Só 11% dos envenenamentos de agricultores são notificados ao INSS

Repórteres mostram que mais de sete mil trabalhadores foram atendidos em hospitais em dez anos, mas só houve 787 notificações. Do total, só 200 receberam auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez

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Na última década, 787 trabalhadores rurais intoxicados por agrotóxicos tiveram uma comunicação de acidente de trabalho (a CAT) enviada ao INSS. Mas o número não chega nem perto dos casos reais: no mesmo período, nada menos que 7.163 agricultores foram atendidos em hospitais por esse tipo de envenenamento dentro do ambiente de trabalho ou por atividade profissional. Ou seja, só 11% das intoxicações confirmadas foram informadas ao governo. A descoberta importante é da Agência Pública e da Repórter Brasil, que conseguiram os dados registrados no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde via lei de acesso à informação.

A grande maioria dos casos (67%) acontece com trabalhadores informais – um número que faz sentido, considerando que a informalidade alcança, em média, 59% de todos os empregados no campo. E eles não recebem qualquer auxílio do governo em caso de intoxicação. “A empresa manda o funcionário para casa sem direito a nada. O INSS não pode fazer o pagamento do auxílio-doença, porque não há comprovação de vínculo trabalhista na carteira”, explica Gabriel Bezerra, presidente da Contar, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Assalariados Rurais. Só dá para conseguir algo encarando um processo lento e difícil na Justiça. 

A reportagem destaca o caso dos agricultores familiares: só entre eles, foram cerca de 2,2 mil intoxicações. Detalhe: em 59 casos, a vítima tinha entre 12 e 17 anos. Além de não terem direito a auxílio-doença, essas pessoas não recebem equipamentos de proteção, nem capacitação para usar os agrotóxicos. A promotora Margaret Matos conta que, em muitos casos, a aplicação dos venenos ocorre perto da casa das famílias, já que esse tipo de propriedade costuma ser pequena. 

Mas mesmo quem tem carteira assinada acaba com certo receio de comunicar ao INSS ou denunciar as empresas, para não correr o risco de ficar sem emprego. Aos empregadores, não interessa comunicar os eventos, talvez pela certeza da impunidade: se a lei fosse cumprida, as empresas nessa situação seriam punidas com multa. Já no ambiente hospitalar, muitas vezes os médicos não se dispõem a passar 20 minutos preenchendo o formulário da CAT. Assim, no grupo dos trabalhadores formais, só um em cada três casos de intoxicação foi notificado. Resultado: em dez anos, apenas 200 trabalhadores receberam auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez. 

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