Resenha Semanal

9 a 15 de março 2019. Um apanhado ilustrado da semana política e de mobilizações. O caso Marielle está envolvendo o clã Bolsonaro, em meio a uma guerra de facções no planalto central do país.

A semana esquentou com as revelações e prisões da investigação sobre a morte de Marielle. As ligações dos suspeitos matadores com a família Bolsonaro os colocaram na defensiva. Uma sequência de três eventos deu carga política máxima ao noticiário: o desfile da Mangueira/Marcha Mundial das Mulheres/Aniversário da morte de Marielle: a presença da vereadora negra estava muito acesa na mente e corações das pessoas e os eventos ajudaram a avivar a seriedade do crime.

Jean Wyllys disse: “Marielle vai derrubar Bolsonaro”.

Além disso, parece que os primeiros enfrentamentos dentro do consórcio do governo estão faiscando. Nenhuma facção tem projeto para o país, e sua mútua destruição vai gerar cenários ainda mais imprevisíveis. Um macabro xadrez tridimensional.

Um pano de fundo mais geral parece ser a relação entre as redes e as estruturas institucionais de representação e poder. Isso aparece quando Moro teve que desnomear Ilona Szabó, quando Rodrigo Maia pede a Bolsonaro que ative sua rede de Whatsapp em favor da reforma da Previdência, e principalmente aparece na incessante torrente de notícias falsas, semi-falsas e verdadeiras.

Massacre de Suzano fez o noticiário mudar abruptamente.

8 de março

Fui à Marcha Mundial das Mulheres:

https://outraspalavras.net/gavinadams/2019/03/14/diario-marcha-mundial-das-mulheres-2019/

Todas as jogadoras da seleção de futebol dos Estados Unidos, atual campeã mundial, processaram a federação nacional de futebol dos EUA. A federação paga muito menos a elas do que aos futebolistas homens, negando também condições de trabalho iguais. Elas têm muito mais títulos do que os seus colegas homens.

9 de março

O governo Bolsonaro aprovou o uso de mais de 60 novos tipos de agrotóxico no Brasil.

O ministro Vélez Rodriguez, da Educação, demitiu ontem indicados do astrólogo Olavo de Carvalho, iniciando uma guerra pelo poder no MEC. O astrólogo descreveu o governo como “puteiro”. Vélez foi a Bolsonaro, que o manteve no cargo. Depois, o ministro demitiu vários indicados de Olavo.

Reinaldo Azevedo afirma que os porões do governo querem pegar Fernando Haddad, através da dita “Lava Jato da Educação”.

Outra frente da guerra civil no planalto: a bancada evangélica manifestou descontentamento por ter ficado sem cargos suficientes. Bolsonaro respondeu aumentando o tom da guerra cultural, mas não parece ter bastado: a bancada prometeu votar com o governo apenas em pautas de costumes, isto é, não a Previdência.

Sabemos que o Congresso não é um lugar de muita resistência, e que os deputados podem estar apenas inflando seu preço.

O mesmo Reinado Azevedo parece ter tido um momento tardio de iluminação. Ele escreveu contra os jornalistas que colaboraram cegamente com Lava Jato: “Agora se dão conta de que eram e são meros peões de um projeto de poder, que está apenas no começo. (…) O projeto mesmo é capturar o Estado….”

Ser de esquerda hoje é padecer de um insidioso mal que provoca perverso prazer, encapsulado nas duas mais doces palavras da língua portuguesa (com a provável exceção de ‘transação aprovada’):

Além de só atender ao ressentimento guardado, esse mal do “eu avisei” impede a renovação das pautas e acolhimento dos que se afastaram. Além disso, dá uma enorme vontade de retribuir na exata mesma moeda todos os insultos e ameaças: devolver a presunção de culpa sem prova, o julgamento pela mídia, o espalhamento de memes muito bons mas não necessariamente verdadeiros, fomentar a boataria e sublinhar conexões explosivas mas duvidosas entre fatos díspares. Bolsonaristas e seus eleitores merecem tudo isso, mas igualmente nos torna iguais àqueles que combatemos.

É difícil medir arrependimento dos eleitores do Bozo, mas há exemplos concretos. O amigo L disse que nas festividades de carnaval da escolinha de seu filho, os pais presentes, depois de muito beber, começaram a expressar arrependimento por ter apoiado Bolsonaro. Tenho certeza que tem muito mais gente. Há um site que coleta e publica mensagens desse tipo.

Conversei com L e ele conta que o voto evangélico foi determinante na vitória de Bolsonaro, e que 90% deles votaram no Coiso. Os cultos são ainda muito importantes na formação da decisão eleitoral entre eles.

Disse que os evangélicos têm uma visão apocalíptica da luta política, isto é, antes da renovação e redenção tem que ter destruição. O apoio dos evangélicos a Israel tem a ver com isso. Na presente e vindoura guerra de facções, esse viés adventista de destruição informa todo o cenário político institucional, principalmente a extrema-direita, que eletrocutou a centro-direita e está numa viagem revolucionária de queimar todas as pontes com “o velho”. Nenhuma das facções tem projeto de Brasil, debate econômico ou reflexão social. Mas todos têm letalidade destrutiva. Por isso, mesmo as trapalhadas de Bozo, como o vídeo escatológico, não vai demover o campo evangélico da sua luta apocalíptica.

Ele apontou também como todos os militares no governo hoje são do exército e não da marinha ou aeronáutica. Eu tomei isso como um indicativo que nem os militares ao redor de Mourão têm o poder de pacificar (pela força) uma fase pós-Bolsonaro. Não apenas ele não controlam a sua própria gurizada nos quartéis (o baixo clero militar) como é mentira que eles tenham qualquer plano coerente para governar.

10 de março

Estava na Paulista caminhando e vi um encontro de sósias de Michael Jackson. Um recente documentário exibido na Inglaterra traz o depoimento de pelo menos dois homens que, quando meninos, foram abusados sexualmente pelo cantor. Hoje, os quase 20 fãs trouxeram caixa de som e dançavam ao som de sua música. Não soube ler esse evento.

Fiquei de mau humor quando vi que o sapo da FIESP atraía muita gente, que se deixava fotografar na frente do anfíbio inflável. Tinha fila.

Mas vi, no chão, uma antiga pichação a estêncil: “Frente Antifascista”. Sorri.

11 de março

Bolsonaro ontem atacou uma jornalista da Globo por twitter, acusando-a de querer derrubá-lo. A fonte é um site de direita que inventou essa fala que é atribuída a ela. O BOzo: “Constança Rezende, do ‘O Estado de SP’ diz querer arruinar a vida de Flávio Bolsonaro e buscar o Impeachment do Presidente Jair Bolsonaro. Ela é filha de Chico Otávio, profissional do ‘O Globo’. Querem derrubar o Governo, com chantagens, desinformações e vazamentos”

Esses ataques à grande imprensa são muito notáveis. Durante a campanha, o PIG não chamou o capeta pelo nome (extremista de direita) e agora recebe fogo dele. Merecem.

Muito se analisa, a partir da esquerda, o modus operandi do governo. Bolsonaro é o gênio manipulador da comunicação ou um incontinente toscão sem noção? Ele está impulsionando a imprensa de extrema-direita e queimando pontes com a sociedade. A pergunta que aparece é se as táticas de campanha são adequadas ao exercício do governo. As teses da domesticação do Bozo, abundantes na imprensa liberal durante a campanha, caem por terra. Parece mesmo que o espírito apocalíptico de destruição renovadora tomou conta geral.

Talvez o governo tenha acesso a pesquisas que indicam que vale a pena investir nas redes e atacar a imprensa; talvez tenha comprado impulsionamento suficiente nas redes.

Acho que o poder das redes, para o bem e para o mal, ainda estão a roçar com dor as estruturas tradicionais e isso irrompe de maneira irregular.

Lembrei de M, que, em 2016, diminuía as mobilizações coxinhas anti-Dilma, dizendo que classe média não faz movimento. É verdade: isso da rua ser uma espécie de laboratório para o poder compartilhado, para a ação social coletiva, não é característico da direita, que tem que garantir um certo tipo de individualidade refratário ao social. Então pode ser que as redes sejam uma espécie de sociabilidade coxinha, meio torta e fascista, irrompendo na democracia liberal.

Eu estava no ônibus na Paulista, a fim do dia, e vi um comando da PM logo depois da esquina com a avenida Brigadeiro Luiz Antônio. Tem havido muitas dessas operações na cidade ultimamente. O governo diz que está redistribuindo e isolando líderes do PCC em diferentes presídios. Ouço muito de pessoas que saberiam dessas coisas que o PCC se posicionou contra Bolsonaro e que espera repressão do governo. Se isso é embate republicano contra o crime ou apenas permitir que milicianos tomem o lugar do atual narcotráfico, não sei.

Saiu no Estadão que as nomeações do terceiro escalão conta com muitos militares também.

12 de março

Prisão de 2 PMs (um ex e outro reformado) acusados de matar Marielle: Ronnie Lessa e Élcio Vieira de Queiroz. Um deles mora no mesmo condomínio de Bolsonaro! As ligações da família do presidente com as milícias ficaram tão evidente!

Agora apareceu a foto do Bolsonaro com o assassino! (Na imagem, o presidente aparece com o rosto cortado, apenas seu sorriso o identifica).

Fica esclarecido o ataque de Bolsonaro à jornalista do Estadão: o presidente deveria saber da operação de hoje e ameaçou-o através da filha. Foi o Chico Otávio que deu o furo das prisões e publicou matéria completa e informada no dia de hoje. E se Bolsonaro sabia, Moro sabia…

O ministro Moro já se evadiu de muitas responsabilidades, incluindo a de proteger gente que está saindo do país temendo por sua segurança.

A luta interna no MEC continua: Olavo de Carvalho conseguiu demitir desafetos no ministério e Bolsonaro parece bancar sua ofensiva ideológica contra o fantasma da esquerda acadêmica.

A conta de 400 mil reais de Bolsonaro no hospital Albert Einstein será paga pelo governo. Já a conta do motorista Queiroz, que ficou internado lá também, não se sabe quem pagou.

Saiu agora que um filho de Bolsonaro namorou a filha do matador de Marielle, o Lessa! Cada vez mais estreitas as ligações entre Bolsonaro e a morte de Marielle.

Mais de 100 fuzis foram encontrados na casa de um amigo do outro matador, que pode ser um grande traficante de armas.

Reli declarações do ministro Jungmann em novembro de 2018: “Existe uma grande articulação envolvendo agentes públicos, milicianos e políticos, em um esquema muito poderoso, que não teria interesse na elucidação do caso Marielle. Até porque, estariam envolvidos nesse processo. Se não tanto na qualidade daqueles que executaram, na qualidade de mandantes”.

A contra-onda bolsonaristas nas redes à toda: ataques para todos os lados, descrédito dos críticos… E perguntas também, para responder à demolidora pergutna quer todos fazemos (quem mandou matar Marielle?): quem matou Celso Daniel? E quem mandou matar Bolsonaro?

Mas é notável como agora coxinha vem falar que “precisa investigar antes de julgar”, não pode ter julgamento pela imprensa, precisa esperar a prova etc. Um comentário em site de direita: “Um torcedor do Flamengo matou futilmente um torcedor do Botafogo. TODOS os torcedores do Flamengo têm culpa? Idiotice e má fé juntas”. Pergunta pro Lula. Pergunta pra Dilma. Pergunta para o MPL. Avisa o Reinaldo Azevedo e seus “petralhas”.

De qualquer forma, a notícia repercutiu muito mal, e a pecha de miliciano deve ter colado no presidente e sua família.

Li hoje mais uma vez sobre o Zé de Abreu, que se autoproclamou presidente interino do Brasil. A piada é meio sem graça, mas repercutiu graças a Bolsonaro, que vai processá-lo e escalou Frota para atacá-lo. Eu achava que era apenas um chiste sem mais, mas M apontou que ele já pisou muito na bola, polemizando com quem era contra a Copa, tomando o lado do governo Dilma. Também parece que ele tentou falar em alguma manifestação do 8 de março deste ano, tendo inclusive declarado Marielle sua “Primeira Dama”, uma gafe bem reveladora.

13 de março

Filho do jornalista Noblat ameaçado pela direita.

O coronel João Miguel Maia de Sousa, ouvidor do Incra, cancelou seu próprio memorando proibindo seus subordinados de receber entidades que não possuíssem CNPJ (o MST).

Repercute a entrevista de Guedes ao Estadão. Foi muito ambígua. Insistiu muita na reforma da Previdência, mas demonstrou indiferença ao crescimento econômico.

Repercute a deposição do comandante em chefe do exército no Uruguai: ele falou contra o judiciário por causa de condenações de agentes do estado que torturaram durante a ditadura.

Damares teria dito que “diversos temas caros aos conservadores estão sendo colocados de lado devido a algumas ameaças. A imprensa seria uma delas. Mas a principal mesmo seriam os militares”. Gasolina no fogo.

O delegado Giniton Lages, que investigou a morte de Marielle e fez as prisões da semana, foi removido do cargo, para “fazer um curso na Itália sobre a máfia”. Ele não sabia e foi pego de surpresa. A imprensa afirma que foi porque ele citou o namoro do filho do presidente com a filha de Lessa – e apontou a ligação dos milicianos.

Toffoli peita procurador que o atacara em forma de artigo. Depois da humilhação do “cabo e do soldado”, e tantas omissões clamorosas e casuísmos indignos, o ministro tenta tirar o atraso da cumplicidade do STF com o derretimento geral do país. A extrema-direita está mobilizando muito contra Superior Tribunak Federal e contra seu alvo preferido, o indefensável Gilmar Mendes.

A Lava Jato foi barrada pela Procuradora Geral da República Dodge, que buscava o impedimento de Gilmar Mendes no processo contra Paulo Preto, operador do PSDB.

14 de março

Bolsonaro extinguiu 21 mil cargos e funções gratificadas, com alvo certo: as Universidades e Institutos Federais de Tecnologia.

Bancada evangélica sai da base do governo, segundo o Estadão. Onyx declarou que pode oferecer aos evangélicos descontentes muitos postos no MEC, que oferece extensa lista de cargos.

Faltam só seis dias para a apresentação do projeto de Previdência para os militares. Tenta-se compensar as perdas do novo plano com o vergonhoso “auxílio-pijama”, que mais ou menos dá de volta o que tira com outra mão.

Hoje dois atiradores invadiram a escola onde estudavam, em Suzano, São Paulo, e mataram 10 pessoas. Eram meninos que participavam de redes de disseminação de ódio, como o Dogolachan, onde teriam encontrado ajuda para preparar o massacre. Um dos atiradores apoiou Bolsonaro durante a campanha. Essas redes são de extrema misoginia, violência e ressentimento: envolvem também um bizarro movimento, os Celibatos Involuntários, que seriam homens que não conseguem manter relações sexuais ou afetivas com mulheres e as culpam por isso.

A imprensa cobriu muito o massacre, mas evitei: é sempre o mesmo, as pessoas chorando, os testemunhos de amigos e detalhes escabrosos. A imprensa desce como abutres hipócritas, buscando lágrimas.

Mas a desgraça abriu o debate do porte de armas. Bolsonaro anunciou, no mesmo dia, que vai propor a flexibilização do porte.

Vi uma foto de Bolsonaro com uns meninos, fazendo o seu característico gesto da arma. A vinculação direta entre o presidente e o massacre parece forçada, mas o culto da morte e das armas é isso aí.

Depois de muitos reverses e críticas, a Lava Jato retirou sua proposta de fundação privada. Derrota clara. Além disso, Dallagnol vai ser processado por Toffoli por isso. Por cima de tudo, o STF, por 6×5, decidiu que Caixa 2 será julgado por tribunais eleitorais e não pela Lava Jato.

Sobe a temperatura.

Saiu que o deputado do PSL Alexandre Frota caiu em desgraça, por ter pedido a prisão de Queiroz e o afastamento de Flávio Bolsonaro: “”Já que o Queiroz assumiu que ele fez a rachadinha, que ele trabalhou em cima, eu quero que o Queiroz seja preso e gostaria que o Flávio Bolsonaro se afastasse para poder se defender. E, se nada tem, que voltasse aqui e esfregasse na cara da esquerda, porque todos os dias nós subimos aqui e somos fuzilados pela esquerda”.

Rerere: é melhor Jair se acostumando.

Fui ao ato em homenagem e lembrança de Marielle na avenida Paulista.

15 de março

Coaf aponta depósito de R$ 100 mil na conta de Ronnie Lessa, que teve bens bloqueados.

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