Por que rechaçar o não cumprimento do piso da Saúde

• Continua o debate sobre os riscos de não cumprir o piso constitucional em Saúde • Nísia Trindade e Carlos Gadelha defendem, em artigo, o Complexo Econômico-Industrial da Saúde • Progresso em comunidades amazônicas? •

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Artigo publicado por Francisco Funcia, Lenir Santos e Élida Graziane reforça pontos da entrevista concedida pelo primeiro autor ao Outra Saúde. Ao analisar a troca do piso mínimo baseado na arrecadação do governo por um piso baseado em estimativas, os pesquisadores explicam que, se não chega a diminuir o orçamento de fato, o projeto de lei apresentado pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR) abre brechas. Pode levar a um incremento do orçamento de saúde e educação abaixo do que a regra anterior ao antigo “teto de gastos” permitiria. “Abre-se, com tal hipótese, o risco consistente de essa medida vir a ser reiteradamente adotada em exercícios futuros pela União, bem como por outros entes da federação. Ao reputar como válida a mera estimativa da receita na LOA, ao invés daquela efetivamente arrecadada ao final do exercício, admite-se implicitamente a possibilidade de falseamento mediante o manejo abusivo de um fator redutor do piso, caso a RCL seja fixada em valores inferiores ao que, de fato, restar diagnosticado no fechamento das contas de cada exercício financeiro”.

Como indicado pela entrevista concedida por Funcia, também abre-se uma brecha para a redução permanente da participação do Estado na vida social, como uma baliza indiscutível. A discussão é feita como se o piso fosse o horizonte final, quando, como explica o próprio substantivo, é o próprio ponto de partida de investimentos que podem – e devem, conforme deixa claro a demanda social – aumentar. “Nessa perspectiva, por exemplo, estudo da Associação Brasileira de Economia da Saúde, sobre nova política de financiamento da saúde, apresenta proposta que prevê fatores de correção que, além da variação da anual da inflação, levem em conta (1) o aumento da participação da população idosa no conjunto da população e (2) a necessidade de reduzir a iniquidade constatável a partir do fato de o crescimento da renúncia fiscal para gastos privados e planos de saúde ser maior do que o crescimento dos recursos federais para o financiamento do SUS”, prossegue o artigo.

Ministra e secretário defendem pacote econômico da saúde

Enquanto ainda se discute a superação da lógica do Estado mínimo, o governo lançou nesta terça, em evento repleto de figuras importantes do campo da saúde, a nova política econômica de saúde. Nesse sentido, a ministra Nísia Trindade e o secretário Carlos Gadelha publicaram artigo no qual defendem o setor da saúde como parte importante não apenas da integração social como do próprio avanço econômico nacional. Para eles, os investimentos na área, previstos no novo PAC, têm condição de “reduzir as vulnerabilidades do Sistema Único de Saúde (SUS) é colocar os mais pobres no centro do debate orçamentário, induzindo os investimentos no Complexo Econômico-Industrial de Saúde (CEIS) para garantir o abastecimento de vacinas para todos, a modernização dos hospitais e das unidades básicas de saúde, a inovação para acompanhar a fronteira tecnológica na produção de medicamentos, incluindo aquelas relativas ao atendimento das populações negligenciadas, tanto no Brasil quanto no conjunto de países pobres e em desenvolvimento”.

Para que fique claro, tais investimentos no CEIS não seriam da alçada do ministério, e viriam em políticas integradas e transversais, em especial com o Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio, comandado por Geraldo Alckmin. No entanto, teriam poder de modernizar o sistema público de saúde e gerar produção industrial de insumos variados, com efeitos combinados de crescimento econômico e qualificação do SUS, além de atender compromissos estabelecidos na OMS de busca por soberania sanitária dos países periféricos do capitalismo. “A nova estratégia para o CEIS representa uma oportunidade única para unir desenvolvimento e cidadania no país, e, ao mesmo tempo, fortalecer o posicionamento ativo e altivo do Brasil perante o mundo, contribuindo para um padrão global de desenvolvimento baseado nos princípios de justiça social, sustentabilidade, generosidade e respeito à soberania dos povos e nações”, completam. 

A contradição do progresso em comunidades amazônicas

Alvo da sanha do “desenvolvimentismo bolsonarista”, desregulado e despreocupado de quaisquer estudos de impactos ambientais, as comunidades tradicionais da região Norte do país sentiram na pele esta contradição entre o chamado “progresso” e seus resultados socioambientais. Estudo da Fiocruz analisou a qualidade da água em 36 comunidades ribeirinhas e atestou que em nenhuma delas havia condições adequadas de consumo. Secas geradas pelo desmatamento e contaminação dos rios e solos, produtos diretos da mineração, entre outros fenômenos, são as explicações. Dessa forma, a instituição começa a desenvolver estratégias de monitoramento das condições da água em parceria com as comunidades, de forma a conseguir respostas mais rápidas para tais problemas. Apesar de ter as maiores bacias hidrográficas do mundo, a região norte tem os menores índices de saneamento do país. Como mostra matéria da Folha, 85% da população do estado do Amazonas não tem acesso à água tratada. Ainda que boa parte desta população tenha uma relação direta com a terra e seus recursos, seu modo de vida é afetado pelo extrativismo inconsequente, a exemplo da mineração em terras indígenas, que contaminaram boa parte dos rios da região com metais pesados.

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