Gestão privada na Saúde: a eficiência não chegou

Estudo avaliou quatro capitais e demonstrou que prefeituras gerem melhor os serviços do que Organizações Sociais. Leia também: falta de medicamentos no SUS põe em risco milhares de pessoas que fizeram transplante de órgãos; Monsanto investigou ilegalmente 200 franceses

Foto: Rovena Rosa /Agência Brasil
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Por Raquel Torres

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OSS: EFICIÊNCIA NÃO CHEGOU

Na região Sudeste, as capitais onde as prefeituras administram diretamente a atenção básica têm melhores resultados do que aquelas onde impera a gestão por Organizações Sociais. A conclusão é de um estudo publicado no mês passado no periódico Cadernos de Saúde Pública e que no fim de semana foi pauta de matéria do UOL. Na capital paulista, há hoje 17 OSs gerenciando 273 unidades básicas, ou 62% do total; no Rio, são quatro organizações responsáveis por 193 unidades, o que significa nada menos que 98% do total. Já em Vitória e em Belo Horizonte, a gestão é 100% pública. E, segundo a pesquisa, o desempenho nestas últimas foi 61% melhor que nas primeiras entre 2009 e 2014.

Os pesquisadores analisaram 13 indicadores e apenas em três o Rio e São Paulo se saíram melhor. Em dois, houve empate. Nos demais, as capitais de Minas e Espírito Santo têm melhores resultados. Por exemplo, a cobertura da população é de 100% em Vitória e 94% em BH, enquanto no Rio só chega a 50% e, em São Paulo, é de 27%.

E, embora a principal justificativa orçamentária para implantar OSs seja conseguir contratar pessoal sem estourar a lei de responsabilidade fiscal, o estudo mostrou que as quatro capitais têm gastos similares com isso,  e são inferiores ao teto. Pela Lei, só podem gastar com recursos humanos até 54% do que arrecadam.  Em 2014, o Rio gastou 44,3% e São Paulo gastou 35%; já BH ficou em 42,3% e Vitória em 42%. Em 2015, o Rio extrapolou o limite imposto pela lei.

Em tempo: o Le Monde publicou artigo de Arlene Laurenti e German Gregório Monterrosa Ayala  sobre a privatização na saúde. “Sugerir que os problemas da saúde pública surgem em decorrência da gestão, apontando tão somente para a inovação no modo de gestão como solução, revela uma tendência em justificar sua ‘ineficiência’ em virtude de dificuldades meramente gestacionais ao tempo em que ignora a decisão política de inviabilizar a saúde pública gerida e operacionalizada pelo Estado”, escrevem. 

DOIS ANOS DE CRISE

A crise na distribuição de remédios pelo SUS faz mulitas vítimas, e as principais são pessoas que passaram por transplantes de órgãos. Segundo a Associação Brasileira del Transplantados, são 90 mil pessoas que, sem os medicamentos, correm sérios riscos. E, na matéria do Globo, o presidente da entidade afirma que tudo começou em 2017, com Ricardo Barros à frente do Ministério da Saúde. “Naquele momento político, de contingenciamento, o ministro resolveu mudar o sistema de compra. Com isso, começou um momento muito dramático para os transplantados. Atualmente, todo mês falta remédio para este público. As pessoas vivem uma peregrinação para conseguir. As filas nos centros de dispensação são imensas”, diz ele. 

Só em São Paulo há 30 mil enxertos de coração, rim e fígado ameaçados, e no último ano 141 pacientes tiveram rejeição aguda ao órgão recebido por conta da falta crônica de medicamentos. Uma ação do MPF alerta para o “risco catastrófico de morte para milhares de pacientes” e afirma que a crise pode gerar a paralisação dos transplantes.

INDO PARA O LADO ERRADO

Em entrevista à Rádio Bandeirantes, Jair Bolsonaro falou ontem sobre Imposto de Renda. Ele disse que orientou Paulo Guedes a corrigir a tabela do IR “no mínimo” com a inflação. Mas não só: o presidente quer aumentar o desconto com educação e saúde. As deduções já chegam a quase R$ 20 bi por ano e são alvo de um plano do próprio governo para cortar renúncias fiscais, como já mostramos aqui.

Na mesma ocasião, ele fez a nada surpreendente revelação de que pretende indicar Sérgio Moro para a próxima vaga que abrir no STF.

“É ÓBVIO QUE EU QUERO”

E, falando em Moro… Sua ideia diminuir impostos dos cigarros segue em discussão. Edson Vismona, presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial e atuante no combate a contrabando desses produtos, conversou com o El País. Ao contrário de pesquisadores da saúde, gosta da ideia de Moro: “Queremos que aumente o consumo do cigarro legal. Aí você pergunta: você quer tomar o mercado do contrabandista? É óbvio que eu quero. É uma necessidade absoluta. Não podemos deixar que as marcas líderes brasileiras sejam as contrabandeadas”, disse o advogado, afirmando que o consumo total não vai crescer. 

Já Drauzio Varella se posiciona, mais uma vez, contra a ideia, em artigo na Folha: “A redução de tributos pretendida é uma estratégia vil, destinada a aumentar o número de fumantes pobres, justamente os que serão atendidos pelo SUS. Um mínimo de vergonha na cara evitaria a desculpa dos malefícios dos cigarros paraguaios. Quer dizer que os fumantes de cigarros brasileiros só terão ataques cardíacos, derrames cerebrais e cânceres de alta qualidade?”

NA COMUNICAÇÃO

Varella é o entrevistado do mês na revista Pesquisa Fapesp. Fala de sua trajetória, de pesquisas com plantas na Amazônia, da experiência com Aids, das palestras no Carandiru, faz avaliações sobre o SUS. Elogiado em alguns ambientes e criticado em outros, uma coisa é certa: o médico é bom usar meios de comunicação pra atingir seus diferentes públicos. Esse é um dos pontos da conversa, e a coisa começou depois de uma entrevista à Jovem Pansobre Aids. “Gosto muito de fazer esses trabalhos pela internet porque atingem um público inatingível de outro modo. Outro dia estava com minha mulher em um cinema e havia umas crianças por ali. De repente, uma menina colocou o celular na minha cara com uma fotografia: ‘Você é esse aqui?’. Sou, respondi. ‘A gente pode tirar uma fotografia com você?’ São crianças, entre 12 e 13 anos, com quem eu consigo falar pela internet, mas não pela televisão”, conta.

MAIS UM GURU ABUSADOR

O centro terapêutico do brasileiro Deva Nishok cobra milhares de reais por cursos relacionados à filosofia tântrica. Sob a cortina do respeito ao ‘sagrado feminino’, o guru é investigado pelo MPF por abuso sexual; e, seu centro, por exploração do trabalho. Depois que o caso foi revelado pela Folha, em março, Bruna de Lara, do Intercept, ouviu ex-funcionários e voluntários. “Aquilo ali de sagrado não tem nada“, lhe disse um deles.

BALBÚRDIA

Projetos desenvolvidos em universidades federais foram foco de matéria do GloboMuitos na saúde, como a pesquisa de tratamentos para crianças com microcefalia e para tuberculose, um instrumento para ajudar na cicatrização de pés diabéticos, um censor para diagnosticar a doença de Alzheimer e monitoramento de bacias hidrográficas. 

Ao mesmo tempo, o jornal publicou esta matéria (que não é assinada por jornalista nenhum) defendendo que a fala chocolatuda do ministro Abraham Weintraub sobre o contingenciamento estava, na verdade, correta. É que os 30% cortados não são sobre as despesas totais das universidades, apenas sobre as discricionárias, ou não obrigatórias. Salários de servidores e pagamentos de aposentados não entram na conta (porque justamente são obrigatórios e não podem ser cortados). Então 30% dos gastos não obrigatórios significam 3,5% das despesas totais. Mas o que afinal está incluído nos discricionários? Contas de luz e água, pagamento de terceirizados e investimentos. Incluindo pesquisa. É isso (tudo) que vai ter que funcionar com 30% a menos de verba.

Já a Folha está com uma campanha estranha, para dizer o mínimo. “Presenciou degradação ou manifestação [em universidades públicas]? Envie relato ou foto”, pede aos internautas. 

MENOS MÉDICOS

 A Veja desta semana tem matéria sobre a falta que os médicos cubanos fazem, apesar do que chama de “conexões ideológicas” do Mais Médicos (‘ideológica’ é uma palavra repetida algumas vezes no texto). “O governo de Bolsonaro tinha todo o direito de modificar o programa, escolher outro parceiro internacional ou adotar qualquer medida de seu agrado, desde que não produzisse males tão evidentes para tantos cidadãos pobres e humildes como os que ilustram as páginas desta reportagem”, escreve a repórter  Adriana Dias Lopes, que foi a diferentes cidades. 

A BAYER PEDE PERDÃO

A farmacêutica alemã, que comprou a Monsanto, pediu desculpas ontem porque a gigante do agronegócio investigou ilegalmente 200 políticos, jornalistas e cientistas franceses para conhecer suas posições em relação ao glifosato. Além de dados sobre as opiniões, a Monsanto elaborou informes sobre até que ponto os espionados eram influenciáveis e recolheu dados como endereços e números de telefone. O caso veio à tona após a publicação de um reportagem no Le Monde na quinta-feira. 

NO FORNO

Uma vacina contra chikungunya já está passando por testes com humanos. Desenvolvida por pesquisadores da Universidade de Oxford, no Reino Unido, ela está sendo avaliada em 24 voluntários naquele país e no ano que vem vai ser testada com entre 120 e 150 pessoas no México. Nessa etapa, também vai ser avaliada a possibilidade de ter uma vacina combinada contra chikungunya e zika. 

RACIONAMENTO

Cuba planeja racionar a venda de produtos básicos como ovos, frango, óleo de cozinha e sabão. O motivo é o endurecimento do embargo comercial dos EUA, mas economistas apontam também a redução do petróleo subsidiado pela  Venezuela.

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