As lições da nova variante do coronavírus

Boris Johnson é pressionado a impor novo lockdown. OMS recomenda bloqueios aéreos – mas Brasil se omite

Foto: Daniel Roberts
.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 22 de dezembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Boris Johnson está enfrentando intensa pressão para impor um terceiro lockdown nacional dentro de alguns dias. Segundo o Guardian, casos de infecção pela nova variante do vírus já foram detectados em todo o Reino Unido, e ontem o consultor científico do governo, Patrick Vallance, admitiu à imprensa que a nova cepa está “em toda parte” e os casos iriam aumentar depois da “mistura inevitável” do Natal. 

Por isso, cientistas acreditam que é improvável que a variante seja contida com um lockdown restrito ao sul e ao leste da Inglaterra. Segundo eles, o país caminha para uma situação parecida a do primeiro pico da pandemia, com o congestionamento no sistema público de saúde piorado por conta do inverno. O país confirmou 33.364 casos e 215 mortes ontem.

É incômodo pensar que apenas duas semanas separam o otimismo provocado pela imagem da primeira pessoa se vacinando no mundo ocidental, lá mesmo no Reino Unido, e o debate sobre um novo fechamento total do país. Não deixa de ser mais uma valiosa lição dessa pandemia – ainda mais para quem, como nós no Brasil, passou a apostar todas as fichas na vacina diante da recusa das autoridades e da própria população de levarem o vírus a sério. 

Por lá, ressurge a discussão de perseguir a “estratégia zero covid”. Seria decretar um lockdown nacional, esperar a transmissão baixar bastante e investir tudo em testes, rastreamento de contatos e isolamento, seguindo o modelo chinês e sul-coreano. “Parece caro, mas a alternativa pode ser um colapso catastrófico na confiança do país em controlar o vírus – seguido de desastre econômico, humano e social”, defende Robert West, da University College, no Guardian.

Para piorar, com a iminência do Brexit – ainda em sua versão sem acordo com a União Europeia – cresce o medo de que o Reino Unido sofra algum tipo de desabastecimento. Ontem, o governo pediu para a população não estocar alimentos já que a França, a despeito de um apelo público de Johnson, manteve a proibição de circulação não só de pessoas, como também de cargas entre os países.

Sem bloqueio

Mais de 40 países já impuseram bloqueios aéreos ao Reino Unido. Entre eles, nossos colegas sul-americanos Argentina, Chile, Colômbia e Peru. O Brasil não está nessa lista. Procurado, o governo demonstrou mais uma vez seu alto grau de incapacidade para lidar com a pandemia. Isso porque, em tese, estamos no clube das nações que aceitam viajantes de qualquer nacionalidade que apresentem um teste RT-PCR negativo para o coronavírus, conforme uma portaria editada na semana passada. Mas acontece que essa norma só passa a valer no dia 30 de dezembro. Até lá? Ninguém sabe. 

Depois de afirmar que “acompanha diariamente a situação do coronavírus no Brasil e no mundo”, a Casa Civil se fechou em copas. Procurada, pediu que jornalistas questionassem os vários ministérios que compõem o grupo executivo (GEI) responsável pela tomada desse tipo de decisão se quisessem obter mais detalhes. As pastas, por sua vez, redirecionavam os questionamentos para a Casa Civil.

Enquanto isso, até a sempre diplomática Organização Mundial da Saúde (OMS) está de acordo com os bloqueios desta vez. O diretor de emergências da organização, Michael Ryan, afirmou ontem que essas medidas são “prudentes” pois seguem o princípio da precaução

Efeito nas crianças

Em uma coletiva de imprensa ontem, cientistas que assessoram o governo britânico disseram que agora têm “alta confiança” de que a nova cepa tem uma vantagem de transmissão sobre outras variantes do vírus que já circulavam no Reino Unido. “Ainda não entendemos os mecanismos biológicos exatos”, disse Peter Horby, professor de doenças infecciosas emergentes da Universidade de Oxford, que preside o grupo de conselheiros. “Portanto, ainda há muita incerteza sobre como está ocorrendo e a extensão da transmissibilidade extra”, avisou.

A novidade do dia foi que os cientistas desconfiam que essa variante tenha uma maior facilidade para atingir crianças. Normalmente, os pequenos têm menos probabilidade do que os adolescentes e adultos de se infectarem ou transmitirem o vírus. “Não estabelecemos qualquer tipo de causalidade, mas podemos ver nos dados”, disse Neil Ferguson, epidemiologista do Imperial College – que, no entanto, também admitiu que mais informações são necessárias para bater o martelo.

E a imunidade?

Além da capacidade de transmissão, outra questão que precisa ser esgotada é se a variante tem efeito na proteção que as pessoas adquiriram contra o vírus, seja porque já foram infectadas ou porque estão sendo vacinadas contra ele. Embora vários veículos tenham destacado que não há risco – e seja verdade que essa é a opinião da maioria até agora –, encontramos boas reportagens que dão espaço para argumentos mais cautelosos. 

O principal contraponto é dado por Kristian Andersen, virologista do Scripps Research Institute. Ele tem explicado que as vacinas não se tornariam inúteis da noite para o dia, mas menos eficazes caso a variante tenha as adaptações certas. “Não sabemos, mas saberemos em breve”, disse.  As respostas virão dos estudos em andamento no Reino Unido, que envolvem extrair anticorpos do sangue de pessoas que se recuperaram da covid-19 ou foram imunizadas e, em laboratório, testar se eles ainda neutralizam a variante.

Ontem, na mesma coletiva de imprensa dada pelos cientistas que assessoram o governo britânico, a chefe de doenças infecciosas do Imperial College, Wendy Barclay, também falou sobre a possibilidade de reinfecção. “Há uma chance de que os anticorpos produzidos na primeira infecção não funcionem tão bem contra a nova variante”, disse. Mas ela também ressaltou que o sistema imunológico tem outras armas contra o vírus, como as células T. E, no caso das vacinas, que seria improvável que as mutações da variante consigam elidir completamente os anticorpos produzidos, já que eles se alojam em diferentes partes da proteína em forma de coroa e têm abordagens diferentes para combater o vírus.

As vacinas autorizadas até agora no mundo – da Pfizer e da Moderna – foram projetadas para ensinar o sistema imunológico a produzir anticorpos que podem reconhecer e bloquear as proteínas da espícula, justamente o trecho do genoma que têm as mutações mais preocupantes nessa variante B.1.1.7. Mais de meio milhão de pessoas já receberam a vacina da Pfizer no Reino Unido.

Origem

O melhor palpite até agora para explicar por que essa variante do vírus acumulou tantas mutações (que, aliás, dependendo da fonte, são 23 ou 17) está na sua origem. É possível que o vírus tenha permanecido ativo dentro de uma mesma pessoa doente por semanas ou meses – e essa infecção de longa duração teria dado tempo ao patógeno para se adaptar. 

Leia Também: