Ninguém checou

Post sobre venda de vacina em Madureira viralizou, também graças à imprensa. Faltou apurar os fatos, que apontam para fake news

.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 23 de dezembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

A notícia de que camelôs já vendem vacinas falsas contra a covid-19 no Rio se espalhou mais rápido que o vírus. Tanto sites menos conhecidos até grandes veículos, como Folha e UOL, publicaram manchetes sobre o caso tragicômico. Mas, em grupos de jornalistas, o que mais chamou a atenção foi o fato de essas reportagens terem esquecido a regra zero da profissão: não apuraram o fato noticiado.

Os repórteres se basearam no relato do produtor cultural Jonas MFJay, que publicou uma foto da suposta vacina falsa em sua conta do Facebook na quinta-feira. De acordo com ele, em Madureira, um vendedor ambulante anunciava a plenos pulmões a venda da caixinha de vacina a R$ 50, dizendo ainda que havia um esquema com a farmácia ao lado para aplicá-la por R$ 10 extras. A Folha chegou a procurar a Guarda Municipal do Rio, que respondeu não ter constatado a venda do produto em seu patrulhamento. Mas, com a história de MFJay sendo o foco da notícia, teria sido necessário ir a campo buscar outras evidências que a sustentassem. Ninguém fez isso.

Marco Faustino, colaborador do site e-Farsas, afirmou no Twitter que é um caso de fake news. “Desde o começo essa história tinha uma ‘red flag’ gigantesca: uma única foto. Só uma foto? Sem vídeo? E a aplicação? E a foto do certificado? Se isso fosse tão comum, dada a ‘crença cega’ (para não dizer outra coisa) das pessoas, centenas já teriam comprado e diversas fotos e vídeos estariam pipocando por aí, mas não há absolutamente NADA. Uma parte da imprensa deu voz a uma mera evidência anedótica“, critica. De acordo com ele, a foto que ilustra todas as matérias é idêntica a outra tirada em Abu Dhabi. E, ainda por cima, mostra a caixa de uma vacina da estatal chinesa Sinopharm, que não tem nenhum contrato com o Brasil. 

A Anvisa e a Polícia Federal estão apurando o caso. Mas, diante de tanta repercussão, o próprio MFJay já amenizou a história, dizendo que fez o post para brincar com algo inusitado que teria testemunhado.

Não é nada improvável que vacinas falsas comecem a circular (a falsificação na indústria farmacêutica é um problema de longa data). Mas, por ora, não temos informações suficientes para dizer que isso já esteja acontecendo no Brasil. 

Leia Também: