Mais trocas na Saúde

• Ministério da Saúde promove mais demissões em secretarias • A falta de medicamentos para hanseníase • A falta que faz uma indústria forte de saúde • O combate às doenças negligenciadas • Massuda na SAES • Troca na saúde indígena •

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As trocas de comando em importantes setores do Ministério da Saúde continuam. Desta vez, a mudança se deu na pasta de Vigilância de Doenças em Eliminação, que trata do combate às chamadas “doenças negligenciadas”. Sandra Maria Barbosa Durães deixa o comando desta coordenação, subordinada ao Departamento de Doenças Transmissíveis, que por sua vez faz parte do escopo da Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, comandada por Ethel Maciel. Ainda não foi anunciado o novo nome para o cargo e o ministério não se pronunciou a respeito da mudança.

A decisão sugere que o governo tem se guiado pela pauta negativa de uma mídia que nunca se caracterizou pela defesa do SUS e seu financiamento. Mais que isso, serve de plataforma de recados de uma política fisiológica, simbolizada no bloco político parlamentar conhecido como “Centrão”. Nos anos Bolsonaro, esses deputados tomaram de assalto o orçamento da Saúde e da Ciência e contribuíram para uma forte desorganização do sistema de saúde pública do país. Agora, o “Centrão” consegue atropelar ritos institucionais e se apoderar de verbas bilionárias, que serão usadas com finalidades políticas acima de qualquer coordenação técnica, como descrito pelo Outra Saúde nesta semana.

Ataques em série

Nísia Trindade e agora Ethel Maciel têm sido alvo frequente de especulações que visam sugerir ao público falta de capacidade política e administrativa – mas que carecem de qualquer debate técnico consistente. No caso de Maciel, a crise da dengue é o gancho, ainda que sua prevenção seja responsabilidade objetiva dos municípios. O mesmo se deu na Secretaria de Atenção Especializada em Saúde, quando uma denúncia vazia do Fantástico desencadeou uma reação defensiva do governo Lula, preocupado com índices de aprovação em queda.

O motivo em questão foi a crise crônica dos Hospitais Federais do Rio, importante braço da saúde especializada e historicamente palco de disputas fisiológicas pelo controle de cargos e verbas. A matéria, que dissimulou o notório desmonte dos anos Temer e Bolsonaro, denunciou o secretário Helvécio Magalhães sem nenhum dado objetivo, no exato momento em que Nísia o revestia de plenos poderes para uma intervenção mais dura na Diretoria Geral de Hospitais Federais do Rio. No entanto, o experiente secretário acabou queimado e exonerado ao lado de Alexandre Telles, que chefiava tal diretoria desde maio passado e cuja nomeação gerou ciúmes em grupos políticos locais.

Falta de medicamentos importados

No caso de Durães, a troca parece motivada pelas denúncias de falta de medicamentos para hanseníase, uma das doenças evitáveis historicamente negligenciadas no país. A falta de insumos já era de conhecimento do setor, como demonstrado pela Sociedade Brasileira de Dermatologia, que manifestou preocupação a este respeito em janeiro. Os fármacos são majoritariamente produzidos pela Novartis e fabricados na Índia.

Soberania em saúde

A crise no fornecimento de remédios de uma doença de controle relativamente fácil, ainda que o Brasil seja um epicentro da hanseníase, reforça a importância do impulsionamento de uma indústria nacional de saúde. O Ministério calcula 59 mil mortes entre 2017 e 2021 de doenças como malária, Chagas, tracoma, filariose linfática, esquistossomose, oncocercose, geo-helmintíase, hepatite B, HIV e HTLV. Como explicado pelo infectologista Julio Croda em entrevista à BBC Brasil, muitas dessas doenças e mortes poderiam estar sob controle se seu combate estivesse orientado pelo interesse público, e não pela chamada “mão invisível do mercado”.

“São aquelas condições em que não existe um investimento importante, principalmente no que diz respeito à inovação tecnológica e à descoberta de novos medicamentos, vacinas ou testes diagnósticos. Falamos de doenças negligenciadas, mas o correto seria falar de doenças que acometem populações negligenciadas. Isso porque elas estão associadas a desigualdades sociais e econômicas, o que também leva ao baixo interesse da indústria farmacêutica em produzir inovações, pois do ponto de vista financeiro não se trata de um mercado lucrativo”, explicou.

Investimentos no combate à hanseníase e outras doenças negligenciadas

O primeiro mês do ano é conhecido dentro do calendário da saúde como “janeiro roxo”, dedicado justamente à prevenção da hanseníase. Na ocasião, o governo anunciou investimentos de R$ 55 milhões no combate a esta doença. Também em janeiro, o governo lançou um ambicioso plano de combate às doenças negligenciadas, o Plano Brasil Saudável, que visa erradicar ou ao menos controlar 12 doenças curáveis e evitáveis, entre elas a hanseníase.

A iniciativa integrará ações entre 13 ministérios e foi tratada por Nísia Trindade e demais secretários como um momento histórico, no qual o Estado brasileiro reconhecia “as determinações sociais” de tais doenças, causadas pela ausência crônica de investimentos públicos em direitos essenciais do povo brasileiro, a exemplo do saneamento, causa central de maioria das doenças em questão, além da pobreza e desigualdade socioeconômica estruturais.

Reparação histórica

Em novembro, o presidente Lula sancionou a lei 3023/2022, que concede direito à pensão vitalícia a filhos de brasileiros que, em décadas passadas, foram isolados em colônias de tratamento de saúde por serem portadores de hanseníase, doença que carregou estigmas sociais durante séculos. Segundo o Movimento de Reintegração dos Acometidos pela Hanseníase (MORHAN), cerca de 15 mil brasileiros podem ser alcançados pela lei.

Adriano Massuda na Secretaria de Atenção Especializada

Nesta vertigem de crises artificialmente criadas, que ignora os aspectos crônicos da saúde pública brasileira, o sanitarista e professor da FGV Adriano Massuda é anunciado para o lugar de Helvécio Magalhães. “Sanitarista brasileiro com trajetória reconhecida, Adriano tem experiências importantes tanto na gestão, dentro e fora do Ministério da Saúde quanto na área acadêmica, sendo um pensador da saúde pública e do SUS. Tudo o que eu considero importante para um desafio tão grande”, elogiou Nísia em suas redes sociais.

Ou seja, como antecipou o Outra Saúde, o centrão bateu, mas não levou a Secretaria mais rica do Ministério da Saúde. A SAES controla R$ 81 bilhões. Isso parece explicar a continuidade dos movimentos desestabilizadores replicados por certa mídia.

Troca na saúde indígena

Nesta semana, também houve mudança na Secretaria de Saúde Indígena, que viu a saída de Carmem Pankaruru, diretora do departamento de Atenção Primária à Saúde Indígena. A motivação seria a dificuldade em solucionar a crise humanitária no território yanomami. Segundo Weibe Tapeba, chefe da Secretaria de Saúde Indígena, a troca já estava prevista. Alvo da mineração ilegal de ouro, a terra indígena virou epicentro de uma ofensiva brutal de garimpeiros, facilitada por um papel vexaminoso do exército brasileiro, pouco empenhado em afastar os exploradores ilegais.

O saque dos recursos naturais da TI Yanomami foi amplamente incentivado pelo governo Bolsonaro e o alto comando militar, até hoje portador de uma visão racista e conspiratória a respeito da autodeterminação dos povos indígenas. Também conta com apoio e participação do governo de Roraima, chefiado pelo bolsonarista Antonio Denarium,envolvido em denúncias de corrupção, inclusive na área yanomami, que se segura no cargo após três decisões judiciais pela sua cassação. O problema tem alcance regional e está por trás da visita do presidente francês Emmanuel Macron à América do Sul. Isso porque também há avanço de mineração ilegal de ouro na Guiana Francesa, pais que faz fronteira com o estado do Amapá.

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