OMS reconhece transmissão pelo ar, mas há críticas sobre timidez da mudança

Evidências são de que vírus pode percorrer mais de dez metros em ambientes fechados

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A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou ontem um novo informe científico em que considera o risco de transmissão do novo coronavírus pelo ar em gotículas muito pequenas, ou aerossóis. Como vimos aqui, o documento chega depois de 239 cientistas publicarem uma carta aberta elencando evidências desse tipo de transmissão e pressionando a entidade a rever suas recomendações oficiais. 

O que muda? Até ontem, a OMS alertava para o risco de transmissão por gotículas maiores – as que saltam do nariz e da boca de contaminados principalmente durante a tosse ou espirros, e que caem no chão logo em seguida. Assim, só pessoas próximas correriam o risco de se contaminar. Mas se há transmissão por aerossol, isso significa que, além das gotículas que caem no chão, há outras que são muito mais leves e podem ficar suspensas no ar durante algum tempo. Em ambientes fechados com pouca circulação de ar, o vírus pode, então, percorrer distâncias maiores até encontrar uma pessoa e contaminá-la. A OMS até falava sobre esse risco antes, mas apenas em procedimentos médicos que provocam a saída de aerossóis, como o processo de intubação.

Agora, o novo texto cita relatórios de surtos relacionados à contaminação em espaços fechados, como restaurantes e academias. Não há evidências conclusivas quanto a isso, ao que levou a OMS a afirmar que “mais estudos são necessários com urgência”. Mesmo assim, houve mudanças nas suas recomendações oficiais para evitar a transmissão, que passam a incluir “evitar locais fechados com pouca ventilação”.

Mas nada além disso, o que desapontou alguns especialistas. Segundo a OMS, a fonte primária de transmissão continua sendo o contato direto ou as gotículas maiores de tosses e espirros, e os aerossóis produzidos rotineiramente seriam algo secundário. 

O uso de máscaras segue como uma recomendação apenas quando o distanciamento social de um metro não é possível, mas, segundo os críticos, em locais fechados isso pode não ser suficiente. “A extensa pesquisa e o tremendo progresso na física e na biologia dos aerossóis desde 1940 parecem não ter tido impacto [na nova recomendação da OMS]. A afirmação de que ‘gotículas respiratórias’ na faixa de tamanho de cinco a dez micrômetros de diâmetro apenas viajam até um metro é incorreta. As publicações científicas revisadas por pares demonstram claramente que partículas de até 30 micrômetros podem se mover nas correntes de ar e viajar mais de dez metros em ambientes fechados”, escreveu Donald Milton, professor de Saúde Pública da Universidade de Maryland e um dos autores da carta aberta publicada na segunda-feira. 

Em tempo: essa discussão nos faz lembrar do fato de que o governo de São Paulo proibiu bares e restaurantes de atender na calçada. O objetivo é evitar as aglomerações vistas no Rio de Janeiro após a reabertura, mas não há evidências que a sustentem. Se a ideia é mesmo permitir o funcionamento desses locais, o mais seguro seria justamente evitar o atendimento do lado de dentro, até porque não dá para usar máscara comendo e bebendo… Por isso, em cidades como ParisMadri e Nova Iorque a retomada se deu com mesas espaçadas ocupando calçadas e ruas. Do mesmo modo, não faz sentido abrir shoppings antes de parques. Ou permitir o comércio à “meia porta” (que dificulta a circulação de ar), embora deva haver restrições à entrada dos clientes.

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