A epidemia do Zolpidem no Brasil

• O perigoso vício em remédio para dormir • EUA: epidemia de opioides foi impulsionada por consultora • A covid, a fome e as baixas coberturas vacinais • Licitação perigosa é cancelada pelo Ministério da Saúde • Aniversário da Abrasco •

Foto: Oasis Recovery
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Multiplicam-se as evidências do processo de hipermedicalização da saúde no mundo. Recentemente, uma reportagem da BBC investigou o uso abusivo do Zolpidem, remédio para dormir cada vez mais receitado no Brasil. Os casos mais extremos são relatados por um psiquiatra do Hospital das Clínicas de São Paulo: “nós já internamos pessoas que tomaram 300 comprimidos num dia”, ele diz. Depois de dobrar de 2018 para 2020, as vendas desse medicamento no país nunca mais ficaram abaixo das 20 milhões de caixas anuais, nota a matéria. Especialistas sugerem que o uso descontrolado do Zolpidem tem duas origens: de um lado, a propaganda massiva voltada para médicos e consumidores e, de outro, uma portaria da Anvisa que facilitou sua prescrição. Gonzalo Vecina, sanitarista que era presidente da agência reguladora na época da decisão, defende que o uso do remédio “tenha mais controle hoje em dia” – já as farmacêuticas e a atual direção da Anvisa alegam que os critérios atuais estão adequados, fechando os olhos para a crise de abuso do Zolpidem.

EUA: consultora pagará multa milionária por alimentar epidemia de opioides

A Justiça dos Estados Unidos decidiu que a firma de consultoria empresarial McKinsey terá que pagar US$ 230 milhões por ter promovido de forma enganosa o uso da oxicodona durante a epidemia dos opioides, ampliando seus efeitos negativos em um contexto onde essa crise já mata mais de cem mil estadunidenses anualmente. Centenas de instâncias locais de governo e distritos escolares do país haviam processado a companhia multinacional nos últimos anos, alegando que peças de publicidade orientadas por sua consultoria minimizavam o risco de utilização de opioides – aumentando seu consumo e levando mais dinheiro ao bolso da hoje falida farmacêutica Purdue Pharma, que contratou a McKinsey. No mês passado, o governo Biden questionou na Suprema Corte a legalidade do acordo judicial da falência da Purdue, já que este blindaria a família Sackler, dona da empresa, de pagar por seus crimes na epidemia de opioides. Porém, ainda não há uma decisão final sobre esse caso.

Covid piorou fome nas favelas do RJ, diz estudo

O coronavírus em si não foi o único fator a afetar negativamente a vida dos brasileiros mais pobres durante a pandemia. Como mostra o estudo Diagnóstico Primeira Infância nas Favelas da Maré, a fome também impactou fortemente os moradores de favelas durante os anos da emergência global em saúde, em especial na população de 0 a 6 anos. Uma matéria da Agência Brasil que apresenta o estudo traz dados graves: 54,1% das famílias da Maré tiveram dificuldades de alimentação nesse período – e em 11,8% dos casos algum familiar deixou de comer para que não faltasse alimento para as crianças. A organização coletiva foi decisiva para que a crise não fosse maior. ONGs e associações de moradores estruturaram redes de distribuição de alimentos que apoiaram “milhares de famílias”, explicou Gisele Martins, coordenadora do estudo. O trabalho indica que, por essas razões, programas de saúde como a Caderneta da Criança e Brasileirinhos e Brasileirinhas Saudáveis precisam ser fortalecidos no Complexo da Maré.

Pandemia fez cair ainda mais cobertura da tríplice viral

Em 2016, o Brasil recebeu a certificação de país livre do sarampo, mas a conquista durou pouco. A partir de 2018, voltamos a registrar anualmente uma quantidade de casos similar aos números dos anos 1990 – bem piores que os da década de 2000. Só em 2019, foram 20 mil casos, e especialistas conectam essa crise com a queda na imunização das crianças brasileiras. Noticiados pela Revista Fapesp, estudos recentes acompanharam o ritmo da redução da aplicação da tríplice viral, que imuniza contra o sarampo, e descobriram alguns padrões: entre eles, que a queda foi maior nos municípios mais pobres e que a pandemia da covid-19 dificultou ainda mais a imunização. Em 2020, só 80% das crianças de até 1 ano receberam a primeira dose da tríplice viral. A miséria em alta também é um fator. “Uma parcela importante da população está desempregada ou no mercado informal, o que dificulta a ida aos postos de vacinação”, opina Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações de 2011 a 2019.

Saúde cancela licitação por risco de sobrepreço de até R$30 mi anuais

O Ministério da Saúde (MS) cancelou uma licitação recente que buscava contratar serviços de transporte aéreo para o acesso a comunidades indígenas isoladas em Roraima. A decisão foi tomada pouco depois de uma auditoria da Controladoria-Geral da União (CGU) identificar indícios de sobrepreço de até R$30 milhões anuais no edital. No governo passado, não foram poucas as denúncias de superfaturamento na Saúde, em geral com a conivência ou participação direta dos aliados e protegidos do presidente Jair Bolsonaro. Se naquele tempo esses escândalos só eram evitados ou descobertos com a denúncia pública e a ação de mecanismos externos de controle, aqui se vê outra atitude: a ação rápida dentro da administração pública, por meio da coordenação do MS com outros órgãos de governo. “O Ministério da Saúde informa que o referido pregão foi cancelado e que já estão sendo tomadas as medidas cabíveis para assegurar o serviço de transporte aéreo nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas do Leste de Roraima e Yanomami”, diz uma nota.

44 anos da Abrasco

Ontem (27/9), a Associação Brasileira de Saúde Coletiva fez aniversário. Os 44 anos do surgimento da Abrasco foram lembrados em nota no seu site. “A formalização da Abrasco como entidade científica” em 27 de setembro de 1979, conta o texto, “vinha da expectativa de produzir conhecimento para subsidiar políticas de enfrentamento às iniquidades em saúde e contribuir para a universalização do direito à saúde no Brasil”. Poucos anos depois, uma quantidade expressiva de seus associados, os “abrasquianos”, utilizaram esses conhecimentos produzidos em colaborações decisivas para a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Para comemorar a efeméride, o site da Abrasco também ganhou uma seção de História e Memória, com fotos e fatos da participação da entidade em processos como a luta pela reforma sanitária, a 8ª Conferência Nacional de Saúde, a luta pelas Diretas, a implantação e municipalização do SUS e a disseminação de programas de pós-graduação em saúde coletiva ao redor do país.

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