Resenha Semanal (1 a 8 de março)

A semana do carnaval acabou por colocar mais do que festa. Parece que duas questões se impuseram a partir do noticiário deste feriado: a natureza do regime e caminhos da resistência.

O vídeo explícito postado pelo presidente causou furor e repercutiu muito, aqui e lá fora, ao mesmo tempo que a Mangueira demonstrou o potencial da folia como resistência, duelando com o Golden Shower pela atenção dos brasileiros.

2 de março

Fui a São Bernardo para ver Lula no velório do neto:

https://outraspalavras.net/gavinadams/2019/03/03/diario-lula-vai-ao-velorio-do-neto/

3 de março

Hoje fiquei muito perturbado com notícias de tortura e repressão policial.

A PM de Belo Horizonte ameaçou um bloco de carnaval de onde saíram chamadas contra Bolsonaro (hit do verão: “ai, aiaiai, aiaiaiaiaiaiai, Bolsonaro é o carai!”). No dia seguinte, a Justiça mineira comandou que a PM se ativesse a sua s tarefas constitucionais de garantir a ordem a a liberdade de expressão.

Mas na cidade paulista de Atibaia, um líder local do PT foi agredido por bolsonaristas durante o carnaval por causa de sua camiseta “Lula Livre”. O caso acabou na delegacia, onde a PM tomou o lado dos agressores e aplicou duas algemas apertadas ao máximo em Geovani Doratiotto. Sua companheira, dentro da delegacia, questionou o motivo dele ter sido algemado e os agressores estarem soltos do lado de fora, e o policial disse que toda aquela agressão era pouca.

Ela fez um vídeo onde ele é agarrado e o mesmo PM força deliberadamente o braço do petista para que quebrasse. Vê-se claramente a intenção maliciosa do policial. Ouve-se o som. Li depois que poderá ter sido deslocamento e não quebra, mas fica caracterizada a tortura deliberada.

Essa segurança em agredir não é nova, mas isso de proteger agressores bolsonaristas e torturar militantes me pareceu evidência que os tempos de chumbo já chegaram. A defesa pública e explícita pelo presidente da inviolabilidade do direito do policial à letalidade chegou à tropa, que se sente agora à vontade com inédita a pré-imunidade outorgada pelo presidente. As mortes resultantes de ação policial já aumentaram pelo Brasil afora.

Cria que o filho é teu: Hoje, sábado, Reinaldo Azevedo desancou o tweet de Eduardo Bolsonaro, que agredia Lula. Achei pesado. A chamada do vídeo era: “Jair vai cair”. Reinaldo critica a falta de empatia dos bolsominions, o que é uma divisão significativa na direita. O jornalista tem tido importante posicionamento contra aloprados da extrema direita.

Mas, tal como seus colegas de PIG, foi ele que ajudou a criar o clima antipolítica e anti-esquerda, tão necessários para derrubar Dilma e instaurar, segundo o plano da direita, uma restauração aecista. Foi ele o inventor do termo “petralha” (que faz equivaler a esquerda e o crime), fazendo de alvos a destruir todos no campo popular, e “apedeuta” (quer dizer “ignorante”), para descrever Lula em termos de ódio de classe. Foi ele que abriu a cloaca da direita: agora eles vão te pegar!

Tenho lembrado muito do filme brasileiro “O Invasor”, com o Miklos que foi do Titãs, que vi ainda jovem. No filme, ele é um homem duro que realiza um serviço sujo para um engenheiro, mas daí ele vai ficando na vida do patrão e acaba se infiltrando e tomando conta de tudo. Eis a relação da direita com a extrema-direita.

O Nassif publicou um alarmante artigo onde ele expõe um esquema que pode ser o garrote que sufocará a democracia e deformará a vida política brasileira por décadas: a Lava Jato vai criar uma uma fundação de direito privado, controlada por um procurador nomeado pelo procurador regional da República do Paraná, com recursos de R$ 2,5 bilhões fornecidos pela Petrobras, de sua indenização.

Atenção: um setor do Judiciário vai se apropriar de R$2,5 bilhões, que são da Petrobrás. Eles vão criar um organismo independente, incontrolável e infiscalizável.

4 de fevereiro

Durante o carnaval, várias polícias estaduais têm usado programas de reconhecimento facial nas ruas deste carnaval. Na Bahia, a PM fez uma prisão graças ao programa, tendo o programa reconhecido três milhões de foliões.

Bolsonaro estave ativo no twitter, prometendo a “Lava Jato da Educação”, o que certamente significa mais “despetização” e perseguição de supostos “doutrinadores de esquerda”.

Hackers derrubaram blog de Reinaldo Azevedo… é só o começo.

Sumiu Momo: Achei lindo que um bloco de bolsominions, programado para hoje em São Paulo, fosse um fracasso: nenhum folião saiu com eles. Apesar de eu ser cínico em relação à potência revolucionária de Momo, acho significativo que a direita tenha problemas com o carnaval!

5 de março

Alarma o ensurdecedor silêncio dos liberais, coxinhas, STF, STJ, PGR e novistas a respeito das denúncias de Nassif. É seríssimo. Nassif, com sua análise, apontou o embate em curso no coração do poder. Não há um Brasil viável que reúna Araujo, Damares, Guedes e Mourão. Alguém precisa cair, com violência se necessário. Nassif coloca claramente a Lava Jato contra Bolsonaro.

A guerra civil brasileira: Eu acho que é meio simples derrubar e neutralizar a Famiglia Bolsonaro… mas, o que fazer com o grito de protesto que eles canalizaram? O Brasil não vai aceitar uma restauração com Globo, STF, Moro, Gilmar Mendes e Aécio…

Mesmo se Moro cooptar a Polícia Federal, restam as PMs estaduais e também o baixo clero dos quartéis. A soldadesca não têm as aposentadorias dos generais, eles não vão morrer pelos oficiais que os desprezam. Bolsonaro representa um tipo de tenentismo contemporâneo, um realinhamento conservador “por baixo” que não vai se deixar derrotar por carteirada do Judiciário…

Imolações no Itamaraty O atual chanceler detona toda a hierarquia tradicional das relações internacionais brasileiras, privilegiando indicações de renovação “geracional” que atropelam os contrapesos internos da instituição.

A tal da “limpeza ideológica” corre solta no Itamaraty.

Momesco miliciano – ou não!Estava na plataforma da estação Paulista do metrô e vi um moço, dentre vários outros folões, que trazia uma máscara de papel. Rondei o figura para me certificar que a máscara de papel que trazia era mesmo de Luiz Pacca, o policial civil ligado a Flávio Bolsonaro que foi preso por extorsão. Já tinha visto uma no sábado.

Mas um amigo alertou que na verdade trata-se do rosto de Flávio Assunção! Espero que a confusão seja essa!

6 de março

Repercutem os desfiles das escolas de samba.

Eu esperava um pouco mais da Tuiutí, que fez referência apenas de passagem a Lula e à situação política atual. Mais explícito e divertido foram as “coxinhas conservadoras” de uma ala.

Já o desfile da Mangueira foi muito forte, pois colocou de maneira incontornável que existe resistência e que o lugar do carnaval pode sim servir de plataforma de visibilidade. Apesar das limitações de formulação de um desfile oficial, o tema deste ano furou o cerco de silêncio do Estado brasileiro, que ainda não esclareceu o assassinato. Estava na boca de todo mundo e ficou latejando a pergunta: qual a ligação dos Bolsonaro com o Escritório do Crime?

A viúva de Marielle, Monica Benicio, desfilou junto, assim como o Freixo.

O desfile (e subsequente vitória) da Mangueira consolidou a percepção de que o carnaval foi de resistência e que explodiram as insurgências locais. A própria Mônica Benicio afirmou que “Isso só concretiza a ressignificação daquela noite de 14 de março, em que vai completar um ano do assassinato de Marielle sem que o estado brasileiro responda quem mandou matar. Acho que isso é uma resposta de que vai haver luta até a gente ter uma resposta para isso”.

A imprensa de esquerda ficou bombando cada grito de protesto, mas é muito difícil medir esse tipo de coisa e afirmar que o carnaval como um todo foi de resistência. Mas até a Mangueira, eu diria que os blocos não tinham sido acachapantemente revoltosos. É verdade que em muitas cidades houve gritos e chamadas anti-governo. Em Olinda, bonecos gigantes representando Bolsonaro e a primeira-dama Michelle Bolsonaro foram hostilizados.

A esta altura, a estratégia de Bolsonaro tinha ficado clara: manter o twitter aceso durante o feriado. O presidente ainda se fia muito nas redes para se comunicar com sua base. A exemplo de Trump, ele opera sem o apoio da grande mídia e precisa manter o clima de campanha, o que consegue atacando a esquerda em geral.

Por exemplo, polemizou com Caetano e Daniela Mercury, que lançaram uma canção “Proibido o Carnaval”, dedicada a Jean Wyllys. Usou de novo a figura da Lei Rouanet para desautorizá-los.

Mas a bomba nuclear semiótica foi o vídeo onde foliões se expõem em gestos e práticas sexuais explícitas. A ideia era demonizar o carnaval e fazer colar na esquerda e na resistência a pecha de depravação e crime. Essa posição não orna com Alexandre Frota, notório ator pornô, hoje deputado pelo mesmo partido do presidente.

A repercussão do post foi imediata, mas as reações parecem ter escapado do controle do governo. Num segundo tweet, horas depois da explosão do vídeo, o presidente perguntava: “o que é golden shower?”. Foi como gasolina na churrasqueira: uma bola de fogo subiu e deixou muita carne carbonizada.

Todo mundo deu opinião a respeito. Aqueles que acham que a dissonância e caos são sinais de força, evidência de uma estratégia para forçar pautas e trancar a oposição na reação, afirmaram que a resistência caiu na armadilha e que Bolsonaro se fortaleceu. Mas a maioria das análises concorda que pegou muito mal. A direita se dividiu, e mesmo os apoiadores de Bolsonaro tiveram de se perguntar oque significava aquilo. A bandeira do impeachment foi levantada pela oposição, que explorou muito o episódio.

Li que ele teria admitido ter errado, algumas análises de fluxo de rede indicam que foi sim um tiro no pé. Mas é difícil medir o impacto com exatidão.

Mas a Bolsa caiu e o dólar subiu…

Talvez o presidente esteja mesmo a falar só com sua base, seus 15% a 25% do eleitorado, a exemplo de Trump, que não se dá ao trabalho de conquistar o centro do espectro político. Mas pegou mal geral. Teria sido mais hábil outro alguém ter soltado o vídeo, ou editá-lo, sei lá.

A hipocrisia do PIG fica escancarada quando tenta criticar quem ativamente apoiaram. Foram eles que normalizaram a extrema-direita, dando ares de estadista ao candidato que agora os embaraça. Foram eles que operaram a falsa simetria entre Haddad e Jair. Lembro que a Folha proibiu seus repórteres de se referir a Bolsonaro como “extrema-direita”.

Acho que tanto a oposição e o regime estão agora avaliando os resultados do carnaval. A confiabilidade de Jair Bolsonaro na condução minimamente competente do governo ficou muito arranhada, e há que se estudar se isso de governar por tweets tem limitações sérias. As contradições do governo ficaram ainda mais acirradas, e a pergunta que todo mundo faz, abertamente ou não: isso vai atrapalhar a votação da Previdência?

Já a resistência, genericamente definida, parece ter se fortalecido na propagação da ideia de ela existe e está no coração do povo – ainda que em termos de organização seja incipiente e fragmentada. Deu para lavar a alma e diminuir a solidão e sensação de isolamento.

Era só tirar a Dilma, não é mesmo? Saiu o PIB do golpe: o crescimento do ano passado foi de mero 1,1%. A política econômica imposta por Temer foi um fracasso. Queria muito alugar uma kombi com megafone e sair pela cidade anunciando o fato. Uma enorme e safada mentira fica agora desmascarada: a reforma trabalhista não não ajudou a economia e não gerou um único emprego!

A nova Previdência também não! Ela não destranca nem bomba nem estimula a economia!

Alto e baixo cleros do Judiciário trocam tiros: a A Lava Jato encaminhou à Procuradoria-Geral da República (PGR) pedido de suspeição do ministro Gilmar Mendes nas investigações envolvendo Paulo Preto e o ex-senador Aloysio Nunes Ferreira.

Mourão nega tutela militar do governo ou mesmo que haja participação coordenada dos militares na atual administração.

7 de março

Passou que a contribuição sindical não pode mais ser cobrada no holerite, tem que ir no banco e pagar com boleto. É ruim e vai diminuir o orçamento dos sindicatos.

Vejo na tela do boteco o Jornal Nacional, sem som: a candidata laranja do PSL diz que o ministro do Turismo pessoalmente pediu que fosse uma “laranja”.

O caixa 2 da Lava Jato: aos poucos algumas reações à Fundação da Lava Jato: os ministros do STF se calam, assim como Raquel Dodge da PGR. Só o ministro Marco Aurélio, o conservador independente, falou contra. Depois li que o Reinaldo de Azevedo também. Ele aponta três crimes cometidos pelo presidente nos últimos 3 dias.

Bolsonaro afirmou hoje, cercado de dois generais, que democracia só existe quando os militares permitem. “No Brasil nós devemos às Forças Armadas a nossa democracia e a nossa liberdade, e assim é em todo lugar do mundo.”

Olavo de Carvalho reverte seu apoio ao governo e convida a seus indicados a renunciarem.

Hoje tem Marcha das Mulheres na Paulista e em todo o mundo.

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