Resenha Semanal (8 a 15 de fevereiro)

8 de fevereiro

Faz um mês e meio de governo Bolsonaro. As contradições internas que ora explodem são inúmeras e produzem uma notável pantomima de cabeçadas, trombadas e bate-bocas.

Por um lado o governo ainda pauta o noticiário desfiando horrores (legalização de agrotóxicos proibidos no exterior, apoio ao golpe na Venezuela, nova legislação anti-crime, novas chacinas de agentes de segurança previamente impunes etc); mas, por outro, o governo não consegue estancar a sangria de escândalos.


Queiroz, o Escritório do Crime, os candidatos laranja do PSL, a ingerência dos filhos na gestão da presidência…. Tudo isso ocupa o noticiário. A Globo e Folha em posição ambígua: contra Bolsonaro mas a favor dos militares. Esse súbito zelo investigativo vai secar assim que um novo pacto for celebrado, com ou sem queda do Coiso.

Ademais, os grandes jornais ficam destacando como Mourão é racional e sensato, contrastando-o com Bolsonaro. Isso fez irromper na esquerda uma discussão: se houver o sacrifício do presidente e sua trupe numa Noite das Facas Longas brasiliense, quem deveríamos apoiar? Interessa-nos a mudança? Há ganhos estratégicos em vista? Seria uma oportunidade de renegociar a presente posição de fraqueza em algum tipo de novo pacto nacional? Ou seríamos apenas reprimidos e mortos com mais “racionalidade e inteligência”, portanto muito mais vulneráveis do que sob o capitão trapalhão?

Eu até acho que a derrubada traumática do clã Bolsonaro seria melhor, mas apenas no sentido de que o grito de protesto que o presidente soube canalizar desta forma voltaria à sociedade, que não toleraria uma restauração ao estágio Temer do regime e aumentaria a temperatura política. Esse naipe de racha na direita abriria o leque social da insatisfação para além de nossas bolhas de esquerda, onde seria possível disputar protagonismo dentro das prováveis futuras revoltas: tipo caminhoneiros e perdedores da economia que não vai crescer. Mas a nossa marginalização, apagamento e isolamento tenderiam a ser maiores.

No geral tem dado muito desânimo, pois é difícil sair do fluxo desse tsunami informacional, ainda mais agora que dá gosto ver o consórcio reacionário rachar (voltei a seguir sites de direita. Os comentários estão preciosos). Mas a esquerda segue meio perdida, reativa e sem imaginação. Onde é preciso ouvir, muita pregação. Onde falta interlocução, mais pregação. Onde precisa de base, decisões da liderança. Precisa achar, cultivar e fomentar experiências que apontem para fora deste atoleiro.


Fui a três atos dos funcionários municipais que estão em greve por causa da imposição de um plano de previdência péssimo: o Sampaprev. A mobilização parece que está boa, maior que a do ano passado, que logrou barrar o decreto temporariamente. A Prefeitura não está negociando e o movimento tenta se manter na rua. Do ponto de vista da rua, as manifestações obedecem a um padrão bem clássico: concentração com carro de som, votação por aclamação, passeata. Tudo de bom ao movimento, mas fiquei de novo com aquela sensação de que é preciso renovar as formas de atuar em público. Por ora, parece que a sociedade não se sensibiliza com atos de rua.

9 de fevereiro

Repercute a ação da PM no centro do Rio que deixou 13 mortos. Testemunhas falam em execução de quem já estava rendido. É unânime na esquerda que a guerra aos pobres já começou, e que a impunidade do policial que mata está assegurada.

Fala-se muito também no incêndio de centro de treinamento de adolescentes do Flamengo, que matou vários jovens. A estrutura não tinha os alvarás necessários e tinha sabido risco de incêndio.

Fui à festa de G e parece um consenso que o destino do Brasil no futuro próximo é um governo de tutela militar.

Tenho tentado viver o meu luto melancólico mais reservadamente, evitando contaminar as pessoas à minha volta. Gosto muito da frase de Zé Celso, que ouvi de J: “vamos atravessar esse regime”. Mas fui surpreendido por L, que me repreendeu o otimismo e disse que só quem tem a segurança de seu [meu] privilégio pode projetar otimismo no futuro próximo.

11 de fevereiro

Maduro parece que não cai, a despeito de forte auê na imprensa. Dá a impressão que se tenta forjar um consenso internacional para uma intervenção na Venezuela. O Brasil acolheu e apoia Guiadó, o presidente oposicionista autoproclamado. Trump parece favorecer uma intervenção direta. Mourão é mais reticente e já desautorizou intervenção militar.

A Folha levantou dois exemplos de candidaturas fantasmas do PSL. Elas não existiram na prática, mas atraíram a parcela esperada do fundo partidário.

A escadaria da rua Cristiano Viana em São Paulo, refeita por mulheres artistas depois de sofrer depredaçõe.

A morte de Marielle segue sem resposta, e as investigações acerca das relações de Flávio Bolsonaro com milicianos e seus próprios laranjas também parece que perdeu ímpeto. Os oito funcionários do gabinete de Flávio Bolsonaro que depositaram parte dos seus salários na conta de Queiroz sumiram e não podem ser encontrados em seus empregos ou residências.

O general Augusto Heleno do GSI estaria monitorando ONGs e a própria Igreja Católica no Vaticano, afirmam comentaristas. Bispos teriam sido espionados pela ABIN e o proposto Sínodo da Amazônia será “monitorado”. Bolsonaro estaria negociando um contra-evento na Itália, na mesma época, para falar das medidas ambientalistas do governo.

Morreu hoje de tarde o jornalista Boechat. Repercutiu bastante.

O passado corrupto de David Alcolumbre, recém-empossado presidente do Senado, emergiu na imprensa.

Num tweet do hospital, Bolsonaro cobrou conclusões nas investigações do atentado que sofreu. Ele sugere fortemente que o autor da facada seria em última instância o PSOL.

A ministra Damares foi duramente atacada por reportagem do Fantástico, ontem.

Brumadinho vai saindo do noticiário e não tem culpado. Uma jornalista analisou como foi exitosa a “gerência da crise” por parte da Vale: seu presidente sai incólume, nada de concreto em termos de punição. A imagem da empresa não ficou afetada a ponto de atingir sua cotação na Bolsa.

Foram encontrados mais dois corpos de moradores de favela que foram assassinados no centro do Rio. O número da chacina sobe para 15 mortos, cinco no Morro dos Prazeres e dez dentro de uma casa no Morro do Fallet.

São duas chacinas e 22 mortos no total, e uma criança de 11 anos assassinada pela polícia, em Triagem, em menos de uma semana no Estado do Rio de Janeiro. O governador Witzel congratulou os policiais pelos assassinatos. O deputado estadual Amorim, que tinha quebrado uma placa comemorativa de Marielle (tem um pedaço da placa em seu gabinete), propõe a doação de órgãos compulsória dos mortos pela polícia. As medidas de Moro dão legalidade aos homicídios praticados por policiais, mesmo que não haja agressão contra eles. Basta que haja medo ou “iminente agressão” para que o assassinato de uma pessoa seja legitimado pelo Estado, segundo a proposta.

12 de fevereiro

Parece que o aquecimento global está derretendo as calotas polares. Uma cidade no norte da Rússia tem recebido a visita de dezenas de ursos polares. Estávamos acostumados a ver animais desgarrados, mas desta vez é diferente. Temos uma manada, parece que essa nova proximidade suscita medo também, e não pena.

Parece algo similar às atitudes com imigrantes. Uma criança sozinha nos escombros da Síria provoca pena, mas quando ela e seus parentes aparecem nos portões da fronteira europeia, o sentimento é outro. Lembrei de F, que, quando voltou do México em 2011, disse que “no Brasil não dá para perceber, com sua abundância aquífera, mas a guerra da água no mundo já começou”. A caravana dos refugiados latino-americanos que marchava rumo aos EUA começou no campo, nas colheitas arruinadas pelas mudanças climáticas. O rearranjo catastrófico da sociedade humana já começou.

A PM do Rio soltou nota oficial onde diz que não houve nada irregular na ação policial que deixou 15 mortos.

14 de fevereiro

Ferve na imprensa o caso Bebianno, chefe do PSL. Ele é o segundo (depois do ministro do turismo) pesselista a se envolver com o uso fraudulento do fundo partidário. Ele afirmou que inha falado com o presidente, mas este o desmentiu através de Carlos Bolsonaro, que tuitou e deu entrevista à Record. A imprensa de oposição e o Antagonista dão muito destaque ao embate entre Bebianno e os filhos de Bolsonaro, que já teriam atraído muita animosidade em atuações não oficiais de porta-vozes da presidência. Bebianno tem muito poder de fogo amigo, caso saia atirando. O potencial de prejuízo ao governo é grande.

Continua repercutindo a declaração do ministro do meio-ambiente, Ricardo Salles, que “não importa quem Chico Mendes foi”. Até o Paul McCartney homenageou o ambientalista assassinado.

A jornalista Eliane Catanhede pôs gasolina no fogo ao comentar sobre a alta de Bolsonaro: escreveu que o presidente teria recebido “a última dose da quimioterapia”. Horas depois voltou atrás na redação, mas as teorias da conspiração já estavam em brasa.

Moro nega e se atrapalha ao falar da conversa que teve com representante da Taurus antes de propor a legislação para a posse de armas. O encontro se deu fora da agenda oficial, e Moro, ao final, alegou que a garantia de sua “privacidade” permitia que se recusasse a comentar sobre o teor da conversa secreta. Moro cada vez mais escorregadio e fora de seu elemento (o autismo magistral).

Cobra-se na imprensa a liderança de Bolsonaro no caso Bebianno, e na real na condução de seu governo. Foi chamado de “banana”.

15 de fevereiro

Continua a novela do clã Bolsonaro contra o resto do mundo. A imprensa parece que dá um aperto nos filhos, mas poupa o pai. O consórcio do poder decidiu também manter Bebianno, talvez por medo de arriscar a relação com o Congresso e o próprio PSL. A Bolsa deu alta depois do anúncio das idades mínimas do novo plano da Previdência, mas Mourão e os militares tiveram que intervir na situação política, pois, se Bebianno “sair atirando” como prometeu, todo o edifício do governo pode vir abaixo.

Um segurança de supermercado asfixiou um jovem negro até a morte.

O reitor da Universidade Federal Fluminense criou uma Assessoria ao Gabinete do Reitor, composto de representantes das Forças Armadas.

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