Por que os protestos na Polônia já duram semanas?

Decisão que praticamente eliminava aborto legal motivou atos por todo o país. E seu escopo foi ampliado: revolta agora é contra o governo de extrema-direita no poder há cinco anos

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Há quase um mês, depois que uma decisão do Tribunal Constitucional da Polônia restringiu ainda mais o acesso ao aborto no país, milhares de pessoas foram às ruas protestar. A questão era séria, porque eliminava a possibilidade de interrupção legal da gravidez em caso de má-formação grave do feto – e essa é a justificativa da maioria esmagadora dos abortos legais por lá.  

Mas os protestos não foram pontuais. Eles continuam acontecendo até hoje, levando às ruas centenas de milhares de pessoas em mais de 500 cidades e vilas. Não são apenas mulheres, mas gente comum de toda parte. E o escopo foi ampliado: agora, ao que parece, o objetivo é derrubar nada menos que o governo do Partido Lei e Justiça (PiS), que comanda a nação desde 2015. Várias ativistas estão chamando a onda de protestos de “revolução”, por conta da magnitude das demandas. Organizadoras dos atos fizeram pesquisas para ver os tópicos de maior preocupação entre os manifestantes e chegaram a temas como separação entre Estado e Igreja, educação, saúde e mudanças climáticas. É tudo isso que está em pauta.

A longa reportagem da New Yorker conta como a revolta ganhou tanta magnitude. O texto trata da construção dos últimos atos, ao mesmo tempo em que explica as reviravoltas do passado recente da Polônia, com polarização política exacerbada e o crescimento do PiS – as medidas do partido de extrema-direita, no fim das contas, parecem ter gerado um caldeirão pronto para derramar. A luta pela manutenção dos direitos em relação ao aborto, aliás, não é recente. Em 2016, também foi preciso ir às ruas quando o governo queria a proibição total.

“A Polônia se tornou um importante ator no movimento internacional pelos chamados valores tradicionais e contra o que o movimento e o governo polonês chamam de ‘ideologia de gênero’, um termo genérico para ameaças percebidas à família tradicional, que incluem direitos reprodutivos, estudos de gênero e direitos LGBTQ. Nos últimos anos, cerca de cem municípios poloneses se declararam ‘zonas livres de LGBT’ ou, mais burocraticamente, ‘zonas livres de ideologia LGBT’, uma referência à crença de que direitos iguais para pessoas LGBTQ equivalem a doutrinação, particularmente de crianças pequenas”, escreve o jornalista Masha Gessen. A parlamentar Magdalena Biejat explica que “a principal forma de existência do partido no poder na cena política é criar conflito”, e que “eles sempre precisam encontrar um inimigo, alguém que possam excluir da comunidade nacional”.

Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência… Por lá, organizadores acreditam que uma repressão forte da polícia é mais provável do que a derrubada do governo. Mas “nada será como antes”, acredita Marta Lempart, uma delas. 

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