Resenha Semanal

6 a 13 de setembro 2019. Movimentações iniciais de uma frente ampla antibolsonarista agitam a política. Luta pelo comando de instituições públicas fazem estrilar rivalidades.

A semana fechou com intensa boataria: o ministro da justiça Sérgio Moro vai cair. Ele estaria cansado, apenas esperando a confirmação da mudança do comando da Polícia Federal: sai o lavajatista Valeixo e entra um preposto de Bolsonaro. A substituição teria acontecido na tarde de sexta-feira, então muita gente está a esperar a demissão, grudado na tela do computador…

Mas alguns comentadores (como o Nassif) escrevem que esse tipo de ultimato da parte de Moro é uma fantasia, parte da lenda do super-herói, pois na real ele se submeteu a tudo que Bolsonaro jogou na sua cara. Será que o balão estoura? Será que ele fará absolutamente tudo por uma vaga no Supremo Tribunal Federal?

É notável que o presidente parece fazer o possível e o impossível para alienar e humilhar seus aliados. Ele parece não conseguir estabilizar um núcleo a seu redor que seja maior do que sua família. A celeuma em torno da volta do imposto da CPMF, que incide sobre operações financeiras, acabou com a queima do chefe da Receita Federal, que levou a culpa por divulgar os planos do imposto. Mas a idéia certamente era de Guedes, que se chamuscou mas não ardeu. A notícia repercutiu muito mal no noticiário.

Ou Bolsonaro é realmente um incompetente que vai cair ou então ele tem alguma arma secreta que lhe dá enorme confiança. Talvez a famigerada fábrica de fake news, domínio das redes, os seus famosos 30% dos eleitores, tropas paramilitares…

Há intensa luta interna pelo comando das diversas instâncias do governo: Receita Federal, COAF, Polícia Federal… A Lava Jato vem perdendo espaço para o presidente, que tem ganhado as paradas. Moro continua sendo a figura mais popular do Brasil. As instituições que não funcionaram ou que foram cúmplices da operação Lava Jato e do golpe buscam agora saídas num cenário onde o presidente age para centralizar poder e blindar-se contra ataques.

As atrocidades continuam a chover na sociedade.

A semana começou com a repercussão do ato de censura à Bienal do Livro pelo prefeito do Rio de Janeiro, o bispo Marcelo Crivella. Ele mandou recolher um livro de quadrinhos, publicado em 2010, onde figura um beijo entre dois rapazes. Ele mandou fiscais ao evento para confiscar livros, mas parece que todos os exemplares já tinham sido vendidos e os agentes não pegaram nada. Parece que o livro em questão já esgotou e que tem gente vendendo exemplar na internet por R$250. Houve muita reação de escritores, youtubers e celebridades. Teve uma manifestação espontânea dentro da Bienal, vi um pouco na TV, emocionante. Um youtuber de sucesso, o Felipe Neto, diz que comprou 14 mil exemplares de livros de temática LGBT da Bienal e está distribuindo gratuitamente.

A Folha de São Paulo publicou o desenho do dito beijo em sua primeira página, grande. O fato repercutiu no exterior. Teve um pingue-pongue jurídico de suspensões e autorizações, mas no fim o STF garantiu a liberdade de expressão.

O ato de Crivella parece ter sido mais do teatro político, direcionado à sua base, pois não há base jurídica para sua decisão. A direita e extrema-direita estão muito nessa linha de ir jogando coisas para cima, alguma hora alguma coisa pega. A prisão de Preta Ferreira pegou, assim como a de Lula. E eles podem ser vistos como que lutando por sua agenda reacionária.

Durante a semana, certa movimentação política ao centro, com dois eventos que buscam produzir os germes de uma futura frente ampla contra o governo e pela democracia. Há muita discussão acerca disso.

Para a esquerda, isso quer dizer conviver com figuras políticas que não se moveram para impedir Bolsonaro e que assistiram em casa os ataques políticos das hostes bolsonaristas contra o campo popular. Como Reinaldo Azevedo.

Para a direita, trata-se de achar um lugar onde seja possível criticar o presidente e os “abusos” da Lava Jato mas ao mesmo tempo não admitir que deram um golpe e que foram eles que abriram o esgoto que agora os submerge. Paulo Arantes, em conversa com o Sakamoto, colocou bem a esquizofrenia da direita, ilustrada pelo comoprtamento da grande imprensa. Depois das primeiras páginas onde os jornais criticam as grosserias do presidente, as seções seguintes avalizam as medidas econômicas e administrativas do governo.

Arantes: “Você vira a página, começa a normalização e positivação das reformas, da tributação, da Previdência, disso, daquilo. E todo mundo acrescentando seu pontinho positivo para melhorar, para aperfeiçoar. E ele vai indo. Ele vai se tornando imprescindível”.

Um exemplo dessa esquizofrenia é Raquel Dodge, a chefe da Procuradoria Geral da República: a 5 dias de sair do cargo, ela agora alerta para o avanço do autoritarismo, depois de tolerar e propiciar o arbítrio geral. Quando buscava sua recondução ao cargo que ocupa, flertava com Bozo e bajulava quem agora ataca.

Até o site de ultra-direita, o Antagonista, está dividido acerca dos dissabores do casamento Bolsomoro.

Também o Supremo Tribunal Federal se move tardiamente. A mais recente revelação da Vaza Jato traz detalhes do notório vazamento das conversas telefônicas de Lula e Dilma em 2016 – “tchau querida”. A Polícia Federal grampeou ilegalmente conversas de Lula por mais de 5 horas, mas Moro escondeu do ministro do STF Gilmar Mendes todas as gravações que não sugerissem que Lula seria nomeado ministro apenas para evitar investigações. A desautorização pelo ministro Gilmar Mendes da nomeação de Lula como ministro da Casa Civil foi o primeiro lance da ladeira abaixo que redundou no golpe. Mas hoje ele pode dizer que não tinha todas as informações e que foi enganado pela Lava Jato. Sei.

Curioso que o ministro Mendes falou em “fuga para a frente” como solução para os impasses do presente, o que soa bem ambíguo. Por um lado ele aceita que a a situação atual é aprisionante e deve ser superada, mas por outro parece querer fazer valer o que Ataulfo Alves expressou num samba: “errei, erramos”… cada um fica perdoado e nunca mais falamos nisso, ok? Bola pra frente.

Lembremos que foi exatamente esse o mote da transição conservadora da ditadura. Sofremos as consequências disso hoje, pois não punimos os militares e civis que cometeram crimes. Isso não pode acontecer de novo, o tal “perdão e esquecimento” de que falava Tancredo Neves.

A Vaja Jato não teve efeito instantâneo, mas seu conta-gotas está a erodir consensos em diferentes áreas da sociedade. Viraram cabeças importantes, como a de Celso de Melo, ministro do Supremo, que agora parece desejar conter abusos da Lava Jato. Parece que a soltura de Lula está sendo preparada. Pode ser para esta ano ainda.

Na segunda-feira, em São Paulo e em outras cidades, o movimento Direitos Já fez seu ato por liberdades democráticas e defesa dos direitos no TUCA, num movimento em direção a uma frente ampla. Mas ao mesmo tempo parece que excluiu o Lula Livre. Por um lado trata-se de um gesto pragmático e que quer evitar a hegemonia do PT. Mas por outro, fica estranho falar de defesa de direitos sem mencionar a condenação do ex-presidente por “ato indeterminado”. Para um pouco além do Lula Livre, tem uma questão mais geral que é como é que o dito centro e liberais vão nos garantir que nunca mais vão ficar em casa quando a extrema-direita atacar e encurralar a esquerda, mesmo quando os extremistas contemplarem suas pautas econômicas.

Já na quarta-feira, um outro ato semelhante, mas de outros grupos. Foi na faculdade de direito da USP, no centro de São Paulo. Aqui o Lula Livre era acolhido, e a pauta era mais da liberdade de imprensa. Além de muitas agremiações de esquerda, juristas, democratas e o Reinaldo Azevedo, repaginado.

Fui ao ato de quarta-feira e escrevi relato:

Ato pela Liberdade de Imprensa

A ideia de uma frente ampla democrática não é má em si, mas me parece que tentar obter uma normalidade democrática e institucional que nunca houve no Brasil é em sim uma ficção que deve soçobrar em sua hipocrisia. Mas se for uma plataforma de transformação radical para além de Bozo e de Guedes, será potente. Se não, tudo virará a mais broxante pizza.

Sinto que continua nas pessoas em geral uma sensação de esmagamento. De todos os males advindos da extrema-direita no poder, a autorização para a violência generalizada que Bolsonaro dá é o pior. Tudo é difícil.

O filme brasileiro Bacurau tem sido muito discutido na esquerda, pois oferece um cenário de resistência popular ao extremismo e à necropolítica, como que oferecendo algum tipo de figuração para um projeto libertário, popular e de resistência. Alguns consideram o ingênuo, simplificador e utopista, pintando cenário binários do bem contra o mal. Já outros valorizam as ligações que o filme faz com o cangaço, com o xamanismo, com as religiões de matriz africana, propondo um resgate de lutas da história brasileira. A definição do capitalismo atual como exterminacionista, que o filme parece propor, ressoa potente nos dias de hoje.

Parte da esquerda se sente contemplada pela violência de auto-defesa mostrada no filme, acho que um sintoma de nossos dilemas e atual paralisia – imaginar um contexto popular onde nossas agendas são exercitadas com sucesso e ainda gerando poder de fogo: assembleísmo, amor livre, xamanismo, capoeira…

Sigo com interesse os lances dramáticos do Brexit. A extrema-direita lá também dá golpes, caminha na ilegalidade e joga sujo. O conservadorismo tradicional, “moderado”, está morto e agora flerta com o fascismo. Um comentarista escreveu que pela primeira vez na história da Grã-Bretanha grupos fascistas entoavam nas ruas o nome do primeiro-ministro em exercício… Mas há uma esquerda organizada e atuante ao redor do Labour e o resultado final pode ser um governo socialista…

Nos EUA, pesquisas indicam que Trump perde para candidatos democratas em confronto direto, incluindo o socialista Bernie Sanders…

Mas o louco foi que, ao buscar e assistir filmes no youtube, o algoritmo ficou me jogando conteúdo de direita, pró-Brexit e extremista.

O Itamaraty impediu a exibição de um documentário brasileiro sobre a obra de Chico Buarque, que seria exibido no Paraguai, em um festival. Já o filme Marighella encontra obstáculos para estrear no Brasil, impostos pela Ancine.

Na TV do boteco, onde escrevia estas linhas, vi a propaganda, sem som, da Semana do Brasil. Trata-se de uma iniciativa do governo que associa a Semana da Pátria com descontos comerciais no varejo. A peça de propaganda era uma bizarra mistura de sacolinhas de compras com bandeira a verdeamarelo, compradores felizes e sorridentes exercendo seu civismo com o cartão de crédito.

A Globo está sob ataque forte do governo, mas não consegue se emendar, tal como o escorpião que atravessa o rio nas costas do sapo, na conhecida anedota. Ela vazou sem investigação “movimentações suspeitas” nas finanças de Glenn Greenwald, detectadas pela COAF. Mas a emissora foi humilhada pelo pequeno site Tijolaço, que fez uma simples busca no Google e mostrou, nas contas abertas da empresa, conforme exige a legislação americana, como as movimentações são compatíveis com a renda familiar do casal.

Repercutiram muito as linhas de Carlos Bolsonaro, defendendo a ditadura: “por vias democráticas a transformação que o Brasil quer não acontecerá na velocidade que almejamos”.

Foi uma grita geral, mas algo hipócrita. O STF reclamou, a imprensona também… mas ninguém peita de verdade. Merval Pereira, do Globo: “Os Bolsonaro têm uma visão de democracia muito relativa. Em qualquer estado do Brasil, um vereador que escrevesse o que ele escreveu, estaria sendo passível de cassação diante de uma comissão de ética”.

Já Miriam Leitão, escreveu “Em todos os gestos, os filhos do presidente se colocam como fidalgos, o que também não é democrático. Quem seria admitido em um grande hospital portando arma? Eduardo repetiu ontem o gesto na Firjan”. Disse também que Bolsonaro está num “vale tudo” para proteger o filho.

Pois é, queridos, é surpresa que o Bolsonaro é autoritário? Ele declarou publicamente na campanha que ia metralhar a petralhada, que ia matar ativista e defendeu abertamente a tortura. Sorry.

Alguém está surpreso? Todo mundo sabia, e o Globo e Estadão forçaram a falsa simetria entre extrema-direita e esquerda moderada…

O noticiário nacional esconde a situação argentina, que é de calamidade. A economia derreteu e teve pânico social, com corrida aos bancos e saques ao comércio. Sabemos que a Argentina é o Brasil amanhã…

Voltava bêbado da rua e aguardava um ônibus na avenida Paulista, no meio da madrugada. No ponto comigo estavam dois moços e uma moça, com quem não conversei. Mas quando o meu ônibus chegou, escrevi rapidamente um “Lula Livre” no painel publicitário, a canetão. Os meninos acharam lindo e gritaram enquanto eu subia no ônibus Aclimação: “muito axé para você!”. Achei belo e retruquei: “Venceremos!”. Eles riram: “’Venceremos’, que fofo!”.

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