O debate no santuário

Em debate com Haddad e sem Bolsonaro, Ciro e Marina concentram discussões da saúde

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21 de setembro de 2018

O DEBATE NO SANTUÁRIO

O debate promovido ontem pela CNBB e transmitido pela TV Aparecida foi o primeiro com a participação de Haddad (PT), que foi o grande alvo dos demais candidatos. Sem Bolsonaro (PSL), que está hospitalizado, e Cabo Daciolo (Patriota), que jejua nos montes, a noite conduzida pelos bispos foi a mais, digamos, laica, até agora, embora os candidatos tenham feito suas menções ao Papa Francisco e a outras figuras históricas do catolicismo. A perguntas dos religiosos abordaram temas como desigualdade e distribuição, agricultura e violência, inclusive entre povos tradicionais. Teve uma sobre aborto. Além do candidato petista, participaram Ciro Gomes (PDT), Marina Silva (Rede), Geraldo Alckmin (PSDB), Guilherme Boulos (Psol), Henrique Meirelles (MDB) e Alvaro Dias (Podemos).

Não houve muitas perguntas específicas sobre saúde, mas Marina e Ciro tiveram uma conversa relativamente longa sobre isso: primeiro, falaram do acesso a medicamentos, depois sobre o fortalecimento da Atenção Básica. Uma observação interessante de uma leitora do Outra Saúde: discutiu-se o tema, mas o nome “SUS” não foi mencionado.

Ambos criticaram a patente que o Instituto Nacional de Propriedade Industrial deu esta semana à farmacêutica americana Gilead para o medicamento sofosbuvir, contra hepatite C. Ciro disse que foi o “escândalo da semana”, e Marina prometeu quebrar todas as patentes, inclusive esta, para garantir o acesso a remédios de alto custo. “Nesse momento, enquanto estamos aqui neste debate, três pessoas irão morrer de hepatite C, há 12 mil pessoas na fila esperando remédio”. Quanto a isso, Ciro denunciou que “essa aberração foi feita infelizmente pelo judiciário brasileiro, que vedou a possibilidade de Farmanguinhos, da Fiocruz, produzir” o medicamento.

(Falando isso, Marina já entrou com ação pedindo a quebra dessa patente e o ministro da indústria Marcos Jorge foi chamado para dar explicações)

Ciro também  falou da experiência cearense de “centralizar toda licitação de remédios, unindo todos os municípios ou consórcios de municípios e os estados” e fazendo com que “as licitações acompanhem os fluxos por onde os remédios saem”, com informatização. “No Ceará conseguimos relativo exito”, disse.

Para a atenção básica, Marina afirmou que pretende dividir o país em 400 regiões e criar uma autoridade nacional, que vai “cuidar da saúde” em parceria com autoridades nos municípios e estados – “escolhidas por concurso, para blindar da politicagem”. Não deu detalhes, mas disse que vai fortalecer o atendimento dos postos de saúde. E falou de dinheiro: “Vamos usar cada centavo do recurso da saúde para melhorar a vida das pessoas. Porque o dinheiro é pouco, apenas R$ 3 por paciente, por dia, mas se a gente usar corretamente dá para fazer muito. E eu e Eduardo Jorge temos o compromisso de aumentar os recursos para a saúde”, prometeu, sem mencionar a Emenda 95.

Já Ciro pretende, além de revogar essa Emenda, separar R$ 4 bilhões do orçamento da saúde para  premiar, com R$ 100 mil por ano, as unidades básicas de saúde que cumprirem metas de satisfação do usuário e metas objetivas para problemas como diabetes, mortalidade infantil e febre amarela.

A pergunta sobre aborto, de Dom João Bosco Barbosa, coube a Meirelles, que rapidamente disse ser favorável à vida e aos direitos das mulheres. Para o candidato, elas devem ter o direito de escolha “em situações em que se justifique”, ou seja, as já previstas em lei.

Sobre a Emenda 95, além de Ciro, Haddad e Boulos prometeram revogá-la. O bispo Dom Guilherme Werlang fez uma pergunta sobre isso justo para Alckmin, perguntando se “lhe parece uma proposta justa” congelar gastos primários em áreas como educação, saúde e segurança e, ao mesmo tempo, não congelar o pagamento dos juros. Alckmin falou, como sempre, que a Emenda é necessária para acertar a situação “gravíssima” em que o PT deixou as contas públicas. E simplesmente jogou a afirmação de que “na realidade educação e saúde não estão vinculadas, podem crescer mais do que as outras áreas, e eu vou priorizar”. Pena que não tinha réplica.

MAIS DUAS

Seguindo a série do Outra Saúde sobre os candidatos à presidência dessas eleições, essa semana temos mais duas análises das nossas jornalistas.

João Amoêdo (Novo) é apenas liberal até certo ponto, como mostra Maíra Mathias. Ela aponta que, embora o partido do candidato prefira se definir como “liberal” , em vez de como “esquerda” ou “direita”, isso tem seus limites: “Seu programa de governo prevê, na mesma frase, ‘a defesa das liberdades individuais com responsabilidade’ e o ‘livre mercado’ (este sem ressalvas)”. Amoêdo se diz “conservador nos costumes” e é contra, por exemplo, a descriminalização do aborto. Seu programa tem contradições, como a menção aos recursos limitados do SUS, ao mesmo tempo em que o texto diz que já se gasta muito na área.  Leia a análise completa aqui.

E Álvaro Dias mudou de opinião muito rápido sobre o financiamento do SUS. Nos governos do PT, julgava que a União precisava investir muito mais em saúde, além de melhorar a gestão e acabar com a corrupção. Mas votou pela Emenda 95 e seu antigo mantra foi ligeiramente modificado. Essa história, junto com suas propostas para a saúde, são analisadas por Raquel Torres.

CHUVA DE CRÍTICAS

Mesmo que não tenha ficado muito claro do que se tratava, a intenção declarada de Paulo Guedes, guru econômico de Bolsonaro, de criar um “imposto nos moldes da CPMF” sofreu críticas de todos os lados. Inclusive do próprio Bolsonaro. Segundo o Estadão, Guedes reduziu suas atividades eleitorais. O jornal fez um levantamento das menções de Bolsonaro à CPMF em seus quase 30 anos como deputado federal. Foram 25, sempre negativas. “Desgraça” e “maldita” foram algumas das palavras proferidas por ele ao longo desse tempo em relação à contribuição, destinada a custear saúde, previdência e combate à pobreza. Ele também já esbravejou contra nova alíquota do Imposto de Renda e contra a taxação de grandes fortunas.

Entre os demais, Alckmin disse que foi o primeiro “tiro” de Bolsonaro e Ciro acusou Guedes de “instrumentalizar economicamente o fascismo“. No debate da TV Aparecida a proposta foi lembrada por Meirelles, para quem ela “prejudica os mais pobres e também prejudica o funcionamento da economia”. Referindo-se à forma como Guedes costuma ser chamado por Bolsonaro, Marina disse que “está tendo um incêndio no ‘Posto Ipiranga’, eles não estão se entendendo”.

MENOS CRÍTICAS

Uma proposta mais definida e potencialmente muito mais danosa de Guedes, por outro lado, foi pouco comentada. É a ideia de definir uma alíquota única para o Imposto de Renda, que, como dissemos ontem, faria com que ricos e pobres paguem os mesmos 20% sobre suas rendas tributáveis, prejudicando quem ganha menos e favorecendo quem ganha mais (é claro que boa parte da renda dos muito ricos já não entra mesmo no IR). Fora das campanhas, houve repercussão.

Ao longo da tarde, Guedes desmentiu a informação, e disse que pretende “apenas” congelar a tarifa máxima em 20%, e não mais em 27,5%. Em artigo no El País , Charles Alcântara e Floriano de Sá (presidentes da Fenafisco e da Anfip, respectivamente) escrevem que as duas “versões” da proposta pioram o abismo entre ricos e pobres e ferem o princípio da progressividade do imposto de renda – a segunda, embora não prejudique os pobres, ajuda os ricos.

“Em terras liberais como o Reino Unido, os impostos são progressivos até 50%, o que permite ao Estado oferecer serviços públicos aos mais pobres. No mundo de Guedes, esses serviços inexistirão. O SUS (um sistema que garante saúde gratuita para 206 milhões de pessoas) será sucateado até sua morte, as agências de pesquisa e tecnologia serão letra morta, as universidades públicas deixarão de ser gratuitas, os museus queimarão e tudo o que ouviremos é o sr. Bolsonaro a dizer: ‘Já foi, o que você quer que eu faça?'”, escreveu Vladimir Safatle, em coluna da Folha. 

PERDIDOS

Os Estados Unidos não sabem o que aconteceu com cerca de 1.500 crianças migrantes que entraram no país este ano e foram encaminhadas a tutores. Uma investigação do Congresso está em curso, e se teme que essas crianças acabem nas mãos de traficantes de pessoas ou sejam usadas como trabalhadores por pessoas que fingem ser parentes.

DECISÕES PREJUDICAM CLIENTES

Consumidores de planos de saúde recorrem cada vez mais ao Judiciário para resolverem seus problemas, mas as decisões têm sido em geral contrárias a eles, mostra O Globo. Um exemplo é a recente decisão do STJ de que funcionários aposentados ou demitidos sem justa causa não tenham direito à manutenção no plano de saúde empresarial quando a mensalidade tiver sido paga pelo empregador. Agora, mesmo matérias que antes costumavam ser favoráveis aos clientes estão sendo negadas pelos juízes.

O CUSTO

Doenças ligadas à falta de saneamento básico levam a internações hospitalares que, só em 2017, geraram custos de R$ 100 milhões ao SUS.

SUICÍDIO AUMENTA NO BRASIL

Entre 2007 e 2016 o país teve um aumento de 16,8% no número de suicídios, e o crescimento entre homens foi de 28%. Em 2016 foram 1,4 mil mortes, 31 por dia. Os dados são do Ministério da Saúde.

DESVIOS

A Polícia Federal deflagrou ontem a operação Hospitator em Abaetetuba e Belém, no Pará, para investigar desvio de R$ 70 milhões destinados às áreas da educação, saúde e assistência social. Estão sendo cumpridos 20 mandados de busca e apreensão e 4 mandados de prisão temporária.

E em Chapecó (SC) é a operação Patriarcado, deflagrada ontem também para apurar desvios de R$ 16 milhões do SUS.

IMPEACHMENT DE CRIVELLA

A Câmara de Vereadores do Rio rejeitou ontem, pela segunda vez este ano, o impeachment do prefeito Marcelo Crivella. No último dia 12 a Justiça do Rio aceitou uma denúncia por improbidade administrativa contra o prefeito, devido àquela reunião com pastores evangélicos no início de julho, em que, entre outras coisas, Crivella ofereceu facilidades a fiéis para acesso à fila de cirurgias no SUS.

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