O modelo cubano de enfrentamento à pandemia

Estudo da Unicamp analisou documentos e ouviu pessoas para entender como país caribenho enfrentou a primeira fase da doença com particular eficácia. Entre as medidas principais, resposta rápida baseada na ciência e a Atenção Primária

Estudantes de medicina cubanas vão de porta em porta procurando por pessoas com sintomas do novo coronavírus em Havana. Foto: Alexandre Meneghini/Reuters
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A ilha caribenha de 11,3 milhões de habitantes está prestes a vacinar 90% de sua população com ao menos uma dose de um dos três imunizantes produzidos autonomamente. Mas essa não é a única conquista notável do país, em termos de controle da pandemia. Embora não tenha aguentado a pressão da crise econômica e feito a reabertura ao turismo entre abril e outubro de 2021, gerando uma grande onda de mortes e contaminações, Cuba foi exemplar no cuidado com sua população no primeiro ano da pandemia. Cinco pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp fizeram um estudo para compreender quais as especificidades das medidas de saúde pública tomadas nesse período. Elas permitiram ao país terminar 2020 com apenas 146 óbitos por covid – ou 12,9 por milhão, número 75 vezes menor que o Brasil.

A partir de estudos de documentos e de entrevistas com dirigentes do ministério da Saúde Pública, médicos e membros do Comitê Científico de assessoramento à resposta à covid em Cuba, os pesquisadores encontraram quatro eixos principais do combate à pandemia em sua primeira fase. Primeiro, a resposta inicial, no momento em que a OMS declarou emergência internacional. Nesta fase, destacam-se a vontade política de combater a doença, um sistema de saúde pública robusto e a formação de um grupo de cientistas que compôs um plano de 50 medidas intersetoriais.

Em um segundo momento, foi elaborado um modelo integral de enfrentamento, que incluía respostas epidemiológicas, clínicas e científicas à pandemia. Estabeleceu-se um protocolo nacional, mas sempre baseado nas comunidades e levando em conta as singularidades dos pacientes. O terceiro e o quarto eixo dizem respeito à Atenção Primária à Saúde, que serviu como espinha dorsal e linha de frente no enfrentamento à pandemia. Em destaque, o papel das mulheres – médicas, cientistas, agentes comunitárias – no gerenciamento e no cuidado da crise. Como se vê, são todas medidas perfeitamente aplicáveis ao Brasil.

Entre junho e outubro de 2021, Cuba viveu a fase mais aguda da pandemia. A carência de divisas e a escassez de produtos importados essenciais levaram a uma abertura precoce aos turistas estrangeiros. A resposta – que não faz parte do estudo dos pesquisadores da Unicamp – foi rápida (e está relatada em Outra Saúde). Baseou-se numa vacinação intensa, que imunizou em poucos meses quase todos os habitantes da ilha. Há dias, segundo o site Our World in Data, Cuba superou Portugal e passou a ter 90% da população imunizada – 80% com todas as doses. O gráfico acima mostra que, a despeito da onda aguda de junho-outubro, o índice de mortes por milhão é quatro vezes menor que o do Brasil, mais de três vezes inferior ao dos EUA, Itália e Reino Unido e está cerca de 50% abaixo do alemão.

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