Saúde mental em crise

Comissão de cientistas afirma que vivemos uma epidemia que se alastra de forma rápida, mas não é devidamente enfrentada

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11 de outubro de 2018

SAÚDE MENTAL EM CRISE

Uma comissão de 28 cientistas analisou a crise na saúde mental, no mundo todo, e publicou os resultados na Lancet. O diagnóstico é que temos uma epidemia que se alastra de forma rápida e nenhum país investe o suficiente para combatê-la. Os pesquisadores estimaram que, se os problemas fossem adequadamente tratados, poderíamos evitar 13,5 milhões de mortes por ano. E também calculam o custo das doenças mentais para a economia global, a partir de dados do Banco Mundial. A cifra é de US$ 16 trilhões entre 2010 e 2030. Eles alertam para o fato de que a qualidade dos serviços de saúde mental é ruim, com pacientes submetidos a violações dos direitos humanos – inclusive sendo algemados, presos, torturados em instituições psiquiátricas. A matéria do Globo diz que, segundo a OMS, há hoje 300 milhões de pessoas com depressão no mundo; 50 milhões têm demência, 23 milhões têm esquizofrenia e 60 milhões são atingidas pelo distúrbio bipolar.

Segundo uma projeção da OMS, até 2030 a depressão vai ser a doença mais incapacitante do planeta. O Estadão lembra que o Brasil é campeão de casos na América Latina, com 6% da população sofrendo com isso. Já no El País, especialistas chamam a atenção sobre como transtornos mentais são banalizados, quando se usam seus nomes fora de lugar: dizer que alguém estranho é “esquizofrênico”, chamar tristeza de depressão, chamar de “bipolar” quem muda de ideia fácil…

E o escritor Fabrício Carpinejar fala sobre bullying, que classifica como problema de saúde pública. Diz que, quando criança, ele sofria violências na escola, mas estava a salvo em casa. “Existia um espaço para recuperar a coragem e enfrentar novamente a turma no dia seguinte. Se eu fosse criança atualmente não sei se sobreviveria. Não sei se aguentaria. Não sei o que seria de mim. Não sei se estaria aqui. Porque atualmente o aluno oprimido não tem mais um minuto de proteção e de segurança. Com Facebook, Instagram e WhatsApp, é bombardeado vinte e quatro horas com ameaças, memes e insinuações (…) É como viver no deserto emocional, na insolação atemporal do medo. Não tem como se curar de uma dor que lá vem outra e outra e outra, até perder a pele das palavras e a alma cansar de doer“.

ELEIÇÕES 2018

E a cabeça?

Falando nisso, está difícil manter a saúde mental nesse período. O El País traz essa matéria com relatos de psicanalistas que recebem pessoas apavoradas, com razão, pelas situações de ameaça e violência que têm vivido. Profissionais estão usando as redes sociais para, ocultando o nome dos pacientes, levar a debate público o que escutam no consultório. Há também o posicionamento de várias instituições de psicanálise contra a opressão representada pela candidatura de Jair Bolsonaro (PSL).

Violência física

Todo dia, toda hora, nos chegam via Whatsapp e Facebook depoimentos chocantes que, mais tarde, são apurados e dão origem a reportagens. Também no El País há um resumo de algumas das piores situações, como o assassinato do capoeirista Moa do Katendê. Ainda não há estatísticas sobre o número de ocorrências. À imprensa, quando questionado sobre isso, Bolsonaro disse que lamenta, mas não se responsabiliza. “Quem levou a facada fui eu, pô. O cara lá que tem uma camisa minha e comete um excesso, o que é que eu tenho a ver com isso?”. O jurista Henrique Abel discorda. “Sim, há uma responsabilidade. Não diretamente, mas ele é considerado um símbolo e legitima práticas e condutas ilícitas ou abertamente criminosas, como dizer que ele iria ‘fuzilar a petralhada’ do Acre”. Abel completa: “Mesmo que em um eventual governo ele não chegue a dar uma ordem de matar ou torturar alguém, o simples fato de simbolicamente legitimar essas práticas representa, aos olhos de quem será governado por ele, uma interpretação de que passam a ser permitidas. E de que não há nada de errado com elas”.

Um mapa  com os episódios de violência dessas eleições está sendo organizado. Está lá, por exemplo, o registro da jovem de 19 anos que foi espancada e teve uma suástica gravada na barriga. Aliás, acredite se quiser, o delegado responsável, Paulo Cesar Jardim, afirmou que não é a suástica nazista, mas a budista. É que o desenho está invertido.”Tenho absoluta convicção. O que temos é um símbolo milenar religioso budista. Símbolo de amor, paz e harmonia“, disse ele à Rádio Guaíba. Em Recife, uma jornalista foi agredida e ameaçada de estupro, ouvindo dos agressores que “quando o comandante ganhasse, a imprensa toda ia morrer”.

Ainda de fora

Por ordens médicas, Bolsonaro vai ficar fora dos debates por mais uma semana, até pelo menos o dia 18. Ou seja, até bem em cima das eleições. “Não pode fazer atividade física mais prolongada”, diz seu cardiologista. A Band chegou a pensar em fazer seu debate no Rio, para ele participar (seria hoje), mas nem assim. A RedeTV cancelou o debate do dia 15. O candidato fará, porém, um ato público hoje na Barra, bairro nobre do Rio.

Haddad quer debater: “Eu vou até uma enfermaria, na boa, fazer o debate porque nós temos que passar a limpo muita coisa”, propôs quando soube da notícia, em entrevista coletiva a jornalistas estrangeiros.

A situação

Sem debates e com forte mobilização nas redes, Bolsonaro está muito na frente na primeira pesquisa após o primeiro turno. O Datafolha divulgou ontem à noite: ele tem 58% dos votos válidos, contra 42% de Haddad. A título de curiosidade, o Outra Saúde comparou essa diferença (16 pontos) com a observada em 2014, quando Dilma também aparecia atrás de Aécio. Está bem maior agora. Na época, era Aécio com 51% e Dilma com 49%.

No Congresso, o PSL chegou com força. E o Estadão analisou essa bancada.

Contra os ‘isentões’: o cientista político Fernando Limongi fala ao El País sobre aquilo que considera uma “covardia inadmissível“: a neutralidade assumida no segundo turno por lideranças como FHC. E o PDT de Ciro Gomes confirmou “apoio crítico” a Haddad.

Policlínicas

Haddad anunciou na terça em encontro com governadores eleitos e aliados que vai adotar as policlínicas no país. “Alguns estados do Nordeste avançaram na questão das especialidades, sobretudo as policlínicas. Atenção básica é fundamental para que isso dê certo e a conexão com a atenção básica com a média complexidade vai ser feita através dessas clínicas de especialidades, inclusive contará com equipe própria de especialistas”, disse. A proposta estava no plano de governo de Ciro, de quem o petista disse estar disposto a tomar emprestadas algumas ideias.

Ministeriável

Já pensou em ter um ministro da saúde que acha a história da saúde pública brasileira “nojenta”? E diz que “Deus” o está preparando para o cargo? Pois Jair Bolsonaro, ao que parece, está pensando. Se for eleito, o capitão reformado do Exército cogita chamar um pecuarista para assumir a pasta. A figura, no caso, é Henrique Prata, presidente do chamado “Hospital de Amor”, antigo Hospital do Câncer de Barretos (SP). Prata afirma ter recebido o convite de Bolsonaro em agosto. E disse ao Valor: “Se Deus permitir que eu ponha a mão nisso [ministério], eu viro do avesso. Não vai sobrar pedra sobre pedra. Não é tirar sujeira debaixo do tapete, é virar do avesso, é mostrar a raiz”. Para ele, a corrupção é o principal problema. E beneficia as empresas. “Hoje a saúde pública é muito desonesta, porque quanto pior, melhor para o setor privado”, afirmou.

CURRICULUM VITAE

No jornalismo, em se fuçando, tudo dá. Nossos parceiros do Joio e o Trigo foram atrás do histórico do novo presidente da Anvisa, William Dib. E descobriram que, quando deputado federal, ele foi coautor de um projeto de lei criado para revogar o direito das mulheres vítimas de estupro a receber atendimento emergencial, integral e multidisciplinar no SUS. Detalhe: Dib é médico de formação. Junto com ele, assinaram o projeto 12 parlamentares – todos homens –, dentre os quais estão o presidenciável Jair Bolsonaro e o deputado reeleito Marco Feliciano (PSC-SP). A justificativa do grupo? Ao obrigar hospitais e serviços do SUS, inclusive os conveniados ao Sistema, a oferecerem diagnóstico sobre lesões físicas, amparo psicológico e social e profilaxia da gravidez, a lei 12.845, de 2013, teria como “principal objetivo preparar o cenário político e jurídico para a completa legalização do aborto no Brasil”. A profilaxia da gravidez, neste caso, seria a pílula do dia seguinte, tratada pelos parlamentares como aborto. Por muitas instituições conveniadas ao SUS serem Santas Casas, a reação dos parlamentares (que redigiram o PL apenas seis dias depois da sanção da lei) aconteceu também para atender aos interesses dos serviços “contrários ao aborto cirúrgico ou químico”. O sofrimento da mulher que sofreu uma violência sexual, é claro, não interessa. Belo currículo para o dirigente de uma Agência que tem como missão proteger a saúde dos brasileiros.

ECOS DE HIROSHIMA

A bomba de Hiroshima matou 340 mil pessoas, na hora da explosão e nos cinco anos seguintes. Mas os sobreviventes – chamados de hibakushas – também sofrem. Além de queimaduras e feridas, eles têm mais catarata e cânceres do que a média, e inúmeros têm depressão, estresse pós-traumático e problemas de instabilidade emocional. Hoje, ainda há 190 mil hibakushas vivos. A matéria da Folha fala de hospitais em que eles são atendidos rotineiramente hoje, em Hiroshima e Nagasaki e também em São Paulo, onde a assistência no hospital Santa Cruz é custeada pelo governo japonês.

TRAÍDA

Ainda no mês que marca os 30 anos da Constituição, o Estadão publicou ontem um artigo em que Paulo Delgado – ex-constituinte, fundador do PT e atual copresidente do Conselho de Sociologia e Política da Fecomercio – faz uma dura crítica da Carta, que considera “traída”. Segundo Delgado, a questão social é manipulada para manter o “gigantismo irracional do Estado”. E ele dá como exemplo as vinculações constitucionais, percentuais das receitas públicas que devem ser investidas em determinadas áreas. “Incentivado a gastar de forma irresponsável, o gestor público administra um saco sem fundo chamado educação, saúde e assistência social“, escreve, criticando: “não temos uma política com força para dizer o que o governo não deve pagar, nem para justificar que não deve contratar mais gente”.

COMO VIVER?

A situação da saúde no município do Rio de Janeiro está há muito insustentável. Em coluna no Globo, Daniel Brunet diz que, não bastasse a prefeitura de Marcelo Crivella ter anunciado na semana passada um corte de R$ 400 milhões na atenção básica, agora os funcionários de 33 unidades de saúde vão receber apenas 5% do salário deste mês. Em outras unidades, o percentual vai ser um pouco maior, mas nunca completo. São unidades administradas por organizações sociais (OSs), e de acordo com elas a prefeitura não repassou os valores integrais.

MAIS DENGUE 

Em São Paulo, o número de casos confirmados de dengue dobrou este ano em relação a 2017 – já foram mais de nove mil, com seis mortes (e outras sob investigação).

ZÉ GOTINHA SÉRIO

Com a cobertura vacinal ainda em baixa, o Ministério da Saúde resolveu lançar mão de nova estratégia. Vai fazer a partir de hoje uma campanha nas redes sociais e na TV mostrando casos reais de quem teve doenças preveníveis por doenças e sofre com sequelas. O Zé Gotinha, em geral sorridente, vai aparecer sério e preocupado.

CAMPANHA

O Movimento Chega de Descaso lançou campanha de financiamento coletivo para tirar do papel um projeto de fiscalização cidadã das unidades de saúde públicas e privadas. A ideia é coletar informações de usuários e profissionais sobre a qualidade dos serviços e quais seriam seus principais problemas. “Queremos construir um novo modo de pensar e planejar a saúde, buscando o seu fortalecimento através da participação social”, diz o texto de divulgação. Para apoiar, clique aqui.

VIVA O SUS

Domingo acontece o lançamento da campanha SUS é VIDA, que conta com vídeo, spots de rádio e peças para redes sociais em defesa do Sistema Único. O evento acontece na Quadra dos Bancários (rua Tabatingueira, 192, Centro), em São Paulo, dentro da programação do Grito dos Excluídos, que começa às 10h e contará com a participação da sambista Leci Brandão, às 18h. A entrada é gratuita.Todo o material da campanha pode ser baixado aqui.

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