Por trás da aprovação do remédio mais caro do mundo

Jair Bolsonaro atropelou a Anvisa – e não foi a primeira vez

Foto: Reprodução
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A Anvisa aprovou ontem o registro do medicamento mais caro do mundo. Nos EUA, onde o remédio já é comercializado, cada dose custa US$ 2,125 milhões, o equivalente a R$ 12 milhões. O Zolgensma, criado pela AveXis, empresa que foi adquirida pela gigante Novartis, é a primeira terapia genética voltada para o tipo mais grave de atrofia muscular espinhal (AME). Ele basicamente fornece uma cópia do gene que produz a proteína SNN – que falta nos doentes –, detendo a progressão da AME. Por isso, a droga é eficiente em crianças pequenas. A autorização da agência reguladora é para uso pediátrico. 

A história, contudo, tem um pano de fundo preocupante. Isso porque Jair Bolsonaro atropelou a Anvisa, anunciando no mês passado que zeraria a alíquota de importação do Zolgensma. Antes, portanto, que ele fosse aprovado por aqui. Não é a primeira vez que o governo faz marketing com medicamentos voltados para a AME e passa por cima das instâncias competentes nesse tipo de decisão. 

Quando completou 300 dias no poder, o presidente anunciou que o Ministério da Saúde iria adquirir o Spinraza, da Biogen. Só que o medicamento não foi considerado custo-efetivo pela comissão responsável pela incorporação de tecnologias no SUS, a Conitec. O Ministério da Saúde de Mandetta pressionou por uma decisão diferente, que veio apenas um mês depois da primeira, e foi favorável à incorporação. 

Em ambos os casos, existe um debate de fundo importantíssimo, que tem pelo menos três variáveis. A primeira é que, para existir, um sistema público universal precisa ter equilíbrio financeiro. Daí, a importância de instâncias técnicas responsáveis por esse trabalho não serem manipuladas. Em segundo lugar: o setor privado vai sempre pressionar um sistema do tamanho do SUS. Só que, especialmente no caso da indústria farmacêutica, muitas vezes os preços parecem não ser negociáveis, nem transparentes. A Biogen, assim que soube que a Conitec aprovou o uso do Spinraza, tratou de avisar que o acordo com o Ministério não valia mais, argumentando que a comissão incorporou o medicamento só para AME tipo 1, e a expectativa era que aprovasse também para os tipos 2 e 3.  Finalmente, tudo isso deveria ser modulado pelo direito à saúde. É muito cruel negar tratamento a quem precisa. O problema é que a pressão recai muito mais sobre o SUS, pela via da judicialização, e quase nunca sobre a indústria farmacêutica, que poderia ser muitíssimo mais bem regulada, como mostra o exemplo recente da Itália. Ainda não se sabe que preço final o Zolgensma terá por aqui. 

Não custa lembrar: a Novartis foi acusada pelo FDA (a Anvisa americana) de esconder informações sobre manipulação de dados na fase de testes com animais do Zolgensma. Em março desse ano, contudo, a agência decidiu não punir a empresa.

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