Chéri à Paris: Ao vencedor, as batatas de frango
Pela expressão de espanto da aeromoça, deduzi: “antigamente” soava como um tempo distante, onde as pessoas alimentavam-se de bizarrices inimagináveis
Publicado 14/10/2011 às 21:58
Por Daniel Cariello, em Chéri à Paris
– Quer batata?
A pergunta era pra ser simples, mas revelou-se de uma inesperada complexidade.
– Quero.
– De quê?
– O quê?
– Quer de quê? Tem de frango assado de vitrine, de maminha mal passada puxada no alho, de salsa e cebolinha orgânicas, de pernil ao abacaxi e, última novidade e exclusividade da nossa companhia, de peixe frito com tomate, uma delícia!
Eu demorei entender se a aeromoça estava me oferecendo um prosaico pacote de batatinha ou tirando sarro da minha cara, recitando a um habitante da classe econômica o cardápio da executiva.
– Cumequié?
– Tem de frango assado de vitrine, de maminha mal passada…
– E a batata?
– Então. Esses são os sabores disponíveis, senhor.
Já faz algum tempo que abandonei as batatas fritas de saquinho como a base da minha nutrição, e percebo que não acompanhei as variações pelas quais o produto passou. Como os malditos panettones, elas sofreram mutações e agora vêm em sabores tão diversos quanto improváveis. Tornaram-se verdadeiros gremlins alimentares.
– Moça, não tem batata sabor batata?
– Não entendi.
– Aquela simples, sem nada, só a batata frita com sal, como antigamente.
– Sei não. Peraí que eu vou ver.
Pela expressão de espanto da aeromoça, deduzi que a palavra “antigamente” soava para ela como “na época de Ramsés II”. Ou em um tempo muito distante onde as pessoas – imaginem só! – alimentavam-se de bizarrices inimagináveis nos dias de hoje, do tipo batata com gosto de batata, água sabor água e pizza sem ketchup.
– Senhor, achei isso aqui, ó. Vê se serve.
E me esticou um pacotinho brilhante, onde lia-se “sabor muzarela de búfala light”.
– Só tem isso?
– Não, tem também de frango assado de vitrine, de maminha mal passada puxada no alho, de salsa e cebolinha…
– Sabor batata não tem mesmo, né?
– É claro que não, senhor.
É claro que não. Que ideia mais maluca a minha.
–
Daniel Cariello, editor da revista Brazuca, é colaborador regular daBiblioteca Diplô/Outras Palavras. Escreve a coluna Chéri à Paris, uma crônica semanal que vê a cidade com olhar brasileiro. Os textos publicados entre março de 2008 e março de 2009 podem ser acessados aqui.