Vacinas: protocolos apontam para possíveis registros precoces

Com avaliações parciais programadas, farmacêuticas podem pedir autorização emergencial muito cedo – e isso traz riscos

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Na semana passada, as farmacêuticas Moderna e Pfizer decidiram liberar os protocolos de testagem de suas vacinas experimentais contra o novo coronavírus. Foram logo seguidas pela AstraZeneca nessa iniciativa que não é nada comum – em geral, os planos detalhados só são publicados no fim dos estudos. Como a rapidez no desenvolvimento desses imunizantes tem se tornado uma preocupação para cada vez mais gente, a decisão é interessante. 

Mas o que esses protocolos indicam? Na Piauí, Camille Lichotti explica detalhes que, pelo visto, podem mesmo levar a aprovações precoces. Ainda deve demorar até que os estudos sejam concluídos (no caso da Pfizer, por exemplo, a previsão é novembro de 2022), mas pode haver autorizações para usos emergenciais antes do fim, caso os potenciais benefícios superem os danos. E é nas análises parciais de dados que mora o perigo.

Ainda considerando a Pfizer, a primeira vai ser feita quando 32 voluntários (dos mais de 30 mil participantes) tiverem sido infectados. Entre eles, provavelmente haverá os que tomaram o placebo e a vacina real. Se 26 infecções tiverem ocorrido no grupo placebo, já vai ser possível reivindicar uma autorização emergencial, mesmo que outros milhares de participantes ainda não tenham sido analisados (ou mesmo vacinados). Se houver menos que 26 infecções no grupo placebo, o estudo segue até os próximos cortes para análises parciais: com 62, 92 e 120 casos positivos no total. A análise final, estimada para 2022, aconteceria com 164 positivos. 

Eric Topol, especialista em ensaios clínicos da Scripps Research, está preocupado. De acordo com ele, a possibilidade de autorizar a vacina com um número tão baixo de casos para análise é arriscada. Inclusive porque se poderia liberar para a população geral um imunizante que pode vir a apresentar efeitos colaterais graves quando usado em larga escala. O protocolo da Pfizer é o que apresenta pontos de corte mais baixos. No caso da Moderna, avaliações parciais vão ser feitas com 53 e 106 infecções (o estudo acaba oficialmente com 151 infectados) e, no da AstraZeneca, há apenas uma análise parcial, com 75 casos confirmados. Nesse aspecto, seria o melhor protocolo. Por outro lado, seus pesquisadores almejam uma eficácia de apenas 50% para solicitar aprovação (ou seja, só metade dos vacinados teriam imunidade), enquanto nas outras duas empresas esse percentual é de 60%.

Cabo de guerra

Nos Estados Unidos, onde Donald Trump tenta a qualquer custo aprovar uma vacina antes das eleições, a FDA (a Anvisa de lá) planeja emitir esta semana diretrizes mais rígidas para a autorização emergencial. O texto não foi liberado e ainda pode sofrer mudanças, mas alguns trechos já começaram a ser compartilhados com fabricantes de vacinas. Segundo o Washington Post, a ideia é que os dados das farmacêuticas precisem ser examinados por um comitê de especialistas independentes antes que a FDA emita qualquer registro. Além disso, os participantes terão que ser monitorados por pelo menos dois meses depois do recebimento da última dose, para evitar que a imunidade seja de curto prazo. Com essas exigências, é altamente improvável imaginar um registro ainda este ano (mesmo com as avaliações intermediárias explicadas acima). 

O documento, que ainda precisa passar pela Casa Branca, é mais uma tentativa de resguardar a FDA da crise de confiança que a agência atravessa. Como dissemos ontem, houve mais um abalo depois que o secretário de Estado de Saúde, Alex Azar, a proibiu de dar a palavra final sobre vacinas. Para alguns especialistas, as novas diretrizes seriam suficientes para tornar a aprovação emergencial quase tão segura quanto a regular. Para outros, porém, sequer deveria haver aprovação emergencial nessas circunstâncias. 

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