Cirurgia à luz de velas

Levantamento em 506 hospitais descobre desde UTIs sem monitor cardíaco a centros cirúrgicos sem gerador. Leia também: intoxicações por agrotóxicos dobram em uma década; cortes do governo podem crescer; e muito mais

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Por Maíra Mathias e Raquel Torres

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CIRURGIA À LUZ DE VELAS

Cenas de superlotação em hospitais e relatos do abandono são comuns no nosso imaginário, mas um estudo do Conselho Federal de Medicina mostra condições que ainda assim surpreendem. Após visitar 506 hospitais públicos em todas as regiões, foram encontrados até salas cirúrgicas sem gerador de energia. E não são poucas: 33% do total. “Há relatos de improvisos: médicos operando com lanterna e à luz de velas”, diz Emmanuel Fortes, responsável pela pesquisa e vice-presidente do CFM, na matéria de Wanderley Preite Sobrinho no UOL. 

O levantamento mostrou que 53% das unidades de internação estão superlotadas, 21% dos leitos não têm grade de proteção, 26% não têm biombos nem cortinas para separá-los e em 63% deles não há nem lençóis. Em 3% das salas cirúrgicas não havia onde lavar a mão. A situação das UTIs é a seguinte: falta monitor cardíaco em 41%, falta equipamento para transportar pacientes para fazer exames em 54%, 35% delas não fazem ressonância magnética e 21% das macas não têm suporte para oxigênio. 

Tanto Fortes como o Ministério da Saúde responsabilizam a má gestão pelos problemas, mas, ao menos na reportagem, não se especifica se foram observadas condições diferentes em distintos modelos de gestão. 

FESTIVAL DE VENENO

Em dez anos, 115 mil pessoas foram vítimas de intoxicação por agrotóxicos no Brasil. O levantamentofeito pelo jornal O Globo mostra que entre 2009 e 2018, o número de notificações dobrou, passando de sete mil para 14,6 mil. A reportagem destaca que desde o início do ano, o governo federal já aprovou 124 novos agrotóxicos, quase um por dia. “O país está com a porteira aberta, vivendo uma crise sanitária. Estamos comendo veneno”, resume André Burigo, pesquisador da Fiocruz e membro da Associação Brasileira de Saúde Coletiva, a Abrasco.

O ataque vem de todos os lados, prejudicando também as alternativas ao modelo de produção baseado em monocultura e agrotóxicos. É que na terça-feira, Jair Bolsonaro assinou um novo decreto (9.784) relacionado ao controle social. Desta vez, ele extinguiu 53 colegiados. Dentre eles, a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e a Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica.

Este ano a Anvisa encerrou sua reavaliação de risco sobre o glifosato, que vinha acontecendo desde 2009. Concluiu que ele deve seguir liberado. Na terça, uma audiência pública na Câmara reacendeu esse debate. Chamada a falar, a agência reafirmou que o glifosato não causa câncer e quer manter o registro. Houve questionamentos sobre o fato de que a análise é feita com a substância isolada, enquanto no campo ela é usada misturada com outras, e o efeito pode ser diferente. “De fato essa reavaliação que a gente faz, ela não considera esse tipo de exposição ainda, mas não é só a Anvisa, todas as agências ainda estão caminhando no sentido de entender como é que esses agrotóxicos quando utilizados conjuntamente podem causar algum dano”, reconheceu o seu representante, Daniel Coradi. 

Enquanto isso, nos EUA, a Califórnia decidiu banir o clorpirifós, por ligação com problemas de desenvolvimento em crianças.  O inseticida é largamente usado em plantações de batata, café, frutas cítricas, milho e outras, mas tem sido proibido em diversos lugares e a Justiça dos EUA definiu, ainda no ano passado, que ele deveria ser banido pela Agência de Proteção Ambiental.

Mas a expectativa em relação à proibição de outro veneno, a sulfluramida, agrotóxico usado no controle de formigas cortadeiras, foi frustrada. A 9ª Conferência das Partes da Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes aprovou no dia 3 de maio a continuidade da sua utilização na agricultura. Os países também não estabeleceram prazos limites para seu uso. Quando se degrada no solo, a sulfluramida transforma-se em PFOS, uma substância tóxica bioacumulativa que pode persistir no meio ambiente por centenas de anos, contaminando água e solo e alimentos.

PROBLEMAS À VISTA

O governo vai precisar rever a projeção de crescimento para 2019. De novo. Nos bastidores, se diz que o número deve passar de 2,2% do PIB para 1,5%. É uma bola de neve porque afeta a expectativa de arrecadação e leva a mais contingenciamentos no orçamento federal. “Algumas despesas que eram vistas como intocáveis provavelmente terão que ser contingenciadas”. A frase é de uma fonte do governo e foi dita em off ao Valor. O secretário especial de Fazenda confirmou ao jornal que o governo deve anunciar novo bloqueio no dia 22 de maio.  Os efeitos do primeiro contingenciamento, de quase R$ 30 bilhões, estão começando a aparecer agora na educação e na pesquisa.

AINDA SOBRE A CRISE NA EDUCAÇÃO

E ontem, o ministro Abraham Weintraub foi o convidado principal da transmissão ao vivo via Facebook, feita todas as quintas por Bolsonaro. Foi chamado a explicar o contingenciamento nas universidades federais. Dispôs cem chocolates sobre a mesa para tal. E errou a conta, provavelmente de propósito. “A gente tá pedindo, simplesmente, que três chocolatinhos e meio, desses cem chocolates… A gente não tá falando pra pessoa que a gente vai cortar, não tá cortado, deixa pra comer depois de setembro, é só isso que a gente tá pedindo, isso é segurar um pouco”, afirmou. Só que para representar o contingenciamento de 30% o ministro teria que usar 30 unidades… Enquanto o correligionário articulava tais argumentos, Bolsonaro comia chocolate.

A Capesanunciou ontem que vai desbloquear 1.315 bolsas em programas com as maiores pontuações em todo o país. Mas 3.474 permanecem fora do sistema, o equivalente a 4% do total de bolsas vigentes na pesquisa financiadas pelo MEC. O contingenciamento chegou a 19% do orçamento da Capes, ou R$ 819 milhões a menos. A maior tesourada é justamente nas bolsas de pesquisa no ensino superior, de R$ 588 milhões (22%).

DECRETO DEVE SER REVISTO 

Rodrigo Maia disse ontem que o decreto que liberou o porte de armas para virtualmente 19 milhões de pessoas pode ser sustado pelos deputados por ter “algumas inconstitucionalidades”. O presidente da Câmara afirmou que a intenção é dialogar com o governo, mas se Bolsonaro não quiser fazer mudanças por conta própria, Maia disse que a Casa “vai votar um dois oito ou nove projetos de decreto legislativo” que sustam o decreto presidencial.

Imediatamente, ele se tornou alvo de um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para quem o presidente da Câmara não teve o mesmo “apetite” para atuar em outros assuntos que entram em competências do Legislativo. E deu o exemplo da suposta interferência do Judiciário em relação ao aborto. Ele também criticou o que chama de “acadelamento” da sociedade, que é basicamente esperar que as instituições funcionem. “Não é papel da polícia defender sua casa quando o bandido entrar lá. Ela vai se esforçar ao máximo, mas quanto tempo vai demorar? Então, quando alguém entra na sua casa, o primeiro responsável pelo combate é você.”

Aliás, esse argumento da defesa do “cidadão de bem” contra os “bandidos” não encontra eco nas estatísticas de homicídios. “Normalmente os criminosos profissionais matam colegas, e os homens de bem matam outros como eles. Por exemplo: um traficante mata outro e um indivíduo honesto mata alguém como ele numa briga de trânsito, bar, etc.”, escreveu na Época o investigador da Polícia Civil Guaracy Mingardi. Segundo o Anuário Estatístico do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apenas 4,6% dos mais de 50,3 mil assassinatos registrados em 2017 foram de vítimas de latrocínio, quando o roubo é seguido de morte. E estar armado (tampouco ser treinado) não são sinônimos de segurança, lembra Mingardi, já que no mesmo ano foram assassinados 216 policiais. Quando uma pessoa armada reage a um assalto, o mais comum é que a sua arma seja roubada também. “Para quem não sabe, é bom informar que apenas uma pequena porcentagem de pessoas mortas no país foi vítima de uma arma de grosso calibre, que não pode ser vendida para cidadãos comuns. A arma mais letal ainda é o revolver .38. Aquele que muita gente tem guardado no armário desde sempre. E que um dia é vendido para quem não deve ou é roubado. E é esse “três oitão” e a pistola 380 que são usados na maioria dos roubos.”

Em tempo: o porta-voz da Presidência, Otávio Rêgo Barros, afirmou que Bolsonaro não pretendefazer por conta própria nenhuma modificação no decreto.

PEDIDO AO STF

Este mês devem ser julgadas no STF três ações sobre o fornecimento de tratamentos médicos que vão ter repercussão geral, ou seja, os julgamentos vão definir parâmetros que enquadrem as instâncias inferiores. Ontem, governadores de 11 estados foram ao presidente do Supremo, Dias Toffoli, defender que as decisões aliviem seus cofres. Reclamaram que o ônus têm recaído sobre eles, já que em geral as ações são ajuizadas nos judiciários estaduais. Antonio Denarium, de Roraima (PSL), chegou a dizer que “estão saqueando o dinheiro público com quadrilha organizada da judicialização da saúde”. 

NÃO FORAM 80

Um tiro já seria muito, 80 causaram imensa revolta e, ontem, foi revelado um laudo que mostrou uma verdade ainda mais cruel: foram 200 os tiros disparados por militares contra o carro em que o músico Evaldo Rosa dos Santos estava com sua família no dia 7 de abril, no Rio. O veículo foi atingido por 83 dos disparos e, além de Evaldo, o catador de papel Luciano Macedo também morreu, dias depois.  O documento, produzido ainda no dia 11 de abril, foi apresentado pela ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, do Superior Tribunal Militar, em audiência para analisar pedidos de habeas corpus de nove militares presos apontados como responsáveis. Um único homem disparou 77 vezes; outro deu 55 tiros; outros três atiraram 20 vezes cada e um disparou 14 vezes. Os demais atiraram ‘pouco’: de uma a nove vezes cada. Evaldo levou nada menos que nove tiros, sendo três na cabeça; já Luciano foi alvejado três vezes – nas costas.

ANTIVACINAS

O Instagram anunciou que vai ter novas formas de cortar fake news sobre vacinação, embora ainda não esteja claro quais são. E, este mês, a capa da Galileu é sobre o movimento antivacinas. No mundo toto, 98% dos países registraram aumento nos casos do sarampo. Os três piores foram Ucrânia, Filipinas e Brasil

GRIPE

O Ministério da Saúde divulgou ontem que morreram 99 pessoas com gripe este ano, sendo que 90% tinham fatores de risco (eram idosos, indígenas, crianças, gestantes, puérperas ou pessoas com doença crônica). A campanha de vacinação vai até o dia 31.

SERÃO RECOLHIDOS

A Anvisa anunciou o recolhimento de 200 lotes de medicamentos contra hipertensão que possuem princípios ativos do tipo “sartanas”, como a losartana, valsartana e irbesartana. A agência detectou impurezas no princípio ativo dessa substância.

ERRAMOS

Ontem, dois leitores nos alertaram para dois erros. A doutoranda em Química que pesquisava tratamento para a leishmaniose e que precisou trancar a matrícula por falta de bolsa não é da Universidade Federal do Mato Grosso, mas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro. E na nota sobre a dengue, os números entre parênteses não se referiam ao total de casos, mas ao número de municípios atingidos em cada estado.

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