número do detento.

Outras faixas e cartazes: “Comunistas de toga, inimigos do povo”, “Forças armadas, socorro! Apoiem o presidente”, “Chegou a hora” e – “Tarcísio governador de São Paulo 2022”.

O ex-ministro da educação foi citado:

“Eu por mim botaria os vagabundos todos na cadeia, começando no STF. Abraham Weintraub”

O look geral era verdeamarelo, com muitas peças de roupa no estilo camuflagem. Muita bandeira do Brasil aos ombros, além dos pavilhões de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Israel e muitos, além do normal, pavilhões imperiais.

Vi camisetas “Meu partido é o Brasil”.

Vi um grupo de uns 30 motociclistas, estilo biker americano, com seus casacos de couro pretos adornados com emblemas.

Fui até o carro de som principal, que trazia faixas com: “Supremo é o povo. Empresário e o dízimo. O Brasil agradece. Café VIP. Projeto União Brasil”. Atrás, outra faixa: “Movimento Pra Frente Brasil”. Mais perto do meio-dia a avenida encheu de gente. Contei umas 2 mil pessoas, e, de tarde, chegou a 3 mil.

O orador dizia prometia que depois falariam lideranças evangélicas. Primeiro ouviríamos um provérbio, e depois rezariam um Pai Nosso e uma Ave Maria, homenageando depois os youtubers bolsonaristas, além de ativistas.

De fato soltaram o Cid Moreira narrando um provérbio bíblico, e quando sua voz grave encheu a avenida, olhei em volta e curti o ambiente surreal.

Vi o fotógrafo coxinha que fotografa as manifestações do MPL. Vi o youtuber Lisboa e também o Paulo Kogos, fantasiado de templário com sua espada de plástico. Vi duas outras camisetas ao estilo cruzado, depois.

Vi a faixa: “Bolsonaro, use a caneta bic já”, onde a caneta vinha desenhada.

Notei que a cançoneta “Eu te amo meu Brasil”, de Dom e Ravel, se fazia ouvir na avenida. Muito tocada nos anos 70, durante a ditadura, é uma espécie de híbrido marcial/jovem guarda, uma marcha militar suavizada por guitarras elétricas e uma letra de pauta “cultural”.

Cartazes feitos à mão: “Eu tenho vergonha do STF”, “Alexandre de Moraes ditador covarde”, “artigo 142 pra ontem” e “Isentões, parem de criticar o presidente. Vocês estão sendo manipulados pela esquerda. Vão acordar na Venezuela”, e “Em 1964 as Forças Armadas atenderam as mulheres brasileiras! Está faltando o que? Politizem-se por favor. Prof. Bandeira”.

Vi oito adolescentes indígenas, com pintura facial, um deles com um violão na mão. Tinham um”mentor”, branco, homem de uns 30 anos, bandeira do Brasil às costas. Não fiquei para ver o que era, mas pareciam meio constrangidos.

Ao meio-dia resolvi voltar para casa e retornar mais tarde.

Estava de volta às 13h45 e peguei o deputado Jefferson discursando.

Disse que Bolsonaro estava certo acerca da cloroquina e que salvou vidas. Afirmou sem pejo que “testemunhei o mandato de quatro presidentes e todos eles usaram o toma-lá-dá-cá, menos o presidente Bolsonaro. Ele pegou o fuzil e foi para a porta do Banco Central e não roubou nem deixou roubar”. Disse que sobra dinheiro para obras de infraestrutura hoje porque não há corrupção no governo.

Uma oradora então disse que a inteligência da PM tinha acusado uma ameaça de morte contra Jefferson que partia do PCC e ele saiu do carro escoltado.

O orador seguinte também carregou nas tintas religiosas e disse que “Bolsonaro é nosso irmão, seja o braço forte do povo que clama na praça ‘Eu autorizo’”, e depois “Eles querem sangue, então vai ter sangue”. Repetiu que os governadores e prefeitos são os genocidas e que o presidente tem as mãos atadas.

Cansei do ato, que agora tinhas umas 3 mil pessoas e pedalei ao centro. Antes anotei as faixas: “Queremos a extinção do PT”, “Intervenção militar com Bolsonaro no poder”, “Queremos um Brasil livre, longe do inferno vermelho. Voto impresso” e “Queremos intervenção militar no STF #bolsonaroreeleito2022”.

Desci a Consolação e passei pela rua D José de Barros e vi intensa atividade. Muita gente nas ruas, e alguns cortavam seus cabelos na calçada, inclusive vi um grupo de mulheres africanas no portão do SESC fechado fazendo penteados em seus clientes.

Passei pelo Teatro Municipal e vi uma agrupamento de anarquistas e comunistas revolucionários com suas bandeiras. Eles depois seguiriam à praça de Sé onde se juntaram ao ato maior, chamado pelo PCO e outras organizações (Partido Operário Revolucionário – POR, Federação das Organizações Sindicalistas Revolucionárias do Brasil – FOB, Liga Operária Internacionalista – LOI, Círculo de Trabalhadores na Luta pelo Socialismo).

Na Sé tinha um carro de som em frente à igreja, identificado com faixas do PCO, POR AJR e PT. Uma faixa trazia “Quebra das patentes, vacina já. Corrente Sindical Nacional Causa Operária. AJR”.

Cartaz: “Quando tudo for privado, seremos privados de tudo”.

Notei que os jovens de 20-30 predominavam. Vi uma camiseta “Foda-se Bolsonaro, e se você gosta dele, foda-se você também”.

A certa altura vi várias máscaras de papel do Lula, que rapidamente se disseminaram entre vários manifestantes e povo da rua.

Achei bom que tivesse um ato de esquerda na rua. Há muitos trabalhadores que já estão na rua e sair para fazer protesto está cada vez mais urgente. Ficar refém só do calendário eleitoral vai murchar a luta. Um teste recente na Espanha mostrou que, com precauções óbvias, o contágio não acontece na multidão ao ar livre (a BBC noticiou). A Colômbia hoje está nas ruas protestando.

A polícia tinha numeroso efetivo lá, umas 15 motocicletas e uns 50 soldados. Uma viatura do BAEP passou devagar ao lado da calçada onde estava um grupo de anarquistas com sua bandeira negra com o A característico. Estendiam uma faixa em homenagem aos presos políticos chilenos Juan, Monica, Marcelo, Francisco, Pablo e Joaquin, que estão em greve de fome contra sua prisão durante o levante passado.

Saíram três policiais da viatura com as pistolas na mão, fora do coldre, de cara fechada. Vieram intimidar e ficaram em cima um tempo. Anotaram dados de um manifestante e foram embora.

Fiquei mais um pouco e fui para casa.

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