Ômicron: sob pressão, Ocidente estuda concessões

Reunião especial em Genebra admite aumentar o acesso dos países de renda baixa e média a vacinas. Ninguém estará seguro até todos estejamos, considera a OMS. Conselho Europeu promete melhorar arquitetura global de saúde

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A notícia virou comédia assim que o jornal The New York Times estampou-a no alto do seu site, no começo da tarde de ontem, 30/11. Contava que já havia casos da variante ômicron na Holanda mais de uma semana antes de o país fechar seus aeroportos a viajantes vindos da África do Sul – para impedir a entrada da variante ômega. O diário americano já havia criticado, com razão, esse tipo de trapalhada de muitos governos face à última ameaça da covid.

O fato, porém, é que o hilário açodamento holandês contrasta com o bom senso aparentemente reinante na sessão especial da OMS (Organização Mundial de Saúde), iniciada dia 29/11 em Genebra, Suíça. Sob pressão, ela foi realizada, por exemplo, um dia após sindicatos da saúde acusarem os países europeus de crime. Estariam bloqueando medidas que poderiam ampliar os meios de os países menos favorecidos enfrentarem melhor a pandemia.

O médico Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor da organização, surpreendeu ao abrir a sessão anunciando diversas novidades importantes para a reorganização da saúde mundial, atualmente em situação de penúria, avaliou. Já pelo tom, sua fala é auspiciosa. Ninguém estará seguro, pondera ele, até que todos estejamos. Quase 8 bilhões de vacinas foram administradas no mundo, continua. Mas mais de 80% foram para os países do G20. Países de baixa renda, a maioria na África, receberam apenas 0,6% de todas as vacinas [veja no gráfico]. Seu apelo é um tributo à razão: que todos apoiem as metas de vacinar 40% da população de todos os países até ao final deste ano, e 70% até meados do próximo ano, conclamou.

Mais de uma centena de países podem não atingir essa meta simplesmente porque não tem acesso às vacinas. Não faz sentido, discursou Tedros, refletindo o que parece ser, após tanto destempero, uma conclusão comum a grande número de países. Tedros saudou especialmente a proposta de um “tratado internacional” apresentada com certa pompa à reunião de Genebra por Charles Michel, presidente do Conselho Europeu. “Hoje espero que façamos história. A situação do mundo exige isso”, declarou o dirigente europeu.

E prosseguiu na mesma linha: “É nossa responsabilidade coletiva nunca permitir que outra pandemia nos encontre despreparados, descoordenados ou trabalhando isolados uns dos outros. […] Precisamos de uma mudança incremental em nossa arquitetura global de saúde”. Em suma, fez coro ao apelo do diretor da OMS aos 194 membros da OMS de que “o mundo precisa de uma OMS fortalecida, capacitada e financiada de forma sustentável, no centro da arquitetura global da saúde”. Significa uma OMS com melhor governança, melhor financiamento e melhores sistemas para responder ao potencial epidêmico e pandêmico.

Tedros justifica seu otimismo em vista de realizações práticas. Como a Covax, por exemplo, vacina patrocinada pela OMS, que já gerou 550 milhões de doses, sendo 250 milhões nos últimos dois meses. A OMS considera que acabou de fazer um acordo exemplar de licenciamento de um teste sorológico de anticorpos com a Espanha. Também estabeleceu um centro de transferência de tecnologia para vacinas de mRNA na África do Sul. Outra novidade recente foi a criação de um grupo científico para monitorar o surgimento de novos patógenos.

Em suma, há boas novas na frente de batalha sanitarista. Com certeza também há muita dúvida. Basta ver os vai-véns das negociações. O “tratado” europeu, por exemplo, fundado no âmbito da OMS, se pretende vinculante – com força de lei. Mas os europeus bloqueiam a suspensão das patentes, que já tem força de lei, ao menos no papel, no âmbito da OMC (Organização Mundial do Comércio). Enquanto o governo americano apoia a suspensão das patentes, mas não quer que o tratado europeu seja vinculante.

Curiosamente, teriam, nesse caso, apoio da África do Sul – que, no entanto, lidera desde outubro de 2020, junto com a Índia, a aplicação da suspensão das patentes. Tudo isso torna os possíveis avanços lentos, parciais e poucos transparentes. Mas não os torna necessariamente pouco relevantes, tendo em conta a soma heterogênea das grandes necessidades globais.

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