O cerco à Saúde continua

• Congresso irá controlar mais R$ 4,5 bi em emendas • Atropelamento da análise de liberação de verbas • Por falta de verba, SUS tem escassez de remédios contra hanseníase • Os porquês dos ataques midiáticos à Saúde •

.

O início deste ano eleitoral segue marcado por fatos que deixam clara a sede de parlamentares fisiológicos por orçamento. Dessa forma, a Saúde, que tem a maior de todas as dotações ministeriais, segue como alvo preferencial de Centrão e companhia, o que parece se intensificar após as controversas demissões de Helvécio Magalhães e Alexandre Telles, da Secretaria de Atenção Especializada à Saúde e da Diretoria Geral de Hospitais Federais do Rio, respectivamente. 

Agora, segundo o UOL, o Congresso conseguiu assegurar R$ 4,5 bilhões em emendas parlamentares, dinheiro que deveria ser utilizado de acordo com a tripartição do pacto federativo, isto é, a ação coordenada entre o Ministério da Saúde (MS), estados e municípios.  Dessa forma, os parlamentares conseguem introduzir seu corpo estranho nesta relação institucional e desviar dinheiro para seus projetos pessoais de poder e locupletação, conforme consagrado nos anos Bolsonaro, quando verbas de saúde e ciência foram alvo fácil. Não à toa, essas mesmas políticas foram claramente desmanteladas no período referente, ao passo que as taxas de sucesso eleitoral dos beneficiários destas verbas foram altas. 

Como demonstrado por Outra Saúde, as demissões no MS se deram no exato momento em que Nísia Trindade tentava aumentar o controle sobre as imbricadas relações de compadrio político neste braço da Saúde localizado no Rio de Janeiro. A partir de uma denúncia vazia, gerou-se a crise que fez o governo ceder às pressões. Já a intervenção do ministério nos hospitais federais, que tinha a finalidade de passar um pente fino em contratos, compras e nomeações, foi adiada em um mês. Os substitutos ainda não foram definidos, o que aumenta o suspense em torno de cargos tão almejados por grupos políticos desconectados de elaborações reais de políticas públicas e sem apoio algum em movimentos do setor.

Assalto à vista?

matéria de Natália Portinari ainda detalha como o Congresso conseguiu aprovar para o orçamento de 2024 uma regra que passa por cima da Secretaria de Relações Institucionais na análise de liberação de verbas. Comandada pelo ex-ministro da Saúde, Alexandre Padilha, a secretaria é obstáculo à sede por dinheiro fácil dos grupos políticos mais preocupados em alimentar suas bases regionais do que fortalecer o SUS. Com este pequeno golpe, os parlamentares poderão acessar as verbas diretamente em cada ministério.

Outro pequeno campo de batalha para controle de verbas se dá na Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados. Dentro da divisão de atribuições que abriram os trabalhos da Câmara neste ano, o PT conseguiu ficar com a direção desta comissão, por meio do deputado dr. Francisco (PT-PI), cuja atuação poderá decidir o destino de outros R$ 4,5 bilhões reservados à saúde. Até agora, Lula conseguiu vetar R$ 5,6 bilhões em emendas para todas as comissões, mas é certo que o Congresso presidido por Arthur Lira tentará derrubar a decisão e colocar a mão em mais esse manancial de dinheiro fácil.

Medicamentos de hanseníase em falta

Neste domingo, novas matérias em tom de denúncia, a partir da obtenção de dados que sugerem acesso privilegiado a informações, chegaram à mídia empresarial. Desta vez é a falta de remédios de hanseníase, doença que consta do rol de enfermidades negligenciadas no Brasil e teve aumento recente de infecções. Matéria da Folha acusa uma escassez dos medicamentos poliquimioterapia e clofazimina, recebidos por meio de doações da OMS e cujo suprimento é dificultado no momento pelos embates no Oriente Médio, que afeta o comércio global. O ministério se defende e diz que tem garantido tratamento com opções de “segunda linha”, ainda que admita não ser o ideal.

A mesma reportagem deixa claro que há uma falta de verbas para aquisição dos fármacos, o que ilustra o preço pago pela saúde pública e a cidadania ao ver bilhões de reais desviados para emendas parlamentares sem nenhuma coordenação técnica em seu uso. Em janeiro, o ministério lançou o Plano Brasil Saudável, que visa o controle e até erradicação de ao menos 12 doenças socialmente determinadas, entre elas a hanseníase. O plano segue as diretrizes e metas estabelecidos pela OMS, dentro da chamada Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável criada pela ONU.

Estranhas omissões

Ao Outra Saúde, Fernando Pires, da Frente Pela Vida e editor do Observatório de Políticas Públicas, fareja o que pode estar por trás do trabalho de uma mídia que se caracterizou pelo antipetismo visceral e agora encontra informações e relatórios de difícil acesso. Isso enquanto omite iniciativas estruturantes amplamente divulgadas pelo ministério, a exemplo do Plano Brasil Saudável, que reconhece a hanseníase como doença historicamente negligenciada.

“A questão é que estão vasculhando tudo para jogar na mídia corporativa. Como a saúde é complexa, multidimensional, com três esferas do governo, a população não consegue discernir responsabilidades e debita tudo na conta do SUS – diga-se ministério – livrando municípios e estados, os quais ainda transferem as ‘culpas’ num esquema bem orquestrado. E sempre há o que se criticar, porque há um problema estrutural de subfinanciamento e de gestão dos entes federados”, explicou.

A tese de Fernando parece crível se analisarmos a abordagem desta mesma mídia em relação à epidemia de dengue. Joga-se toda a responsabilidade pelo combate à doença num órgão federal, ao passo que o poder público municipal, responsável pelo ataque efetivo aos focos de dengue, fica omitido. Sede de grande parte dos grandes conglomerados de comunicação, a cidade de São Paulo parece ilustrativa da manipulação da informação: enquanto os casos de dengue explodem e a cidade declara emergência em saúde, a greve dos agentes de combate a endemias é ignorada pela mídia e o prefeito sequer tem seu nome citado em noticiários de grande alcance.

Leia Também: