Resenha Semanal

30 de agosto a 6 de setembro 2019. A fritura de Moro sublinha centralização e auto-blindagem do presidente, que fecha o círculo à sua volta. A centro-direita tenta catar os cacos e se recompor, mas ainda não consegue se dissociar de seu filho-diabo. A batalha do Brexit pode indicar que é possível barrar a extrema-direita e radicalizar à esquerda – e ganhar eleição.

Texto e imagens por Gavin Adams

O presidente continua seu processo de centralização e depuração do governo, alienando antigos aliados. Ele também prometeu indultar policiais condenados por crimes graves como chacinas e massacres (leia-se seus amigos milicianos), lançando uma campanha para que as pessoas mandem nomes de “colegas policiais presos injustamente, presos por pressão da mídia”.

Já na relatoria semanal do inferno, o ministro Sérgio Moro continua sendo humilhado, perdendo a partida em relação à chefia da Polícia Federal e também da Procuradoria Geral da República, que é a posição do cacique de todos os procuradores federais, incluindo a Lava Jato. Em outras palavras, Bolsonaro está estancando a operação, e de um jeito escancarado que nem Ciro teria tido a coragem.

A indicação dividiu o consórcio do golpe: o nome de Augusto Aras claramente servirá para a blindagem do presidente e o escolhido nada fará para impedir a brecagem da Lava Jato – Aras já declarou no passado sua reprovação de abusos em operaçẽos da LJ. Moro não conseguiu passar nomes de sua preferência para a Procuradoria-Geral da República, e nem sequer foi consultado na escolha. O STF comemorou o nome. FHC pediu a demissão de Sérgio Moro.

Quando essa ficha cair para os coxinhas, vai ser muito engraçado cobrar: “mas quem está certo, Moro ou Bolsonaro?”. Vai dar TILT.

A Lava Jato reagiu através da Associação Nacional dos Procuradores da República, que declarou que recebeu com “absoluta contrariedade” a decisão do presidente de indicar Augusto Aras para a PGR, ignorando a lista tríplice dos nomes mais votados pelos próprios membros do Ministério Público Federal (MPF), como é de praxe desde 2003 (isto é, desde Lula).

A associação, que organiza esse processo de votação, chama o caso de “o maior retrocesso democrático e institucional do MPF em 20 anos”. Rere…

Ademais, a ANPR conclamou os procuradores para o que chamou de “Dia Nacional de Mobilização e Protesto”, na próxima segunda (9). Quero ver esse dia de “mobilização e protesto”. Quero ver juiz multar a ANPR por fazer greve, quero ver coxinha reclamando que “o trabalhador está sendo prejudicado” por movimento paredista.

Mas, num alívio para o ministro, Moro conseguiu que seus vetos à Lei do Abuso de Autoridade fossem realizados por Bolsonaro. Podem ser derrubados pelo Congresso.

No andar de baixo, continua a necroviolência dos servidores públicos empoderados pelo discurso do presidente: a PM do Rio matou um pedreiro que trabalhava em uma laje na Vila Kennedy. Na Cidade de Deus, um caveirão derrubou casas, e moradores revoltados bloquearam a avenida em frente a comunidade.

Foto: Brasil de Fato

Em São Paulo, um garoto negro foi torturado a chibatadas de fio elétrico em um supermercado, o Ricoy. Assisti o vídeo, é horrível. Ele tinha roubado barras de chocolate e foi agredido por dois seguranças do mercado onde o chocolate foi subtraído. Tem ato de protesto na frente do supermercado no sábado dia 7.

O Brasil de Fato trouxe mais dois casos de tortura perpetrados no mesmo mercado, por funcionários do estabelecimento. Os agredidos são menores de idade, e quem fez as imagens e o vídeo foram os próprios torturadores. É muito chocante.

Foto: Brasil de Fato

Em cima de tudo isso, o governo anunciou hoje que 216 escolas receberão apoio federal para migrarem para o modelo militar de educação proposto pelo governo até 2023. O ministro da educação Weintraub declarou: “[Que] nunca mais um regime totalitário tente ser implantado no Brasil. Nunca mais nós tenhamos uma ideologia externa tentando ser imposta aos brasileiros. Nunca mais o presidente de outro país questione a soberania deste país. Nunca mais a gente esqueça que essa bandeira jamais será vermelha.”

A agência noticiosa Record, comandada por evangélicos, publicou artigo atacando a suposta hegemonia da esquerda nas universidades, o que estaria prejudicando a qualidade e caráter público dessas instituições.

Em lance paralelo, o prefeito evangélico do Rio de Janeiro, o bispo Crivella, enviou fiscais à Bienal do Livro para apreender exemplares de uma HQ cuja história mostrava um beijo entre dois rapazes. A Bienal soltou nota contra a ação e conseguiu evadir a ação dos fiscais recolhendo os exemplares dessa e de outras publicações sensíveis, mas negou que a notificação da prefeitura tenha validade, já que não há conteúdo pornográfico ou impróprio para a idade do público-alvo.

Um economista, Ricardo Braga será o novo secretário Especial da Cultura do Ministério da Cidadania, cargo equivalente ao antigo ministro da cultura. Braga vem de sólida carreirano mercado financeiro – bancos e
corretoras – com experiência consolidada na gestão de operações e investimentos. Nenhuma experiência em cultura.

A centralização de Bolsonaro está liberando corpos e mentes para a recomposição, ainda algo fantásmica, da chamada “centro-direita”. Acho muito louco liberal ficar em casa desejando que alguém como Luciano Huck com seu empreendedorismo vai consertar um estrago deste tamanho… Houve uma reunião de movimentos no Tuca para montar uma frente de oposição a Bolsonaro. Mas o Lula Livre foi proibido e o PT não foi. FHC está envolvido na iniciativa da frente. A sigla ainda é radioativa e alguns políticos e movimentos ainda a evitam. Está em jogo a condução da oposição a Bolsonaro. Mas como restaurar uma democracia mínima com Lula preso?

Bolsonaro lançou uma bizarra Semana do Brasil, um evento de promoções comerciais preparado pelo governo em parceira com o varejo, entre 6 e 15 de setembro, para tentar dar uma injeção de ânimo na economia em frangalhos.

Ao mesmo tempo, o governo está investindo muito no desfile de 7 de setembro, com a presença do apresentador Sílvio Santos. Convidou o povo em geral a usar verdeamarelo. A UNE reagiu chamando mobilizações de rua com o uso da cor preta, ecoando os “cara-pintadas” que derrubaram o presidente Collor.

O ex-governador do Rio de Janeiro Garotinho e sua esposa Rosa Garotinho foram presos mas liberados.

Repercutiu muito quando Bolsonaro insultou a memória do pai de Michelle Bachelet, um militar que morreu sob tortura no regime Pinochet. Ela havia declarado que as liberdades democráticas no Brasil estão em perigo. O presidente reagiu com brutalidade e a grita, nacional e internacional, foi geral e imediata, inclusive no Chile. O presidente direitista Piñera tentou se descolar, assim como Macri. Já Marina Silva também condenou o presidente… pois é, gata, mas e essa indignação na hora do voto, onde estava?

Vaza Jato mostrou o envolvimento de Dallagnol em possível aceite de doação para a fundação à qual é ligado, a MUDE. A doadora é uma mulher milionária que foi alvo de investigação da Lava Jato, mas que evadiu condenação. E que ele pensou em se candidatar ao cargo de Senador e teria usado recursos de sua igreja para fins políticos. O que mais falta?

Glenn Greenwald, do Intercept, foi ao Roda Viva e deu um show, uma verdadeira aula de jornalismo e ética aos lacaios escalados para atacá-lo, sublinhando o óbvio: o jornalista que publica não comete crime, quem cometeu crime foram os hackers.

Na Grã-Bretanha, lances dramáticos do Brexit. A oposição conseguiu se unir em torno de uma pauta que impede a saída sem acordo, apesar das manobras espúrias do governo. Fica demonstrado que é possível barrar a extrema-direita, e ainda por cima sair em boa posição para a iminente eleição geral, com plataforma de esquerda. A conjuntura britânica não viaja bem e é difícil aplicar lições de lá por aqui sem mais, mas eu guardo no coração uma lição para a esquerda institucional em geral: tem que abraçar a revolta expressa no voto na extrema-direita e radicalizar à esquerda. O partido Trabalhista tem agora uma plataforma de radical, com reestatização de pelo menos 3 grandes setores privatizados no passado, para citar apenas uma das pautas. Jeremy Corbyn, apesar dos ataques pesados da imprensa e da burguesia, poderá ser o primeiro marxista fora da esfera soviética a ter o comando de submarinos nucleares.

A plataforma do Labour está, em muitos níveis, à esquerda do PSOL e, uma vez no poder, poderá dar mais de uma década de ganhos irreversíveis. Sei que otimismo formulado nas minhas palavras já abrigam de pronto uma enorme contradição que é ser um primeiro-ministro de esquerda em um país capitalista hegemônico, um ex-império ainda renegociando internamente sua decadência. Mas Corbyn e o trabalhismo radical serão aliados fortes no arco da política global.

Foto: Marcos Muzi

Preta Ferreira, do movimento dos sem-teto de São Paulo, continua presa com colegas de movimento, sob falsas acusações montadas em um processo defeituoso.

A Folha traz que há movimentações paredistas de caminhoneiros, dentre os quais se ouve declarações de desapoio a Bolsonaro. Pode ser que exploda, pode ser que não. Eu já sei o que prefiro.

Teve greve de ônibus em São Paulo, na quinta e na sexta. Boa adesão, pelo jeito. A prefeitura de Doria e agora Bruno Covas diminuem progressivamente a frota e cancela o funcionamento de linhas. Parece que o projeto é substituir o transporte público pelo Uber. No geral, greves de ônibus dão certo quando o patrão deixa. Parece que foi o caso. O transporte público em São Paulo é uma caixa preta de grana preta em condições de intimidade público-privada. Mais de 20 terminais ficaram fechados. Li agora que o apresentador de programa policial, Datena, negociou ao vivo o fim da greve com diretor de sindicato. A greve continua amanhã, mas foi suspensa para deixar o povo voltar para casa.

A popularidade de Bolsonaro continua alta, a despeito da perda de apoio fora de seu núcleo duro, segundo o DataFolha. Mas ele ainda está abaixo de Moro, o que pode acirrar fritamentos…

Jean-Luc Mélenchon visitou o ex-presidente Lula na prisão. Ele é o líder dos “insubmissos”, descrito como a “extrema-esquerda” em contraponto aos socialistas franceses. Apareceu ao lado de Haddad, mas enfim…

Vaccari, tesoureiro do PT, saiu da prisão hoje em Curitiba para gozar de regime mais aberto. Prepara-se a soltura de Lula?

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