Cultura, Política & Subversão – agora 2.0

Casas ForadoEixo: como zombar do capitalismo e corroê-lo por dentro, disseminando práticas e atitudes que propõem superar sua mediocridade

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Casas Fora do Eixo: como zombar do capitalismo e corroê-lo por dentro, disseminando práticas e atitudes que propõem superar sua mediocridade

Reportagem de Bruna Bernachio, colaboradora de Outras Palavras

Em 28 de fevereiro, Outras Palavras publicou um breve ensaio intitulado “E se o pós-capitalismo estiver começando”, e iniciou um estudo sobre a Rede Fora do Eixo (FdE). O texto a seguir é nossa primeira reportagem a respeito. Foca as dinâmicas vividas, num domingo, na casa que a rede abriu em São Paulo, em março de 2011, numa experiência piloto que já começou a se reproduzir pelo Brasil.

Fora do Eixo tornou-se um de nossos temas centrais porque aí se tramam algumas das linhas para a possível reconstrução das utopias e do pós-capitalismo. A articulação entre Cultura e (pós-)Política. Os novos espaços, ou Zonas de Ocupação, físicas e conceituais, tramadas pela juventude. As lógicas de produção e consumo que rejeitam os paradigmas ditados pelo mercado, e buscam se orientar por outros desejos. A utopia de superar a representação e construir o futuro coletivo não apenas a cada dois anos, pelo voto, mas todos os dias, numa infinidade de atitudes, conscientes e intransferíveis.

Bruna Bernachio, colaboradora de “Outras Palavras”, é a repórter que investiga por dentro este mundo – quase sempre ignorado pela mídia tradicional, e visto por muita gente como mito. Queremos fugir de ambas posturas. Para isso, vamos visitar os coletivos, estudar as relações que estabelecem com seu público e entre si mesmos, examinar como as ações da rede repercutem e geram consequências em diferentes partes do país. Ouviremos e daremos voz às críticas e restrições à rede. Nossa série prevê mais nove textos. É possível contribuir: para opiniões, debates e polêmicas, intervenha no próprio espaço de comentários de cada reportagem. Para sugerir pautas ou enfoques complementares, faça o mesmo ou, se preferir, escrevendo para a própria Bruna <mailto:[email protected]>. (A.M.)

Sobre o tema: leia nosso breve ensaio sobre o Fora do Eixo e aguarde, em breve, a segunda reportagem da série – sobre como se articulam, nacionalmente, os 107 coletivos da rede

I. “Conspiração Infinita”

Domingo, 24 de março, sete da noite. Na sala da equipe de música da Casa São Paulo, Pablo Capilé, um dos fundadores da Rede Fora do Eixo (FdE), agrupa de repente pessoas que não se conheciam – mas que, para ele, tinham algo a discutir naquele momento. Ao seleto círculo (que inclui, entre outros, os jornalistas Bruno Torturra  e  Alex Antunes), o espanhol Bernardo Gutiérrez narra sua experiência com o movimento 15-M, em Madri, e traz um projeto para ser concretizado em sua nova cidade: o Bloco Livre. A ideia é reunir, em 12 de maio, os paulistanos que se reconhecem em movimentos como os Indignados, o Occupy, a comuna da Praça Tahrir. Porém, fazê-lo à la Brasil, carnavalizando. Em menos de uma hora, os presentes expõem sugestões, questionamentos e uma próxima reunião é marcada. “Uma conspiração atrás da outra”, posta alguns minutos depois Capilé, em sua página no Facebook – onde registra de modo multimidiático, bem humorado (e incessante…) boa parte do que se passa na rede Fora do Eixo.

Ao lado de fora da morada, quintal cheio, pufes coloridos, rodas de conversas, show ao vivo, e cerveja à vontade (sim, à vontade!). Os portões de entrada do casarão, geralmente fechados a cadeado, haviam sido escancarados às duas da tarde, como toda semana. Desde então, não parava de chegar gente.

Música, bebes-e-comes, teatro, fumaça, conspirações com parceiros, encontros virtuais entre dezenas de coletivos, produção permanente (e “invisível”). Tudo isso compõe o cardápio dos Domingos na Casa. Era a 37º edição, sempre com a Casa São Paulo lotada, desde que dezesseis articuladores dos coletivos da Rede Fora do Eixo mudaram-se para um casarão-com-quintal (veja mapa e fachada) no Cambuci, um bairro com cara de cidade do interior bem no centro de São Paulo. Vinham de todas as regiões do Brasil. Queriam dar visibilidade e potência a uma rede que se dedica, simultaneamente, a produção cultural, reinvenção da política e construção de relações pós-capitalistas. Sabiam não corresponder aos padrões tradicionais de esquerda. Não parecem nada preocupados com isso.

II. A arte e seu público

Como em qualquer balada reconhecida, a fila se forma na porta e o visitante é movido a dar o seu contato. A diferença é que, antes mesmo da festa começar, as boas vindas são no maior clima mi casa, su casa. Além das atrações do dia – oficialmente, quatro por domingo, mas sempre cabe mais um –, o flyer, compartilhado nas redes sociais, diz: “Leve sua caneca”. Convida todos a colaborarem poupando copos de plástico. É verdade, e vem com algo a mais: a cerveja é de graça, e gelada! Na festa, paga quem pode e quer: o caixa é solidário e livre. “Quanto vale o show?”, pergunta o cartaz singelo que incentiva a contribuir.

Em cada um dos últimos domingos, foram arrecadados cerca de R$ 850, divididos entre todos os músicos. É pouco? Talvez. Essa é um dos grandes debates em torno do FdE, e que vai nos acompanhar ao longo das reportagens.

A casa é do jovem, não há dúvida. Quarentões são raríssimos, mas não por isso deixam de apreciar a música. Esta agrada a muitos gostos num mesmo dia, porém com alguma predominância estilística. Voz e violão acústicos, ou tambores secos, geralmente não aparecem (para compensar, o Fora do Eixo garantiu, em fevereiro, a bateria de samba do Bloco Unidos do Cambuci!). Guitarra, bateria e mixagem são mais presentes, ecoando produções autorais, que experimentam rock, pop, hip-hop e reggae. A mistura de influências e origens é tanta que dificulta a classificação. E nem cabe.

Som elétrico tônico, que se rebela e grita o tudo que a nova geração exterioriza.

Macaco Bong (MT) e Los Porongas (AC), veteranos no FdE. Saulo e a Unidade (RN). Daniel Peixoto (CE), figura transviada, de cabelos louros, regata branca e tatuagem de coração acorrentado no peito. Yarah Bravo (Suécia), rapper, voz aguda, sensual, de quepe e capa prateada, performance marcante e apaixonada. Caio Bosco (SP), diretamente do Guarujá. Black Drawing Chlaks (GO). Humanish (PR), Rapadura Xique Chico (CE), Camarones Orquestra Guitarrística (RN), Shakra Buracha (República Tcheca / Colômbia), Tulus (Argentina), Mamelungos (PE), Projeto Fuá (SP). Ufa! Esse é o quadro de atrações passadas, dostrês primeiros domingos deste ano. Sem contar os DJs, que variam toda a semana.

Heterogeneidade que se reflete no público. Talita Gargalis, 29 anos, professora de filosofia, ficou sabendo do evento porque mora perto. Procurou na internet e passou a freqüentar com estima. Explica: “A cada domingo, um público e um som diferente, tudo de qualidade, gente de tudo quanto é lugar… É uma troca que sempre acrescenta”. Sua amiga, Lauren Heell Martins, 23, estudante de moda, acrescenta: “E todo mundo se respeita. Ninguém fica se perguntando do que fulano gosta, o que fulano veste. Ficar assistindo Faustão… Não, né?”.

Ao soar do primeiro teste de som, a voz no microfone de um dos agentes FdE chama a entrar no chamado Pub, onde as bandas começarão a se apresentar. A pouca luz, a apertada plateia rapidamente enche de fumaça e calor humano. Quem está ali aprecia o show, dança, curte. O bate-papo fica do lado de fora, até porque o volume não permite. Atrás do palco, efeitos de luzes e vídeos conceituais são projetados pelos técnicos, em seu palanque contrário, cuidando do equilíbrio do som e realizando, por celular, transmissão ao vivo.

As cores e formas, infinitas, estendem-se para as paredes, de todos os lados. Os mais atentos olham para cima e vêem uma única tela no teto: “São Paulo é um cinzeiro / Você é escravo do trânsito”, diz a obra de Mundano, grafiteiro e ativista. As pinturas estão por toda a casa, em constante processo de transformação.

Vale a consciência de que é possível realizar as pequenas coisas. A galera vem, aluga uma casa, e faz”, diz Vitor Colares. Músico, já tocou duas vezes no Domingo na Casa. Hoje, está só como ouvinte, revendo amigos. “Uma noção de que não precisa rebocar essa parede” – ele aponta para uma rachadura exposta – “É um conceitozinho, mas difícil de quebrar”.

Essa quebra de conceitos pré-estabelecidos, o rejeitar das velhas relações e a ousadia de criar novas agora, descobrindo-se em constante construção, é o que permeia o trabalho do Fora do Eixo. O público mais assíduo percebe isso no Domingo na Casa. “Vai do grau de evolução que você se permite”, disse Ataliba, 32, corretor de imóveis, sobre a interação que ocorre ali. Ele e o amigo, Ronald Castro, 35, mecânico de helicópteros, já conhecem a festa há mais de um ano. Identificam um público diferente, difícil de caracterizar. Conversando com a repórter descontraidamente, mais perguntando do que respondendo, queriam saber sobre as profissões com as quais eu tinha me deparado. Algumas horas depois, na maior coincidência, Ronald conheceria Talita, a professora.

III. A democracia dos “invisíveis”

Para tentar algo com essência inovadora, mas fazer as pessoas sentirem-se em casa, há um movimento oculto por trás de tudo. Sem crachá ou comportamento histérico, os convocados para o atendimento das bandas e o acompanhamento técnico, camuflam-se em meio a toda gente. São habitantes da Casa. Como definiu Cláudio Prado, produtor cultural e grande colaborador do FdE, realizam uma “produção invisível”.

Enquanto coloca a rede pra funcionar durante a semana, promovendo e agendando shows em contato com 107 coletivos, a equipe de música da Casa São Paulo também está de olho na agenda do Domingo, montando e divulgando, por meios alternativos, a programação. “Na hora que fecha o e-mail do show, ele já vai pro multimídia, pro design, vídeo, e mídias sociais. E aí isso volta pra lista da casa, saca? E da lista da casa, bloom!, explode. […] Mas isso aí é o operacional, né, a parte divertida”, narra Felipe Altenfelder, um dos agentes.

O contato entre as bandas e os agentes FdE é natural, resultado de todo o trabalho da rede, de relações que vão se fortalecendo com dedicação e tempo. O caminho é de mão dupla. Banda procura agente, e agente procura banda. Os “Mamelungos”, por exemplo, vieram de Recife custeando a própria viagem, com uma única apresentação programada. Chegaram à Casa São Paulo, deixaram um disco, e dois dias depois receberam a confirmação do show. Tinham amigos paulistanos, que levaram em massa estudantes da PUC para a Casa. Vantagens de todos: era um novo público em potencial para o FdE.

Para Luccas Maia, um dos quatro músicos e vocalistas da banda, “é mais um lugar para tocar”. “Uma oportunidade, um público a mais, novas pessoas para cativar, para mostrar o trabalho”. De cachê, nada esperavam, disse. É uma escolha, um investimento. Perfeito para músicos independentes como eles, que aparecem numa cidade estranha, conhecendo gente e fazendo contato. Dá resultado: nessas andanças, além do show na Casa FdE, haviam conseguido uma apresentação no Centro Cultural Rio Verde e também uma gravação na TV Trama.

Já com o “Saulo e a Unidade” sucedeu o caminho contrário. Quando a repórter chegou para conversar com o grupo, estavam em roda de celebração pós-show, compartilhando contentes sobre a reação dos ouvintes. Haviam optado por uma apresentação mais curta, mas intensa, só para abarcar alguns simpatizantes. Saulo, com afeto paraense, contou como foram parar ali.

Convidados pelos coletivos da rede, já fizeram turnês pelo interior de São Paulo, Nordeste, cidades de Minas Gerais, Acre, até Buenos Aires. Mesmo quando não podiam correr atrás de shows, ocupados demais com a gravação do primeiro álbum, acabaram se apresentando. “Posso até dizer que se não fosse pelo FdE, nós não teríamos tocado ano passado”, declara o vocalista.

Em algumas cidades ganharam cachê; em outras não, dependendo das possibilidades. Não conhecem nem a cor do Card, a “moeda alternativa” FdE (se você não sabe o que é Card, leia aqui a primeira reportagem da série, ou espere pelas próximas, quando iremos nesse tema mais a fundo). Porém, mesmo desprovidos de reais ou cards, receberam, nas cidades por onde passaram, camaradagem, hospedagem e alimentação gratuita nos coletivos.

Como em toda relação, há questões mais difíceis de consentir. João Leão, tecladista do “Saulo e a Unidade”, não se sente tão atraído pelo caráter político da rede. “Eles querem abraçar o mundo, e às vezes a gente quer só tocar…” – desabafa, tímido: “o domingo tem clima de Centro Acadêmico de universidade, palco amador… Poderiam ter melhores técnicos…”.

Talvez a crítica possa ser respondida por uma das estratégias FdE para de 2012: o acabamento. Além de se manter o Domingo na Casa como um centro cultural e ponto de encontro dos participantes da rede, pretende-se convertê-lo num radar do novo na música, talvez com apenas uma edição a cada 15 dias, para ser melhor planejado.

Às nove, nove e meia, bate a fome. Talvez pelo fato de ser gratuita, a cevada é consumida com mais pudor. Para as barrigas vazias, há uma opção que varia: revezamento entre espetinhos, lanches, vegetarianos e com carne, outros petiscos e até marmita – tudo fornecido por empreendimentos da Rede Social do Cambuci & Região (Redesc). É algo recente para o Domingo na Casa: surgiu da aproximação com a comunidade. Dela, brotaram também oficinas e exibições de filmes, numa relação que se expande.

Ísis Maria, moradora da Casa São Paulo e gestora das residências culturais, explica: “As pessoas do bairro queriam entender um pouquinho mais sobre a economia solidária, as trocas, a moeda complementar. A gente começa a pensar que o Domingo é um lugar pra elas ocuparem também”. Estão nos planos reativar o brechó (que no ano passado enchia a sala de entrada com araras de roupas, livros, discos e pessoas querendo trocá-los). Por enquanto, existe uma banquinha, onde qualquer um pode deixar algo para vender, retirando na saída, e onde é possível encontrar os produtos produzidos pelos coletivos de toda a Rede – revistas literárias, CDs, camisetas, entre muitos itens.

Uns vão pela música, outros pela cerveja. Domingo à tarde? Porque não? Sair com os amigos, respirar arte, cultura. Espaço de encontro, em faces contemporâneas. Para quem é da rede, ou quer participar, a melhor forma de chegar. As portas estão abertas, a festa é seu cartão de visitas. Conhecer os moradores, pensar em conjunto, conectar-se, criar, produzir. Fazer parte. Manter relações, amadurecer, expandir. Coletivizar. Sair do eixo. Agir, com independência, unindo braços e pernas, dando um novo valor ao trabalho alienado. Acabando com a ideia de trabalho, vivendo Fora do Eixo.

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4 comentários para "Cultura, Política & Subversão – agora 2.0"

  1. Lidia disse:

    A prometida reportagem está longe de o ser. Pra não dizer panfleto, poderiam ao menos chamar de artigo. Onde está a investigação, a busca por informações? Isso parece mais um release lambendo o saco desse grupo, que dos autonomistas aos petistas todo mundo sabe que é ultra nefasto, e completamente imbricado ao capitalismo que voces, ingenua ou interessadamente, dizem combater. Por que nao investigam de onde vem o dinheiro do FDE? Sua relação com emrpesas e sobretudo com o governo? Os candidatos que eles apoiam? A relaçao com Ze Dirceu e com a antiga gestado MinC? Os orçamento milionarios? Os patrocinios de TRANSNACIONAIS? Quer dizer entao que o pós capitalismo do Outras Palavras inclui parcerias com a Vale? Que verguenza!

  2. Careta nos eixos disse:

    O fato da matéria ressaltar a cerveja grátis três vezes leva-me a conclusão de um doping jornalístico.

  3. gabi merlo disse:

    Com esse título tão pretencioso, esperava pelo menos um texto mais crítico ou reflexivo.

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