Resenha Semanal: 16-22 de fevereiro 2019

16 de fevereiro – a fervura de Bebianno

A novela do cai-não-cai de Gustavo Bebianno dominou o final de semana. Ele teria feito um desabafo para interlocutores próximos e demonstrou profundo arrependimento de ter trabalhado ativamente pela eleição do presidente Jair Bolsonaro. “Preciso pedir desculpas ao Brasil por ter viabilizado a candidatura de Bolsonaro. Nunca imaginei que ele seria um presidente tão fraco”, disse.

É bem difícil ouvir isso de um bolsonarista: agora é tarde, nós avisamos, você sabia e todo mundo sabia.

A USP tinha barrado o ingresso de alunos de escolas militares no sistema de cotas, já que as ditas escolas não são gratuitas e não se enquadram perfeitamente na categoria “público”. Achei lindo e justo, mas hoje a universidade voltou atrás e agora os admitirá, sabe-se lá por causa de qual pressão.

17 de fevereiro – Ato contra o assassinato de Pedro Gonzaga no Extra

Fui ao ato em frente ao Extra contra o assassinato do jovem negro por um segurança:

https://outraspalavras.net/gavinadams/2019/02/18/diario-ato-contra-o-assassinato-de-pedro-gonzaga/

18 de fevereiro – cai o pano

Afinal caiu Bebianno. Ele foi demitido em definitivo hoje, depois de recusar uma embaixada em Roma. A oposição busca explorar a animosidade entre as facções do governo, chamando Bebianno a depor no Congresso.

Joice Hasselman explicitou que a crise entre Bolsonaro e Bebianno respinga na bancada do PSL, já que não sabem se terão tratamento semelhante. O demitido parece ter conseguido apoio de metade da bancada do partido, além de Rodrigo Maia, que publicamente declarou-se-lhe favorável.

Isso pode fazer apitar a sereia militar. Os militares inclusive foram chamados pelo comentarista Reinaldo Azevedo a cometer um “impeachment branco” contra Bolsonaro . A sacrossanta reforma da Previdência, a ser apresentada ao Congresso, junto com o pacote anti-crime de Moro, pode correr perigo, já que depende de diálogo com a bancada.

A imprensa oposicionista afirma que Olavo de Carvalho foi escalado para atacar Bebianno e os inimigos do clã Boslonaro. Teria postado muito, e dentre as mensagens, “Aviso ao mundo: eu NÃO quero saber do caso do Bebê Anus nem das gracinhas do general Mourão. Quando acontecer alguma coisa real, me avisem”. Há uma virulência extrema em brigas e comentários de internet. Tem coxinha que está sendo alvo de muita agressão por defender Bebianno. Agora eles sabem por o que passa a esquerda.

A frase “página virada” aparece em muitos comentários bolsonaristas. Mas o estrago é incontornável.

Li ontem no Estadão impresso que os Bolsonaros estão trabalhando para sair do PSL e refundar a UDN, construindo “o maior partido de direita no Brasil”. Kkkk.

Li que o segurança do Extra não poderia desempenhar as funções de segurança profissional, pois tinha passagem na polícia por agressão à mulher. Também li que um vídeo mostra que é falsa a legação que Pedro tentou tomar a arma do segurança.

19 de fevereiro

Aloysio Nunes é envolvido em ação da Lava Jato e pede demissão de seu cargo no governo de São Paulo. Parece que são desdobramentos da delação de Paulo Preto, operador do PSDB.

Bebianno demitido logo vazou áudios que provam que ele esteve sim em comunicação com o presidente, desmentindo Carlos. Mas não está ainda atirando para todos os lados.

O governo tem sua primeira derrota no Congresso, na votação das medidas que diminuem a transparência da informação pública.

20 de fevereiro

Circula um vídeo de uma reunião onde Bebianno diz que vai interferir em um hospital federal do Rio que está sob o comando de uma milícia, em Bonsucesso. Corre nas redes que esta seria a verdadeira razão de sua saída, ter peitado as milícias ligadas ao clã. O Ministro do Turismo esteve envolvido em esquema semelhante e não sofreu nenhuma represália.

O saldo final do imbróglio todo é que houve desgaste sério do governo Bolsonaro, mas, ao fechamento da ópera bufa, muita fumaça e pouco fogo.

Há um ponto de vista analítico que interpreta a política brasileira sob a óptica da “Guerra Híbrida”. Eles buscam levar em conta novos desenvolvimentos tecnológicos e os impactos da rede digital na política. Frequentemente eles conseguem explicar mais do que modelos tradicionais, e arriscam diagnósticos sobre assuntos que paralisam parte da esquerda: guerra de contrainformação, relação rede-rua, estruturas de disseminação do tipo Whatsapp, embate multi-tabuleiro. Buscam entender como a GH causa a perplexidade no inimigo e paralisia na sociedade através da saturação informacional. “O ponto todo é transformar a informação que ele quer dar em uma percepção que não é a dele, mas que ‘aparece’ ‘espontaneamente’ da cabeça do inimigo”.

No caso dos vazamentos de áudio que se sucederam à demissão de Bebianno, argumentam eles, ocorreu que Bolsonaro acabou saindo com boa figura. Sugerem que a GSI realizaria esse tipo de operação de ofensiva de contrainformação. Assim, “o Estado atual é uma enorme ocupação militar”. De fato, já são quatro generais no centro do poder, além de Mourão, oito militares no ministério e ao todo 46 fardados ou ex-fardados no primeiro e segundo escalões do governo.

Por outro lado, este viés analítico acaba por beirar a teoria da conspiração, já que toda a ação política e seus resultados parecem ter um comando central. Mas de fato o modelo da GH consegue lidar com o cenário atual, onde cada fato automaticamente produz seu contra-fato, e que a saturação – e não a razão – produz a realidade política.

Arrisco levantar aqui um paradoxo que conheci na esquerda digital e cibernética. Foi o movimento “da base” que criou muitas das estruturas e aplicativos da internet. O comércio e as empresas não se interessaram pela internet no seu início, e assim ela foi dominada em seu começo, por uns dez anos, por acadêmicos, geeks e programadores libertários em geral. O Twitter foi inventado por dois anarquistas. Mas quem deu a potência global e alcance planetário ao programa dos autores autonomistas foi a corporação capitalista. A Guerra Cibernética, Trump e Bolsonaro se definem pela potência e alcance, e não pela horizontalidade.

O projeto da nova Previdência foi apresentado ao Congresso e recebeu as críticas e apoios na imprensa. A esquerda é contra, e a direita é a favor. Tem alguma diferença de opinião nos comentários dos sites de direita, mas ainda é cedo para detectar rachas nesse campo.

Creio que tem aquilo de cada um fazer as contas com cuidado e calcular como as reformas impactam suas vidas, e isso demora um pouco a aparecer politicamente. Então pode ser que as forças que vão compor o campo de batalha estejam se posicionando.

Há muitas avaliações divergentes sobre o número de deputados a favor da reforma. Nenhuma indica ampla maioria para o governo, mas seria temerário fiar-se nas trapalhadas do Planalto como indicador de um futuro fracasso na aprovação da nova Previdência.

As defesas e os ataques são algo previsíveis, dos dois lados. Não se fala do atual deficit da Previdência (se quem deve pagasse, não haveria rombo), e repete-se sem pejo uma evidente mentira: esta reforma da Previdência vai bombar a economia atual.

Assim foi com a Reforma Trabalhista, que “flexibilizou” as relações de trabalho mas não criou um surto de contratações. Nem de longe. Dá raiva pensar que quem hoje afirma que a nova Previdência vai bombar a atividade econômica não vai ser cobrado no futuro quando a economia não crescer.

Fala-se em uma “economia de R4,497 trilhões” em 20 anos. Não está claro quem vai recolher essa economia, isto é, se o setor financeiro privado vai receber essa bolada na forma de planos privados de aposentadoria ou se este dinheiro vai estar em caixa para investimentos públicos.

A imprensona entrou em modo de guerra: parou tudo para bombar a reforma da Previdência. Ainda se fala na ingerência dos filhos e há certo rescaldo dos áudios de Bebianno. A presença e poder militar são notados, mas sem crítica. O governo se apressou em apresentar as reformas para mudar a pauta, sabendo que a Globo e outros ‘inimigos’ vão trabalhar a favor das propostas.

Em sites de direita, há certa hesitação. Há ainda um embate entre “bolsonaristas e globalistas”, mas certa confusão na defesa de posições.

A esquerda fala contra, mas ao mesmo tempo não elaborou nenhuma alternativa ou visão diferente. O PSOL aparece mais nesse sentido, mas mesmo as centrais sindicais se limitam a fazer chamadas contra. Os prejuízos de não ter organização e capilaridade no campo progressista estão evidentes. Cadê a Previdência de esquerda?

Sem ser anglólatra, que contraste com os EUA! Lá, os Democratas Socialistas preparam o Green New Deal, que é uma proposta de realinhamento profundo da economia com as demandas trabalhistas e ecológicas. É muito notável que finalmente haja inscrições convergentes entre os dois campos. Alexandria Ocasio-Cortez é uma das faces dessa onda. Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista está com uma plataforma de esquerda, que inclui a reestatização de 3 empresas privadas. Este foi o resultado do sucesso da aliança dos tradicionais rincões operários com a juventude urbana conectada e globalista. Esta conseguiu hackear o LAbour através da criação de um movimento, fora do partido, o Momentum.


Hoje teve ato na Sé contra a reforma, chamado pela CUT. Não tive ânimo de ir. Vi as fotos de A e foi apenas moderadamente cheio. Às vezes acho que a esquerda não tem nenhuma chance contra essa reforma. A oposição mais aguerrida vai ser dos chantagistas do Congresso, que logo acharão seu preço.

21 de fevereiro

O ministro do STF Marco Aurélio envia para Justiça Eleitoral apuração sobre suspeita de caixa 2 a Onyx Lorenzoni.

Hoje o presidente Bolsonaro afirma que errou no passado, quando votou contra a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria. Quando era deputado, ele votou sistematicamente contra as reformas na Previdência.

Moro está tendo que explicar porque a proposta de criminalização do caixa 2 não foi apresentada junto do resto. Teve que dizer que nem sempre caixa 2 é crime etc, mas sabemos que foi fatiado assim para evitar que a proposta que trata do financiamento eleitoral, sensível para os parlamentares, atrapalhasse a votação do restante do pacote. Em abril de 2017, o próprio ministro Moro havia dito que “corrupção em financiamento de campanha é pior que desvio de recursos para o enriquecimento ilícito”. Em 2016, também, Moro afirmou que “muitas vezes [o caixa dois] é visto como um ilícito menor, mas é trapaça numa eleição”.

Li hoje uma estranha notícia: Moro se reuniu com o CEO do Whatsapp para combinar como o aplicativo pode apoiar iniciativas do Judiciário. Se o Whatsapp estiver apoiando a campanha pró-pacote do crime do juiz, como serão as investigações do uso indevido do aplicativo na campanha de Bolsonaro? O aplicativo pode impulsionar conteúdo para o ministro?

Dá desânimo isso de pensar em um futuro desenhado por Sérgio Moro e Bolsonaro.

22 de fevereiro

Já a tensão na Venezuela escalou muito: o Brasil declarou seu envolvimento na condução da ajuda humanitária que os EUA estão coordenando. Maduro fechou a fronteira com o Brasil e mandou tanques para a área. A oposição venezuelana iniciou uma caravana para ir ao encontro da ajuda estrangeira.

A situação é volátil e altamente arriscada. Trump está beligerante e o alto escalão do governo americano está envolvido. Bolsonaro está alinhado. Teme-se uma invasão americana/colombiana/brasileira ou ação militar de algum tipo. Seria um desastre. Mourão fica dizendo que não, mas há o perigo concreto de confronto militar, o que é altamente perigoso: um dia algum país estrangeiro vai achar que precisa de intervenção no Brasil.

Saiu na IstoÉ que Valdenice de Oliveira Meliga, irmã de dois milicianos, assinou cheques em nome da campanha de Flávio Bolsonaro. Ademais, um ex-assessor admitiu, em interrogatório, que devolvia todo mês dois terços de seu salário para o gabinete de Flávio. Há intensa atividade no laranjal do PSL, buscando foro privilegiado e outros dribles legais para evitar as consequências de investigações em curso.

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