O orçamento e a inversão de prioridades do governo

Se depender de Bolsonaro, Ministério da Saúde perde R$ 7 bilhões em 2021. Educação e Ciência também têm cortes, e só Defesa vê aumento de verbas: vai ter R$ 2,2 bi a mais

Foto: Arek Socha / Pixabay
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Se tudo der certo, no ano que vem o Brasil terá de preparar uma campanha de vacinação sem precedentes. Embora esteja claro que grupos de risco precisam ser priorizados, o país tem mais de 210 milhões de habitantes; e 89% dos brasileiros querem ser vacinados contra o novo coronavírus, segundo o Datafolha. Para efeito de comparação, a campanha de imunização contra outro vírus pandêmico, o H1N1, iniciada há dez anos, atingiu nesse período pouco mais de 89,5 milhões de pessoas. Além disso, o país experimentou uma das maiores quedas do mundo na cobertura vacinal durante a pandemia – e já vínhamos de um 2019 em que nenhuma das vacinas dadas a crianças de até um ano de idade havia alcançado a meta necessária para proteger as novas gerações de doenças como tétano, poliomielite e sarampo. Para não falar de toda a demanda represada por atendimentos e exames voltados a outros problemas de saúde, e na continuidade dos casos da covid.

É nesse contexto que o governo federal escolhe suas prioridades. Que, ao que tudo indica, estão em rota de colisão com as necessidades da população. De acordo com O Globo, Jair Bolsonaro deu aval para que o Ministério da Defesa receba R$ 2,2 bilhões a mais em 2021, num total que chega a R$ 110,1 bilhões. Já o Estadão revela que boa parte desse reforço orçamentário pode vir das verbas que seriam destinadas ao Censo Demográfico. A pesquisa do IBGE, fundamental para o planejamento das políticas públicas do país, já teve que ser adiada esse ano por causa da pandemia e, nos planos do bolsonarismo, poderia ser empurrada para 2022. Apuração do jornal confirma o empenho do presidente, que enviou ofícios ontem e segunda-feira determinando o aumento que daria não R$110 bi, mas R$ 111 bi à Defesa. 

Já destacamos por aqui que o Ministério da Educação deve perder 13% das verbas no ano que vem e ganhar R$ 102 bi, bem menos do que a pasta da Defesa, o que “não faz nenhum sentido”, conforme criticou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Mas a perplexidade não tem fim: hoje, O Globo revela que o próprio MEC quer abrir mão de verbas em favor da Defesa. Isso se daria no âmbito do programa das escolas cívico-militares, promessa de campanha de Bolsonaro que funciona como mais uma fonte de rendimentos para militares inativos que, sem experiência na área, são plantados em colégios públicos país afora com a tarefa de disciplinar estudantes e administrar as unidades. Como a Defesa paga esse pessoal, o MEC estaria disposto a destinar mais verbas à pasta, num incremento do programa que passaria a R$ 108 milhões em 2021, contra R$ 54 milhões destinados este ano.

Mas a inversão de prioridades não para por aí: a verba do Ministério da Saúde em 2021 também será menor, se depender de Bolsonaro. “É como se o governo achasse que a covid-19 vai simplesmente sumir no dia 31 de dezembro de 2020”, resumiu Luiza Pinheiro, do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), em entrevista ao Estadão. A ideia é cortar R$ 7 bilhões da pasta, se compararmos com o orçamento inicialmente previsto para 2020, ou R$ 47 bilhões, se levarmos em consideração o recurso extra autorizado para o enfrentamento da pandemia. O orçamento seria de R$ 127,7 bilhões – um valor que não daria nem para honrar o compromisso constitucional da União com o financiamento do SUS, conforme aponta o economista Francisco Funcia, do Conselho Nacional de Saúde, na mesma reportagem. De acordo com ele, faltariam R$ 10 bi, e a lacuna teria de ser preenchida com recursos destinados por emendas parlamentares. 

Outro que deve perder é o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. Segundo O Globo, em 6 de agosto a pasta enviou um ofício à equipe econômica alertando que os R$ 6,5 bi previstos para 2021 seriam insuficientes para manter projetos de pesquisa em andamento, o que afetaria inclusive os estudos sobre a pandemia. Marcos Pontes pediu mais R$ 1,8 bi, mas Paulo Guedes concedeu apenas R$ 100 milhões… 

Além da Defesa, que é o tipo de escolha que não tem justificativa alguma a não ser agradar o centrão verde-oliva consorciado com o bolsonarismo, o governo seguiu o conselho do filho 01 do presidente e separou “um dinheirinho” para obras. O Ministério do Desenvolvimento Regional comandado por Rogério Marinho deve ganhar mais R$ 846 milhões em 2021 (total: R$ 8,2 bi).

Já a transferência de renda, que é o carro-chefe da renovada popularidade presidencial, não deve entrar na proposta orçamentária que precisa ser enviada pelo governo ao Congresso até o fim do mês. Segundo o Valor, o programa Renda Brasil será incluído durante a tramitação do PLOA. Rodrigo Maia, que hoje toma café da manhã com Bolsonaro, disse ontem que o Executivo precisará dizer quais despesas serão cortadas para viabilizar o programa, que, ao que tudo indica, deve dar uma sobrevida focalizada e mais barata ao auxílio emergencial concedido a trabalhadores informais, mas tem como objetivo principal enterrar a marca Bolsa Família. “O governo quer acabar com o seguro-defeso, o abono salarial, cortar os recursos do Sistema S. O governo tem base para fazer isso?”, questionou o presidente da Câmara. 

Já a Instituição Fiscal Independente do Senado propõe que o governo apresente um PLOA que estoure o teto de gastos, mas defende que os gatilhos da EC 95 comecem a valer. Isso aconteceria sem necessidade de aprovar nada no Congresso, bastando uma consulta ao Supremo e ao TCU para garantir “segurança jurídica”. Segundo a Instituição, os gatilhos abririam um espaço de R$ 40 bilhões no orçamento. Eles são muitos, e vão desde a proibição do reajuste salarial para funcionários públicos (inclusive militares) à exoneração de servidores que ainda não atingiram a estabilidade, passando pela redução temporária de jornada do funcionalismo, com cortes proporcionais nos vencimentos. Os senadores não topam, segundo o Estadão.

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