Entrevista com Dilma: questões que Mônica Bergamo não fez

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Presidente parece continuar sem rumo claro na crise — mas segue muitos passos adiante da oposição conservadora

O cenário da política institucional brasileira segue tão indefinido, após os protestos de junho, que mesmo a excelente repórter Mônica Bergamo não foi capaz de obter grandes definições da presidente Dilma Roussef, a quem entrevistou por três horas, na semana passada. A entrevista completa pode ser lida livremente aqui. Eis algumas impressões:

1. De todos os governantes que se viram colhidos em meio a ondas de protesto, a presidente brasileira é, ainda, a que melhor parece dialogar com eles. Além disso, as saídas que ela enuncia são muito mais avançadas que as da oposição conservadora. Eis algumas de suas afirmações marcantes: a) “ninguém que conquista direitos quer voltar atrás” e o Brasil precisa ir além das políticas como o Bolsa-Família. É preciso “qualidade nos serviços públicos”; b) a reforma política e o plebiscito são importantes porque o Congresso Nacional não fará mudanças contra si mesmo; ao se manifestar, a sociedade pode construir “a baliza que daria legitimidade à reforma”; c) Dilma resiste à proposta populista  de corte de ministérios lembrando: ” Vão querer cortar os de Direitos Humanos, Igualdade Racial, Política para as Mulheres. São pastas sem a máquina de outros. Mas são fundamentais. Política de cotas, por exemplo: só fizemos porque tem gente que fica ali, ó, exigindo”.

2. Apesar deste discurso avançado, a presidente parece não saber como sanar uma contradição crucial: sua base no Congresso, e entre o empresariado, resiste ao passo adiante. Por isso, o governo se vê frequentemente preso em contradições. O PMDB, principal aliado do PT na base de sustentação ao governo, sabotou o plebiscito — somando-se ao PSDB, ao DEM e (supresa, para alguns…) à Rede, de Marina Silva. A TV Globo (e a maior parte do oligopólio da mídia) rejeita a democraticação das Comunicações — que permanece interrompida. O “Pacto da Mobilidade Urbana” está atolado no Congresso. O governo patina até mesmo em executar projetos antigos, como o Plano Nacional de Banda Larga.

Como Dilma imagina superar estas barreiras? Aqui está a maior lacuna na entrevista de Mônica Bergamo. Talvez a própria repórter não tenha identificado que o principal impasse da presidente está na contradição entre um discurso avançado e a hesitação em ir além de sua base conservadora.

3. Por não explorar este veio, a entrevista descamba, em muitos trechos, para a picuinha ou a fofoca. A repórter dispara perguntas relevantes, porém de maneira facilmente rebatível: “A senhora não é dura demais”? “O fato de usarem o Lula para criticá-la não a incomoda”? “Como a senhora vê um empresário como Emílio Odebrecht falar que quer que o Lula volte com Eduardo Campos de vice”? As respostas são fáceis e óbvias.

Acompanhar, com base nos fatos, a resposta da presidente Dilma ao impasse que coloca em xeque sua reeleição será um dos desafios jornalísticos mais importante no Brasil, nos próximos meses. Vamos encará-lo, em Outras Palavras.

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Um comentario para "Entrevista com Dilma: questões que Mônica Bergamo não fez"

  1. JORGE R S ALVES disse:

    Como dizia vovó: “falar é fácil, o dificil é fazer!”, e, considerando que as alterações no sistema politico-partidário brasileiro dependem daqueles que se beneficiam das atuais regras, as mudanças que estão sendo propostas ilimitam-se a alterações “cosméticas” que visam ajustar aspectos que não prejudicam os interesses constituidos nem, alteram a essência do sistema.
    Isto posto, e em considerando que seja utilizado o atual arcabouço “democrático”, nem o executivo nem o legislativo irão – seja por falta de interesse (implicam em perda de poder) ou impossibilidade real de aprovação (não há votos suficientes para aprovação por não haver convergência de interesses) – promover mudanças profundas no sistema de forma a que ele seja efetivamente representativo dos interesses da população.
    O que tanto o executivo como o legislativo – e mesmo alguns órgãos da sociedade civil – vêm colocando como objetivo da “reforma politica” são básicamente alterações com relação à forma e não ao conteudo efetivo das mudanças que deve haver.
    Sua (deles) preocupação não é criar instrumentos de representação da sociedade como um todo que obriguem cada poder a exercer estritamente suas funções, mas sim em fazer com que os eleitores aprovem ajustes dos mesmos de acordo com seus próprios projetos de poder.
    Apenas como exemplo, cito como um dos principais itens que deveriam ser objeto de mudança é a hoje existente e incentivada promiscuidade entre os poderes, de forma a permitir que o legislativo efetivamente legisle e dê os parametros politicos das ações do executivo de acordo com os diferentes grupos de interesse da sociedade, e o executivo administre a nação de acordo com tais definições.
    (A “necessidade” de ministérios “defendendo” os interesses de cada setor minoritário da sociedade são a prova viva de que o legislativo não exerce suas funções e que o executivo assume o seu papel como “fábrica legislativa” para atendê-los gerando ineficiência e desperdicio de recursos).
    A mudança no sistema politico-partidário não é tarefa do executivo mas sim do legislativo pelo que Dª. Dilma não tem como desembaraçar esse nó… e enquanto isso não ocorrer pobres de nós brasileiros!

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