Resenha Semanal

15 a 22 de março 2019. Depois de semana dominada pela viagem presidencial aos EUA, a Lava Jato tenta reviravolta no tabuleiro político e dá sua cartada mais ousada. O embate Redes x Representação pode ser o duelo do século. Já a Resistência achou sua forma na folia de rua.


Eu me prometi que ia tentar sair do fluxo-torrente de notícias e buscar relatar ações e mobilizações de novas esquerdas. Escutar os batimentos cardíacos do futuro exige certa devoção e cuidado, pois frequentemente suas formas são delicadas e são transformadas pelo próprio ato da observação. Mas está claro que os níveis institucionais de política estão saturados e densos de violência e atrocidades, e que o horizonte do amanhã está além desse bololô. A esquerda partidária parece apostar tudo no ciclo eleitoral e mergulha na guerra de narrativas, enquanto os movimentos buscam sobreviver e achar protagonismo no ambiente atual.

Mas a semana institucional acabou capturando minha atenção e me vi, de novo, acompanhando tudo lance a lance.

O tom geral da semana foi de guerra de facções no governo, com inédito protagonismo do STF, que baixou a bola da Lava Jato e iniciou ação contra as agressões nas redes sociais contra ministros do Tribunal. Os procuradores viraram a mesa com a prisão-espetáculo de Michel Temer, e isso deve bombar as fracas manifestações pró-Lava Jato.

Aumentaram as apostas e os riscos.

15 de março

Jean Wyllys, sofreu agressões verbais da embaixadora Maria Nazareth Farani Azevedo durante uma conferência da ONU na Suíça. Ela leu um discurso de defesa da pessoa do presidente, e depois acabou abandonando o local. Wyllys e outros deixaram o país por medo de represálias a seus posicionamentos. Desde 2014 é assassinado um líder político (sindical, quilombola e etc.) por semana.

16 de março

Fui no Arrastão dos Blocos, fechando o carnaval de rua. Abaixo o link:

Na Assembleia Legislativa de São Paulo, apoiadores da deputada Janaína Paschoal (PSL), homenagearam o torturador Brilhante Ustra, e os órgãos de repressão da ditadura.

Ainda se fala do massacre de Suzano, mas o atentado e mortes na Nova Zelândia tomaram conta do noticiário: 49 mortos. Evitei as notícias desse evento, mas notei como a imprensa evita falar o óbvio: a extrema-direita está recrutando e treinando jovens assassinos. Não são os games, não é o bullying na escola, não é a Deep Web. Quando situação idêntica envolve o Estado Islâmico, questões políticas logo saltam à vista: “jovens radicalizados pelo extremismo” etc. Aqui, o outro adolescente ligado ao crime, ouvido pela polícia, disse “A gente ia deixar as garotas nuas e executar algumas no meio do pátio e deixar o corpo de uma forma humilhante”. Essa forma de agir ecoa as falas de incels (celibatários involuntários, homens que não conseguem fazer sexo e culpam as mulheres e o mundo por isso) que participam do fórum Dogolachan e outros sites. São de extrema-direita.

17 de março

Fui checar um ato pró-Lava Jato na avenida Paulista. Abaixo o link:

18 de março

A viagem do presidente e ministros aos EUA dominaram o noticiário.

A imprensa no geral fez muito auê sobre os gestos de submissão e alinhamento automático do governo aos Estados Unidos. Também foram muito repercutidas as rusgas e desavenças entre os governistas: o piti do chanceler de Araújo por não estar presente no encontro com Trump (Eduardo B estava), novos ataques de Olavo de Carvalho a Mourão…

Até Steve Bannon, que esteve no jantar reservado, declarou “Ele (Mourão) se tornou uma voz dissonante e isso é perigoso. Há um nível relevante de frustração pelo fato de ele estar desalinhado com o programa do presidente Bolsonaro.”

Houve, ainda, uma visita com Moro fora da agenda oficial à CIA, que, vale lembrar, é a agência que espiona países estrangeiros. Os arquivos que Snowden vazou revelam que a NSA monitorava (escutava) as conversas de Dilma, da Petrobrás e outros. Na época, Dilma cancelou visita aos EUA por causa disso.

Mas o que chamou mesmo a atenção foi a declaração de Bolsonaro: “O Brasil não é um terreno aberto onde nós pretendemos construir coisas para o nosso povo. Nós temos é que desconstruir muita coisa. Desfazer muita coisa. Para depois nós começarmos a fazer”.

Parece que ninguém no governo tem projeto de Brasil. A destruição é a pauta solitária das facções em Brasília. O aberto desinteresse do ministro Paulo Guedes pelo crescimento econômico ou pela condução do dia-a-dia da economia é de cair o queixo, mas encaixa no apocalipse geral da “despetização”.

Carlos Bolsonaro foi a Brasília e cumpriu agenda na Câmara e Planalto, no lugar do pai.

19 de março

O senador tucano Tasso Jereissati, Geraldo Alckmin e o presidente do Bradesco, Victorio de Lazari, criticaram Jair Bolsonaro na condução da Reforma e mesmo a redação do texto proposto foi questionada.

O PSDB ainda não percebeu que ele não vai parar e que sua pauta de Bolsonaro é de destruição – ele não vai construir nada. Os tucanos já foram queimados, falta cair na vala com um tiro na nuca (por cima dos nossos cadáveres da esquerda).

Até para o direitista professor Villa, a política de Bolsonaro “coloca em risco a recuperação econômica, a segurança nacional”. “Esta viagem está sendo desastrosa. É um absurdo o que está sendo feito. Você se alia aos EUA e não vai receber nada. O que vamos é receber é material militar de oitava categoria, o que não nos interessa”, acrescentou ele em comentário na Jovem Pan. “É necessário acabar com essa subserviência”.

Pois é, seu Villa, esse filho é teu! Nós avisamos!

Mas torrente de contrainformação nas redes é muito forte e esse debate crítico ao presidente pode não se deslocar para uma zona onde este esteja em perigo. O grupo do capitão-presidente parece se fiar inteiramente no poder de mobilização das redes e nas cortinas de fumaça que faz erguer.

Flávio Bolsonaro e outros nove deputados federais e oito estaduais entraram com representação contra as investigações acerca de seus negócios, pois os investigadores teriam praticado “sistemática e recorrente antecipação e divulgação pública de informações sigilosas sob seu domínio”; além de abrir “processo penal ‘paralelo’ operado na mídia com o claro objetivo de comprometer a reputação de pessoa presumida inocente”.

Quando eram investigados o Lula e o PT, nada disso importava!

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, vem sendo pressionado por outros membros da Corte a retaliar o governo Jair Bolsonaro devido aos ataques promovidos por seguidores e apoiadores do presidente nas redes sociais que tem o STF como alvo.

O Supremo Tribunal Eleitoral, no passado, transferiu muito poder à Lava Jato, e tenta retomar sua dignidade pisoteada com essa iniciativa de combate ao poder das redes. Um “parlamentar”, no Valor Econômico: “O recado é muito claro e é uma ameaça direta ao governo, quando querem buscar a estrutura de financiamentos na internet, de postagem com robôs. É um recado óbvio à estrutura de apoio do Bolsonaro. Também é um recado ao pessoal da Lava Jato e ao Parlamento.”

Enquanto apresentava dados do Observatório da Intervenção, para a ONU, em Viena, sobre os principais impactos da intervenção federal no Rio de Janeiro, apontando o aumento de 35% no número de pessoas mortas pela polícia, Luciana Zaffalon foi interpelada pelo delegado da Polícia Federal Elvis Aparecido Secco, que questionou as conclusões da pesquisadora, afirmando que não se poderia dizer “pessoas” de forma tão genérica considerando que não se tratam de inocentes.

Os gringos ficaram de boca aberta.

Como no episódio com Jean Wyllys, parece que a ordem é confrontar todos os críticos ao governo, levantar números estapafúrdios e ameaçar as pessoas. Uma espécie de escracho permanente.

Decreto de Bolsonaro extinguiu 13,7 mil cargos em universidades públicas. Mais de 60% destas são de instituições de educação. Não está clara a lógica de escolha. É enxugamento e destruição sem plano.

20 de março

A visita aos EUA vai terminando, e a imprensa no geral tratou a viagem como um psicodrama rodrigueano. Personagens caricatos, desencontros e intrigas, ataques e desagravos públicos, diálogos surreais…

A esquerda e agora parte da centro-direita ergueram as mãos em horror com os resultados obtidos: isenção de visto para americanos (não recíproco), saída da OMC para a OCDE, disposição para ação militar na Venezuela, cotas de importação de trigo desfavoráveis, ofensa aos imigrantes brasileiros que trabalham nos EUA…

Tem esse permanente zumzum de descontentamento e preocupação com a competência do governo: dos militares, do agronegócio, da imprensa, do Congresso, do PSL, do STF… mas ninguém peita. A Globo dá risadinha quando relata mais uma atrocidade de Bolsonaro, mas em seguida cai no mantra da Reforma ou nada.

Vai ter muita gente que vai ser contra Bolsonaro só depois que ele não conseguir aprovar a Previdência de Guedes.

Só o ministro do STF, Dias Tóffoli, vai adiante com suas investigações.

Mas fica difícil julgar se a Reforma corre perigo ou não. Eu acho que sim.

O delegado Daniel Rosa ficou agora responsável pelas investigações das mortes da vereadora Marielle Franco e Anderson Gomes. Demitiram o outro para abafar a investigação porque chegou perto demais da Famiglia?

Saiu a reforma dos militares, e esta gerou críticas: ela tira com uma mão e dá com a outra, isto é, a reforma da Previdência militar vem acompanhada de um plano de reestruturação de carreira, que restitui grande parte das perdas incorridas no “sacrifício” da aposentadoria. Parece que as patentes mais baixas reclamaram que ela beneficia apenas os generais.

A reforma foi chamada de…

Repercute um recurso de Flávio Bolsonaro, acolhido por Luiz Fux, para que o STF suspenda a investigação sobre os “vai e vem” de dinheiro na conta de seu motorista e amigo Fabrício Queiroz.

A CPI “Lava Toga”, que é contra o STF, encontra dificuldades para avançar no Congresso.

A equipe da Comunicação do governo ouviu dicas profissionais de como conduzir a campanha pela reforma da Previdência: focar no discurso emotivo, priorizar redes sociais e ações para criar “buzz” (frisson), além de colocar mais Bolsonaro em ação. Ou seja, mais desinformação, mais robôs, mais ódio e menos debate.

21 de março

Cresce a boataria de crise e confusão no Planalto. Mourão disse que vai processar Olavo de Carvalho, que o chamou de idiota. Rodrigo Maia se queixa de Moro, que vê seu projeto estacionar na Câmara. A ação contra mídias digitais de Toffoli parece que anda.

As facções em jogo: Militares, Liberais, Conservadores, Evangélicos, Judiciário. Um recorte mais amplo: Lava Jato, Congresso (com PSL, Centrão e oposição), o Clã Bolsonaro e o STF (mais os já citados militares, fundamentalistas cristãos, conservadores milenaristas).

Saiu uma pesquisa do IBOPE que mostra acentuada queda na aprovação de Bolsonaro. Como resultado, muita gente saiu dando recado ao governo.

Maia foi um deles, e chamou Moro de “funcionário do presidente”. Criticou seu sacrossanto Pacote Anticrime: “O projeto é importante, aliás, ele está copiando o projeto direto do ministro Alexandre de Moraes. É um copia e cola.”

Saiu agora que Michel Temer foi preso! E Moreira Franco.

22 de março

Assim que a notícia da prisão do ex-presidente Michel Temer foi divulgada, o índice Ibovespa chegou a cair 2,5% e o real se desvalorizou.

O companheiro E capturou nas redes e postou:Moreira Franco é sogro de Rodrigo Maia, que está reunido neste momento com Gilmar Mendes. Conclusão: acabei de cancelar o Netflix.”

Essa prisão se dá num quadro no qual a Lava Jato tenta retomar a iniciativa e o apoio popular, após o fiasco que foram as últimas manifestações na semana passada que pediam um genérico “apoio à Lava Jato”. E reagir contra a investida do STF.

O Congresso Nacional, entrou em modo de sobrevivência e sabe que é o alvo. De fato, a tarefa principal de Moro não é nem passar sua legislação, que de outra forma não inova nada, apenas endurece uma prática atual. Sua função principal é de achacar deputados com ameaças de punição judicial. Em resposta, o Senado voltou a discutir projeto que trata de punições para os casos de abuso de autoridade. A proposta, que já foi aprovada pela Casa, está paralisada na Câmara desde 2017.

Vi na tela da TV sem som, no boteco, toda a narrativa visual noticiosa que consagrou a Lava Jato: imagens de vídeo do momento da prisão, visão a partir do helicóptero do carro de Moreira Franco, a chegada na PF, o aparato policial exagerado, os gráficos e animações de costume.

Depois de alguma comemoração, a esquerda está criticando as prisões de Temer e Moreira Franco, que são preventivas e ilegais. Não há sequer processo contra eles. Defender a legalidade a favor de Temer contra a Lava Jato vai ser tarefa ingrata.

A Lava Jato vai usar as redes para mobilizar a população, via WhatsApp, contra o STF. O alvo é derrubar Gilmar e, com isso, evitar a libertação de Lula no dia 10 de abril. Se, por outro lado, a Lava Jato for enquadrada pelo STF, Moro perde as condições políticas de continuar sendo Ministro.

Mas a Lava-Jato parece ter inviabilizado a Reforma da Previdência – que a prejudicaria. O MDB e o DEM não perdoarão Moro e Bretas. Sem a Reforma da Previdência o ministro Guedes sairá do governo.

Morreu um menino de 12 anos baleado com 3 tiros pela PM do Rio.

Vi um vídeo onde um PM, no Rio, espanca uma funcionária de lanchonete: veio reclamar de um pedido seu que demorava.

O Instituto de Segurança Pública (ISP), autarquia vinculada ao Governo do Estado, calcula 160 mortes “por intervenção de agente do Estado” nos dois primeiros meses de 2019, mais do que o período correspondente ao ano passado.

Saiu agora que haveria 10 líderes partidários no Congresso que querem passar uma “voto de censura” ao presidente Jair Bolsonar, já na semana que vem.

Hoje tem mobilização nacional contra a Previdência.

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