Coronavírus: cresce expectativa sobre tratamento
EUA se preparam para aprovar primeiro medicamento após resultados promissores, mas há ressalvas
Publicado 30/04/2020 às 08:41 - Atualizado 04/05/2020 às 08:01
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A divulgação dos resultados do medicamento remdesivir contra o novo coronavírus veio cheia de spoilers, mas nenhuma certeza. Primeiro, um hospital de Chicago anunciou que, ao usá-lo em pouco mais de uma centena de pacientes graves, tinha conseguido salvar quase todos. Dias depois, vazaram alguns dados do primeiro ensaio clínico randomizado mostrando um desempenho frustrante: a droga não havia melhorado as condições de saúde nem reduzido a carga viral dos pacientes. Agora, de ontem para hoje, sites do mundo inteiro publicaram uma enxurrada de manchetes falando tanto em “esperança” como em ausência de benefícios. Isso porque ao mesmo tempo foram anunciados resultados de três pesquisas sobre o medicamento – e um é bem diferente do outro.
Os mais aguardados eram os resultados preliminares do maior estudo realizado até o momento. Financiado pelo Instituto Nacional de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA (NIAID, na sigla em inglês), ele acompanhou 1.063 pacientes em 22 países. É dela que partem as mensagens esperançosas. A taxa de mortalidade no grupo que recebeu o remdesivir foi de 8%, só um pouco menor do que no grupo que recebeu placebo (11,6%). Já a diferença no tempo de recuperação dos pacientes foi bem expressiva: 31%. Pessoas que tomaram a droga tiveram alta em média quatro dias mais cedo, o que pode ser importantíssimo num cenário de falta de leitos.
Anthony Fauci, diretor do NIAID, ficou otimista: “O que este teste provou é que um medicamento pode bloquear o vírus”, disse ele, que ficou conhecido por se opor a Donald Trump. O médico afirmou que a situação o faz lembrar de quando saíram os primeiros resultados preliminares sobre o uso de terapia antirretroviral para HIV/Aids. Na época, houve apenas melhoras modestas, mas dela partiram pesquisas que levaram a terapias eficazes. De acordo com ele, o remdesivir pode se tornar um tratamento padrão para a covid-19; a FDA (agência reguladora de medicamentos dos EUA) deve autorizar seu uso emergencial.
Porém, ao mesmo tempo, um novo artigo publicado no Lancet analisa os efeitos do remédio em pacientes de Wuhan. Foi este o estudo que vazou na semana anterior, e ele mostra que, embora o uso do remédio seja seguro, não houve aceleração significativa da recuperação nem redução das mortes. Cerca de 14% das pessoas no grupo de tratamento com remdesivir morreram após 28 dias, em comparação com 13% no grupo que não recebeu o tratamento. Mas há uma diferença gigante de escala entre a pesquisa do NIAID e esta, que envolveu apenas 237 pacientes adultos em estado grave, e todos em Wuhan. Por outro lado, para este estudo já há o artigo completo, que passou por um mês de revisão antes de ser publicado. No caso do NIAID, a pesquisa ainda não foi revisada por pares e os resultados finais só devem ser conhecidos em maio.
Tem ainda o terceiro estudo, o único que não teve um grupo controle recebendo placebo. Veio da Gilead, farmacêutica que produz o remdesivir, e diz respeito à duração do tratamento; não foram encontradas diferenças relevantes ao administrá-lo por cinco ou dez dias.
Representantes da OMS ainda não quiseram julgar nenhum dos resultados. “Normalmente, não há um estudo que venha a ser um divisor de águas. Depois de analisar todos os estudos e julgá-los coletivamente, podemos chegar a algum tipo de conclusão”, disse Maria Van Kerkhove, líder técnica da OMS para a crise da covid-19. O diretor-executivo de emergências em saúde da Organização, Mike Ryan, disse que ainda não havia lido o estudo completo mas “esperava fervorosamente” que algum dos remédios em fase de testes ajudasse a melhorar o estado clínico dos pacientes.