As revoluções de Mário Pedrosa

Ele dedicou seis décadas de vida às lutas de esquerda. Impulsionou a arte de vanguarda no Brasil. E difundiu novos debates (e embates) políticos. Obra analisa sua trajetória, do PCB ao trotskismo, do voto em Jânio ao PT. Sorteamos 3 exemplares

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O trânsito entre mundos foi característica da vida de Mário Pedrosa. Por décadas, sua presença foi indispensável tanto nas vernissages das altas esferas artísticas quanto em reuniões sindicais de humildes operários. Sua fusão de engajamento artístico com militância política, até aqui, não foi observada uniformemente – como aponta um estudioso, a trajetória de Mário na política é sempre resumida em ”poucos parágrafos”.

O livro Pas de politique, Mariô! – Mário Pedrosa e a política veio para suprir a lacuna de uma obra que se dedicasse ao aspecto político da biografia do crítico de arte nascido em Pernambuco, famoso pelo apoio decisivo que ofereceu à arte moderna brasileira em seu período de afirmação contra as correntes artísticas mais conservadoras. 

Seu autor, Dainis Karepovs, é um pesquisador dedicado ao estudo de diversos processos históricos em que Pedrosa teve grande envolvimento: em Na contracorrente da história (Brasiliense, 1987) apresenta os principais documentos da Liga Comunista Internacionalista, fundada pelo crítico. Luta subterrânea, publicado pela Hucitec em 2003, reconstrói a cisão de 1937 do PCB, que desaguou na passagem de Hermínio Sacchetta ao campo trotskista com apoio de Pedrosa. Seus trabalhos, em geral, se debruçam sobre a história do movimento operário brasileiro nos anos 20 e 30, com atenção especial para o papel do trotskismo.

Filho de um importante senador e ministro paraibano do TCU na República Velha, Mário Pedrosa  sempre circulou com habilidade nos salões da alta burguesia. Não haveria Museu de Arte Moderna (MAM-SP) ou Bienal de São Paulo sem sua ação – combinada, claro, com o investimento de grandes empresários. Suas relações nesse meio sem dúvida favoreceram sua prestigiosa carreira de crítico: exerceu a função no Correio da Manhã, n’O Estado de São Paulo, na Tribuna da Imprensa de Carlos Lacerda, no Jornal do Brasil e, no fim da vida, na Folha de São Paulo.

Em suas colunas nesses veículos, estimulou sempre o alargamento das fronteiras da arte. Exemplos de suas intervenções em favor da inovação artística são a atenção que concedeu à produção artística dos pacientes de Nise da Silveira e sua defesa apaixonada do movimento neoconcretista. Sua estreia na carreira de crítico, com uma palestra sobre o trabalho da gravurista expressionista alemã Käthe Kollwitz, aconteceu em 1933 no Clube dos Artistas Modernos (CAM), iniciativa de Flávio de Carvalho e outros modernistas paulistas.

Mas além disso, esse pernambucano da pequena Timbaúba – onde só passou a infância, tendo sido um habitante das metrópoles pelo resto da vida – foi também um dos pioneiros a reforçar o Partido Comunista do Brasil ainda em sua primeira década, quando a organização contava com poucas centenas de militantes espalhados pelo país. O livro de Karepovs reproduz trechos de cartas de Mário para seu colega Lívio Xavier, onde o então estudante de Direito conta de sua aproximação com o marxismo por meio do professor Edgardo de Castro Rebello e assinala, obliquamente, seu ingresso no Partido.

Outras Palavras sorteará três exemplares de Pas de politique, Mariô! – Mário Pedrosa e a política, de Dainis Karepovs, entre os apoiadores do nosso jornalismo. O formulário de participação será enviado por e-mail e as inscrições serão aceitas até a próxima quinta-feira, 11/5, às 14h. Aberto para os membros do Outros Quinhentos.

Foi no cumprimento de uma tarefa partidária que Pedrosa se viu na reviravolta política que definiu os rumos de toda sua trajetória posterior. Incumbido de representar os comunistas brasileiros na Escola Leninista em Moscou, munido de carta de recomendação assinada por Astrojildo Pereira, ficou doente no meio da viagem e realizou uma parada em Berlim. Na capital alemã, tomou conhecimento do acirramento das divergências no seio da Internacional Comunista, encabeçadas por Stálin e Trótski, e seu encaminhamento para uma divisão no movimento revolucionário. 

Ali, decidiu romper com a orientação política promovida pela liderança da União Soviética e adotar as teses da chamada Oposição de Esquerda, somando-se a seus esforços de construção de seções nacionais ao redor do mundo. Seu biógrafo aponta que, pelo papel fundante que cumpriu na organização do trotskismo brasileiro, Mário seria associado a essa corrente até o fim da vida tanto por seus apoiadores quanto por críticos, mas que suas ligações orgânicas a ela só se estendem até 1940.

Dois anos depois da viagem a Berlim, de volta ao Brasil, deu início à estruturação de um núcleo trotskista inicial. Em 1930, publicou junto de Lívio Xavier o “Esboço de uma análise da situação econômica e social do Brasil”, ensaio lançado originalmente no jornal A Luta de Classe. Nele, os dois amigos de faculdade e aliados políticos de toda uma vida propuseram uma das primeiras análises com viés marxista da realidade nacional, estimulando a compreensão científica de nossa formação histórica.

Capa do jornal A Luta de Classe, órgão do partido de Mário.

Durante toda a década de 30, Mário esteve à frente dos diminutos partidos políticos impulsionados pelo trotskismo – participando de algumas ações notórias, como a revoada dos galinhas verdes – e chegou à direção da IV Internacional como representante da América Latina. 

Com a aproximação da guerra, essa direção se fraturou face a uma polêmica tática: seria necessário defender a URSS no conflito mundial? Mário acompanhou a posição defendida por americanos como Max Shachtman, de que não haveria nada que defender na União Soviética – e, por isso, se afastou de Trótski, que propunha no mínimo a defesa das conquistas do estado operário contra o nazismo.

A partir daí, Pedrosa trilhou a trajetória política de uma espécie de socialista independente, se referenciando em teorias de Rosa Luxemburgo mas propondo um caminho original, ainda por construir. Como relembra Paul Singer, seu jornal Vanguarda Socialista foi um farol para militantes que buscavam firmar um polo político de esquerda que não fosse orientado nem pelo trabalhismo de Vargas e nem pelo marxismo-leninismo do Partido Comunista. Em suas páginas, muitos ativistas tiveram contato com as teses luxemburguistas e outras ideias de circulação até então reduzida no Brasil.

Número 50 do jornal Vanguarda Socialista, dirigido por Mário Pedrosa.

Nessa convicção de total independência, Pedrosa tomou também algumas decisões controversas. Em um texto que rememora sua amizade de décadas com o crítico de arte, Antonio Candido diz: “creio que àquela altura ele estava confiando demais nos liberais”. A bem da verdade, Mário fez campanha para os mesmos candidatos que a UDN em todas as eleições presidenciais do ciclo 1945-1964: votou no Brigadeiro contra Dutra em 1945 e contra Vargas em 1950, em Juarez Távora contra JK em 1955 e em Jânio contra Lott em 1960. Chegou ao ponto de assumir cargo no governo Jânio, tornando-se o primeiro presidente do Conselho Federal de Cultura. Sempre justificou essas posições com o argumento do combate ao “populismo” e ao “stalinismo”. Quem sabe não estava muito influenciado pelas ideias dos donos dos jornais onde trabalhava?

Com o advento da ditadura militar, foi candidato a deputado pelo MDB e depois partiu para o exílio no Chile e na França. Em terras chilenas, como conta Valério Arcary, foi instrumental para o surgimento do grupo Ponto de Partida, antecessor da trotskista Convergência Socialista. Também organizou o Museu de Solidariedade, iniciativa artística e política inaugurada com a presença (e um discurso parabenizando Pedrosa) de Salvador Allende. Ao retornar para o Brasil, participou das movimentações de fundação do Partido dos Trabalhadores, foi convidado a assinar a ficha de filiação nº 1 do PT e faleceu pouco tempo depois.

Aos 80 anos, Mário Pedrosa assina a ficha de filiação nº 1 do PT.

Neste mês de abril, completam-se 123 anos  do nascimento de Mário Pedrosa. Nascido em 25 de abril de 1900, ele foi um dos personagens mais marcantes da história do Brasil no século XX, em especial por protagonizar importantes momentos de diferentes esferas da vida nacional. A biografia escrita por Dainis Karepovs traz uma contribuição imprescindível para tornar mais nítido o aspecto político de sua trajetória.


Sortearemos 3 exemplares de Pas de politique, Mariô! – Mário Pedrosa e a política, de Dainis Karepovs, entre os apoiadores do nosso jornalismo.

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