Ninguém checou
Post sobre venda de vacina em Madureira viralizou, também graças à imprensa. Faltou apurar os fatos, que apontam para fake news
Publicado 23/12/2020 às 09:34 - Atualizado 23/12/2020 às 09:51

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 23 de dezembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.
A notícia de que camelôs já vendem vacinas falsas contra a covid-19 no Rio se espalhou mais rápido que o vírus. Tanto sites menos conhecidos até grandes veículos, como Folha e UOL, publicaram manchetes sobre o caso tragicômico. Mas, em grupos de jornalistas, o que mais chamou a atenção foi o fato de essas reportagens terem esquecido a regra zero da profissão: não apuraram o fato noticiado.
Os repórteres se basearam no relato do produtor cultural Jonas MFJay, que publicou uma foto da suposta vacina falsa em sua conta do Facebook na quinta-feira. De acordo com ele, em Madureira, um vendedor ambulante anunciava a plenos pulmões a venda da caixinha de vacina a R$ 50, dizendo ainda que havia um esquema com a farmácia ao lado para aplicá-la por R$ 10 extras. A Folha chegou a procurar a Guarda Municipal do Rio, que respondeu não ter constatado a venda do produto em seu patrulhamento. Mas, com a história de MFJay sendo o foco da notícia, teria sido necessário ir a campo buscar outras evidências que a sustentassem. Ninguém fez isso.
Marco Faustino, colaborador do site e-Farsas, afirmou no Twitter que é um caso de fake news. “Desde o começo essa história tinha uma ‘red flag’ gigantesca: uma única foto. Só uma foto? Sem vídeo? E a aplicação? E a foto do certificado? Se isso fosse tão comum, dada a ‘crença cega’ (para não dizer outra coisa) das pessoas, centenas já teriam comprado e diversas fotos e vídeos estariam pipocando por aí, mas não há absolutamente NADA. Uma parte da imprensa deu voz a uma mera evidência anedótica“, critica. De acordo com ele, a foto que ilustra todas as matérias é idêntica a outra tirada em Abu Dhabi. E, ainda por cima, mostra a caixa de uma vacina da estatal chinesa Sinopharm, que não tem nenhum contrato com o Brasil.
A Anvisa e a Polícia Federal estão apurando o caso. Mas, diante de tanta repercussão, o próprio MFJay já amenizou a história, dizendo que fez o post para brincar com algo inusitado que teria testemunhado.
Não é nada improvável que vacinas falsas comecem a circular (a falsificação na indústria farmacêutica é um problema de longa data). Mas, por ora, não temos informações suficientes para dizer que isso já esteja acontecendo no Brasil.
Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras