Vinte anos dos genéricos no Brasil

O país mais avançado da América Latina ainda enfrenta muitos problemas de acesso a medicamentos. Leia também: médicos contra os direitos da mulher no parto; o certo é tomar eletrochoque?; suicídios e psiquiatras

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20 ANOS DOS GENÉRICOS NO BRASIL

Ontem, a lei dos genéricos completou 20 anos no Brasil. Junto à Política Nacional de Medicamentos, ela tem sido importantíssima para aumentar a oferta e diminuir os custos – não só para quem chega no balcão da farmácia, mas também para o Estado, que economiza na compra para distribuição e ainda atua como produtor. Para avaliar os impactos da lei, o Outra Saúde conversou com Evangelina Martich, doutora em política social e coordenadora de projetos no Instituto de Saúde Global de Barcelona. Durante o mestrado, realizado na Fiocruz, Evangelina se debruçou sobre as leis de genéricos no Brasil e na Argentina. Na entrevista ela explica por que o Brasil se tornou o país mais avançado da América Latina nesse aspecto, mas fala também dos problemas de acesso a medicamentos.

PRESSÃO SOBRE O REVALIDA

Há um ano e meio, o MEC adia a divulgação das notas do Revalida, exame feito por médicos brasileiros e estrangeiros formados no exterior afim de conseguir autorização para atuar no Brasil. Segundo o repórter Wanderley Preite Sobrinho, do UOL, são 963 profissionais à espera do resultado. Se o número impressiona, o descaso com que o exame tem sido tratado consegue chocar mais. O Revalida 2017 começou na data prevista – 24 de setembro daquele ano – e só foi terminar mais de um ano depois, em novembro de 2018. No ínterim, o Inep, autarquia do MEC responsável pelo Revalida, adiou várias vezes as provas, além de atrasar também a data para interposição de recursos. O resultado deveria sair em 21 de janeiro, mas a divulgação foi adiada para hoje. A ver.

Talvez haja um ‘efeito Temer’ no caso. O problema não estaria na capacidade técnica do Inep, mas na renovada sintonia entre Executivo e entidades médicas. Fabiana Raslan, advogada que já defendeu centenas de médicos contra o Inep, afirma que os conselhos de medicina “não querem que médicos de fora concorram com quem se formou em território nacional”. Em comparação, todo o processo do Revalida 2016 ocorreu num tempo infinitamente menor: quatro meses.

NEGANDO LEIS E EVIDÊNCIAS

O Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro proibiu os profissionais do estado de aderirem ao plano de parto, ou a quaisquer documentos que “restrinjam a autonomia médica”. A decisão, publicada no Diário Oficial do Estado no dia 6 de fevereiro, revoltou defensores do parto humanizado.

O direito ao plano de parto é incentivado pela OMS e reconhecido por lei no Rio desde 2016. As próprias diretrizes do Ministério da Saúde sobre pré-natal e parto dizem que a equipe deve perguntar à gestante sobre seu plano de parto e lê-lo com ela. Não é algo que precise ser obrigatoriamente cumprido à risca pela equipe, mas a equipe deve discuti-lo com a gestante para conhecer os desejos e informar sobre limitações e impossibilidades.

O plano aumenta a autonomia da mulher sobre o parto e mostra que ela está minimamente informada sobre procedimentos nocivos e desnecessários. Um exemplo é a episiotomia, o corte entre a vagina e o ânus muito comum no Brasil, que não tem respaldo da mesma OMS e que comprovadamente não melhora os desfechos dos partos. Mas, para o Cremerj, a episiotomia é citada como procedimento “salvador” a ser decidido de forma unilateral pelo médico. Outro exemplo, também citado na resolução como algo que deve ficar a critério do profissional, é a manobra de Kristeller, quando o médico ou alguém da equipe empurra com força a parte superior do útero para agilizar a saída do bebê, método que também não tem respaldo da ciência e que foi proibido por uma lei estadual do Rio.

“Nunca mais os médicos do Rio serão coagidos e constrangidos a assinarem panfletos ideológicos e irresponsáveis”, comemorou no Facebook o conselheiro do Cremerj, Raphael Câmara. Ele foi ouvido por O Globo: “Não está sendo proibido nada que seja ponderado e responsável, que é a maioria das situações. Adotamos a resolução por causa de uma minoria que provoca muitos problemas nos plantões de maternidades públicas e privadas, colocando a saúde da mulher e da criança em risco, com planos propostos por pessoas leigas cheias de maluquices. Ativistas vêm denunciando direto na Justiça quando os médicos não assinam ou cumprem esses planos irresponsáveis, chamando isso de ‘violência obstétrica’”. E pela revista Crescer: “A não aceitação do médico em assinar este documento [plano de parto] pode causar inúmeros problemas para o profissional, inclusive sendo passível de ser denunciado por ‘violência obstétrica’, outro termo inventado para difamar médicos, dando a impressão que o que as gestantes sofrem é culpa dos obstetras, sendo estes tão vítimas do sistema quanto as grávidas”.

As opiniões falam por si. Nunca é demais lembrar que na festa de posse da nova diretoria do Cremerj, membros da entidade posaram com o senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) imitando armas com as mãos.

O EINSTEIN

“Desde o dia 27, o Albert Einstein passou a ocupar o centro do poder no Brasil.” Na Época dessa semana, o hospital privado ganhou um destaque e tanto. A revista entrelaça histórias envolvendo a internação de Jair Bolsonaro (a equipe do presidente exigiu uma TV de 42 polegadas em seu quarto; o pedido causou ‘estranhamento’: o hospital já dispõe de televisores de 49 polegadas em todos os quartos) com a movimentação política que o levou até lá. A parcela bolsonarista da comunidade judaica não queria que seu ídolo fosse parar nas dependências do Hospital Sírio Libanês, onde se trataram os ex-presidentes Lula e Dilma. No momento em que se soube do atentado a faca, diferentes apoiadores – como o empresário Fabio Wajngarten e o advogado Victor Metta – acionaram medalhões do corpo clínico do Einstein. Rumou-se para Juiz de Fora em jato particular. Diversas vezes, repete-se que a Santa Casa da cidade mineira não teria “qualidade” para cuidar de Bolsonaro. Tampouco um hospital militar, para onde o então candidato queria ser transferido. O engajamento foi tanto que Metta se ofereceu para pagar os custos da UTI aérea que transportaria o então candidato ao Einstein. “Mas, no fim, até onde sei, os gastos foram pagos pelo plano de saúde da Câmara”, diz o advogado. A revista ouve outras fontes, todas são só elogios ao hospital. Nenhuma menção ao fato de o Einstein, com suas TVs de 49 polegadas, não pagar impostos. No fim, tanto a Santa Casa, quanto o Einstein ficam devendo, literalmente, ao SUS.

E, segundo boletim do hospital divulgado ontem, Bolsonaro teve “melhora significativa” da pneumonia e os médicos reduziram a administração de nutrientes via soro.

INDULTO

O presidente assinou decreto que concede liberdade a presos portadores de doenças graves ou em estado terminal. O texto, que deve sair hoje no Diário Oficial, prevê indulto em casos de paraplegia, tetraplegia, cegueira e para portadores de doenças que imponham limitação de atividade e exijam cuidados contínuos, “impossíveis” de serem prestados no estabelecimento penal. Não têm direito condenados por corrupção, crimes hediondos, tortura, tráfico de drogas, assédio sexual, estupro de vulnerável, envolvimento em organizações criminosas, terrorismo, favorecimento de prostituição, dentre outros. A condição dos presos precisa ser comprovada por laudo médico oficial ou médico designado pelo juiz.

ELETROCHOQUE

Falamos por aqui na quarta passada sobre a nota técnica do Ministério da Saúde que ‘enterra’ a reforma psiquiátrica. Uma das partes que mais chama atenção do documento é o respaldo ao uso da eletroconvulsoterapia, o famigerado eletrochoque. A Folha explica que o procedimento é regulado desde 2002 pelo Conselho Federal de Medicina. Segundo o jornal, apesar do “preconceito” e do “estigma” em torno da técnica, “os aparelhos evoluíram nas últimas décadas e os cuidados para que o paciente não sinta dor ou desconforto também”. A longa matéria traz um quadro com prós e contras do uso da eletroconvulsoterapia. Alguns dos contras: muitos pacientes têm comprometimento da memória; a técnica pode ser usada como forma de ganhar dinheiro; planos de saúde gastam menos com poucas sessões de eletroconvulsoterapia do que com psicoterapia por um longo período. Apesar disso, estudos nacionais e internacionais apontam a eficácia no tratamento da esquizofrenia, depressão profunda e transtornos bipolares e pesquisadores da USP e da Unifesp se debruçam sobre esses efeitos “há anos”, diz a reportagem.

Na já longínqua quinta-feira, o Estadão ouviu o ministro Luiz Henrique Mandetta sobre a nota técnica. Na ocasião, ele disse desconhecer o texto e depois de ouvir as medidas ali elencadas, disparou: “Sem dúvida são polêmicas”.

UM PROBLEMA COMPLEXO

A reportagem de capa da Piauí de fevereiro fala sobre o suicídio de jovens no Brasil. São muitos os focos da matéria, mas um chama atenção nesses tempos de guinada na política de saúde mental brasileira. O juiz Régis Bonvicino perdeu a filha Bruna, que tinha 25 anos quando se matou. Na madrugada em que Bruna se jogou do 13º andar, a jovem tinha vivido um surto particularmente agressivo. Os pais sugeriram que Bruna ligasse para o psiquiatra que a atendia na época. O médico se recusou a atendê-la, alegando “não ser especialista em tratamento de famílias violentas”. A trajetória de Bruna com os “psiquiatras de impressora”, como os chamava, começou quando tinha 14 anos. “Há um despreparo e um descompromisso enormes desses profissionais do sistema privado, que, além de tudo, pouco conversam entre si”, constata o juiz Bonvicino.

Na mesma reportagem, a pesquisadora Margareth Arilha, que é psicóloga social e estuda o tema, afirma: “Precisamos impedir que a psiquiatria sequestre o suicídio”. Ela defende que o fenômeno atingiu proporções epidêmicas e demanda uma abordagem ampla, com atuação não só médica ou de profissionais da saúde, mas também de antropólogos, sociólogos, artistas e comunicadores. Já a Associação Brasileira de Psiquiatria, a ABP, que falou com a reportagem por e-mail, vai na direção oposta: “[o psiquiatra] é o profissional mais adequado para ajudar o paciente em emergências médicas desse tipo, junto de uma equipe multidisciplinar que inclui assistentes sociais, enfermeiros, psicólogos e demais profissionais da saúde”. Em 2016, 11.433 pessoas se mataram no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Houve um aumento de 2,3% em relação a 2015.

DR. GOOGLE

Enquanto isso, depressão e ansiedade são dois dos problemas mais pesquisados por brasileiros no Google, atrás de queixas como resfriado, alergia e tosse. O levantamento dá conta que 26% da população recorre primeiro ao buscador assim que se depara com um problema de saúde. O número já se aproxima da parcela que procura primeiro o médico (35%). Só no último ano, houve crescimento de 17,3% nesse tipo de pesquisa.

CONTRA-ATAQUE
O agronegócio do Ceará se movimenta contra a lei que proibiu a pulverização aérea de agrotóxicos no estado e foi sancionada em janeiro deste ano. Os empresários estudam entrar com uma ação no STF ou propor um projeto que revogue a lei, a primeira do gênero a ser aprovada no país.

PAREM AS MÁQUINAS

A Anvisa interditou na sexta-feira parte da linha de produção da Bahiafarma. A empresa está sendo investigada por suspeita de vender para o Ministério da Saúde testes sem qualidade para o diagnóstico da dengue, zika e chikungunya.

ARGENTINA NO CLUBE

O mais novo país a produzir maconha para uso medicinal é a Argentina. O governo da província de Jujuy conseguiu autorização nacional para importar sementes e iniciar testes, com respaldo na lei sobre o assunto aprovada pelo Congresso em 2017. Tudo será feito por meio de uma empresa pública especialmente criada para esse fim. O financiamento, contudo, vem de uma empresa privada chamada Green Leaf International.

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