Resenha Semanal (23 de fevereiro – 1 de março 2019)


A semana política encerrou com fato quente, mas passei os outros seis dias desanimado com a fragmentação do campo popular. Se na direita há divisões e brigas deliciosas de acompanhar, na esquerda também se aponta o dedo e cobram-se diferenças, mas dá desalento. Pouco saí à rua.

22 de fevereiro

A crise na fronteira escalou com o posicionamento de mísseis venezuelanos. Tem de tudo lá: refugiados, manifestantes, chavistas, CIA, militares…

O Incra rompeu com o MST e termina todo o diálogo que vinha mantendo com os sem-terra. Faz parte da “limpeza ideológica”.

23 de fevereiro

Os passos foram dados na fronteira da Venezuela, com duelo de shows, caravana da oposição saindo em direção à fronteira. Guaidó furou o cerco e foi ao palco na Colômbia. Houve dificuldade em se obter caminhão para transportar suas doações brasileiras, que chegaram à base aérea para em seguida seguir para Pacaraima. Então só apareceram dois caminhões – que na verdade são caminhonetes.

É bem difícil saber o que de fato ocorre lá: relatam-se ataques a jornalistas, embates entre a Guarda bolivariana e indígenas e manifestantes, algumas mortes.

24 de fevereiro

Os caminhões na fronteira da Colômbia não passaram, dois deles foram incendiados, contam-se 4 mortos, muitos feridos e confrontos… Difícil acompanhar pela imprensa, a cobertura no geral foi ruim.

Muito curiosas as inversões que essa crise traz ao discurso político: os manifestantes contra Maduro são celebrados ao usarem coquetéis molotov contra as forças de segurança, que são censuradas por “excesso de força”. Imagina se o MPL usasse coquetéis molotov, ou se o MTST jogasse pedras contra o exército brasileiro!

O chanceler brasileiro foi à Colômbia apoiar Guaidó.

Mas, no geral, não parece que as esperadas rebelião popular e deserções militares em massa tenham ocorrido.

Continua a repercutir o estranho caso do ministro do STF chantageado: Gilmar Mendes assim o afirma, depois de ter sido alvo de uma investigação irregular de agente da Receita. Não está claro se há, como se insinua, um baixo clero gangsterizado do judiciário cercando e chantageando os medalhões do Tribunal. Apesar da gravidade do fato, é realmente difícil ter pena de Gilmar Mendes, ou mesmo do STF: abriram a cloaca, esparramou-se o esgoto.

Li o Estadão impresso e, de novo, deu raiva: para seus comentaristas, o presidencialismo de coalizão agora vale. Quando Lula era réu, Moro chamou o PT de ORCRIM, apontando que todo o partido era uma coalizão de criminosos para exercer a corrupção, por meio da distribuição de cargos e favores, tal como ilustrado no infame Powerpoint de Dallagnol. Agora, o que era atividade criminosa, configura a “política real” que Bolsonaro e os generais precisam realizar. Resumo: para passar a Previdência, precisa falar com o Congresso na sua língua.

Em São Paulo, durante o pré-Carnaval, a Fanfarra Clandestina foi reprimida e impedida de continuar sua festa. A PM deteve uma fanfarrista e confiscou instrumentos musicais. Outros blocos, como o Bloco da URSAL, Bloco da Dona Yayá, o Blokoke, também foram reprimidos.

25 de fevereiro

Reunião do Grupo de Lima, depois do fracasso. Maduro sai como vencedor do duelo, já que a iniciativa de Guaidó não trouxe maiores consequências. Na imprensa de esquerda sublinha-se a resistência partidária das organizações populares. Os europeus retiraram seu apoio à operação quando se convenceram de que ela não levaria a nenhuma eleição, como pediam.

A escalada de intervenção militar esfriou, e no Grupo de Lima se fala em negociação e sanções. Guaidó baixou o tom.

Imóveis de Davi Alcolumbre, não declarados ao fisco, foram encontrados por reportagem do Estadão.

O Ministério da Educação (MEC) mandou nesta segunda para todas as escolas do País um email pedindo que as crianças sejam perfiladas para cantar o hino nacional e que o momento seja gravado em vídeo e enviado em seguida para o governo. O email pede ainda que seja lida para elas uma carta do ministro Ricardo Vélez Rodríguez, que termina com o slogan do governo “Brasil acima de tudo. Deus acima de todos”, que aparentemente teria que ser recitado pelos alunos também.

A PF não acha nenhuma ligação do atentado a Bolsonaro com nenhuma outra organização ou grupo de pessoas, muito menos ao PSOL. Relembro a sordidez dos ataques ao Jean Wyllys, que foi acusados nas redes deter mandado o atentado, de namorar o Bispo, e de ter fugido do país por causa do avanço das investigações.

26 de fevereiro

Teve um ato no Shopping Higienópolis hoje. Não fui. O protesto era contra o estabelecimento, que enviara um pedido ao TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo, para que os seus agentes de segurança tivessem liberdade para expulsar as crianças e adolescentes, descritos como “moradores de rua” e portanto “constatada a ausência dos pais ou responsáveis”, e os conduzirem à Polícia Militar.

As ruidosas reações à carta do Ministro Vélez forçaram recuo: “Eu percebi o erro e tirei essa frase, e tirei a parte correspondente a filmar as crianças sem autorização dos pais. Se alguma coisa for publicada será dentro da lei. Com autorização dos pais.”

Li que PM do Rio já matou 160 este ano.

Em Salvador, teve um ato dentro de uma agência da Caixa Federal. Um homem negro foi agredido por segurança do banco no dia 19, depois de entrar na agência para reclamar de subtração de dinheiro não autorizada de sua conta. O gerente quis fechar o banco sem atendê-lo e acionou a segurança. A PM também foi acionada.

O pré-Carnaval já está agitando a cidade. Blocos não registrados estão sendo reprimidos, como a Fanfarra Clandestina e outros blocos, como o Bloco da URSAL, Bloco da Dona Yayá e o Blokoke.

O ator Zé de Abreu, a exemplo de Guaidó, se autoproclamou o presidente do Brasil.

Joice Hasselman foi nomeada líder do governo no Congresso… sabe-se lá o que vai dar.

28 de fevereiro

“Em relação à mensagem anterior do MEC, dirigida aos senhores e senhoras diretores e diretoras de escolas, por questões técnicas de armazenamento e de segurança, o ministro Ricardo Vélez Rodríguez decidiu suspender o pedido de filmagem e de envio dos vídeos por e-mail.” Novo recuo. Randolfe Rodrigues pediu a todos os estudantes que filmem terceira mensagem: enviar as condições do sistema educacional.

Rola nas redes um vídeo de festa em uma escola militar. Ali, os jovens dançam funk, muitos e muitas de uniforme.

Um policial civil, Flávio Pacca, foi preso por extorsão. Ele era “consultor” do governador Wilson Witzel para assuntos de segurança pública, e foi homenageado por Flávio Bolsonaro no passado.

Noticiou-se que corre no momento uma campanha de caça a funcionários que não rezem pela cartilha do bolsonarismo nos bancos federais. O levantamento dos nomes a serem perseguidos estaria sendo feito por “grupos voluntários” de funcionários de carreira do Banco do Brasil (BB), da Caixa Econômica Federal (CEF), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), do Banco do Nordeste (BNB) e do Banco da Amazônia (BASA). Diz o Estadão que eles agem sob orientação direta da equipe de Paulo Guedes “e dos generais da reserva que atuam na organização do próximo governo”. Diz-se, na equipe de Bolsonaro, que as Universidades federais serão o próximo alvo.

Outro item para meu “gerenciamento da raiva”: o PT foi muito acusado de “aparelhar” o estado, promovendo a “República dos Companheiros” e forçando um viés ideológico e não “técnico” ao governo. Agora, o governo está cheio de militares e ideólogos extremistas não eleitos: o silêncio é ensurdecedor.

O MTST fez hoje a marcha “Menos ódio, mais moradia”. Não fui.

Bolsonaro afirmou que pode negociar a redução da idade de aposentadoria para menos. Em reação, a Bolsa caiu.

Além disso, persiste a “farda justa” dos militares, isto é, o tamanho e forma do sacrifício da Previdência nos quartéis.

Lendo os sites de direita, vi pela primeira vez críticas ao sistema financeiro. De maneira inédita, bolsonaristas e e extremistas chamavam seus colegas liberais de “financistas”.

1 de março

Ferve nas redes o imbróglio da desnomeação de Ilona Szabó, do Instituto Igarapé. Ela é especialista em políticas de segurança pública e violência. Ela se posicionou contra o candidato Bolsonaro e pontos da agenda de governo, tais como a liberalização da posse de armas. Tinha sido nomeada para o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão consultivo do Ministério. Mas a grita na direita foi muito grande, e os ideólogos extremistas foram contra e exigiram sua remoção.

Parece que tem um embate e medição de forças entre a legitimidade do mandato parlamentar tradicional e a manifestação de seguidores em redes sociais. Já houve tentativa de disciplinar o uso de smartphones e similares dentro do plenário. Resta ver como a fidelidade do parlamentar vai se construir, se a partir da consulta de sua popularidade online ou segundo as estruturas partidárias de condução do mandato.

Moro cedeu aos grupos que acumularam suas forças nas redes e desnomeou. Só que Ilona já mediou uma mesa com Mouro em Davos, corre que ela é ligada ao Luciano Huck e ao Quebrando Tabu. E o gal Floriano Peixoto também é do Instituto Igarapé! Ele aparece como “pesquisador sênior” e assim é companheiro de trabalho de Ilona.

Lendo o Antagonista, há enorme confusão e hesitação das diferentes facções que sustentam o governo em relação ao recuo de Moro. Parece ter muito robô petista nos comentários do site, mas um deles dizia assim: “Comunista de farda pode, viu?”, referindo-se a Floriano Peixoto.

Para piorar, o Diretor do Fórum de Segurança deixou o Conselho em protesto contra a desnomeação.

Então deu um curto-circuito na direita, que não sabe como se posicionar: não sabe se festeja a meritocracia técnica de Ilona ou se insiste na pureza ideológica imposta pelos MBLs da vida. E, principalmente: vale Bolsonaro e seus aloprados ou vale Sérgio Moro?

Moro saiu de covarde e inepto, e o governo Bolsonaro se queimou e encolheu.

Ilona saiu culpando grupos como o MBL e “grupos que precisam de inimigos”, contrários à democracia. Moro acabou por se curvar aos extremistas aloprados, recuando de uma decisão “técnica”: o dito xerife durão é mariamole.

Saiu agora que Lula vai ser liberado para ir ao velório de seu neto.

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