Multiplicam-se indícios do protagonismo de Paulo Guedes no atraso das vacinas

Guedes teria resistido desde o início ao dispositivo legal que permitira compra de imunizantes da Pfizer e da Janssen

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A CPI quer saber por que um dispositivo que facilitava a aquisição de vacinas da Pfizer e da Janssen foi eliminado da MP das vacinas, publicada pelo presidente Jair Bolsonaro em janeiro. Uma das minutas desse texto autorizava a União a assumir riscos e custos de eventuais eventos adversos dos imunizantes, exigência das duas farmacêuticas, e poderia ter antecipado a compra dessas vacinas que aconteceu só em março, graças a uma lei do Congresso Nacional. E o Ministério da Economia pode ter muito a ver com isso.

A pasta de Paulo Guedes disse à comissão que só foi chamada a se manifestar sobre o assunto no momento da sanção da MP, em março. Mas documentos obtidos pela CPI e divulgados pela Folha mostram o contrário: a equipe econômica se envolveu nos debates desde sempre

O jornal ouviu fontes que acompanharam as arrastadas negociações com a Pfizer e relataram que ainda antes da elaboração da minuta da MP, Guedes se opunha à compra por conta da exigência da farmacêutica, alegando custos futuros à União. “Guedes não apresentou uma estimativa de gastos. A argumentação foi genérica, de acordo com relatos de participantes do encontro”, diz a reportagem.

As coisas ficam no ar também quando se olha um parecer jurídico do Ministério da Saúde que recomendava que o time de Guedes avaliasse o dispositivo da responsabilidade da União. O documento lembrava que havia um precedente na Lei Geral da Copa, na qual o governo federal assumiu responsabilidades relacionadas ao torneio e ficou autorizado a oferecer garantias e contratar seguros. A Economia não fez essa avaliação. Afirma que o pedido não chegou até a pasta – o que deveria acontecer via Casa Civil, que também não explica por que essa mediação não aconteceu.

Já na fase de rascunho da MP, acontece o sumiço do tal dispositivo. Segundo a Folha, a supressão pegou de surpresa os técnicos da Saúde que trabalharam na elaboração da medida provisória. “Eles não foram informados do porquê da mudança.” 

No entanto, os chefes dos técnicos na época parecem saber. A versão apresentada por Eduardo Pazuello e Elcio Franco nos depoimento que prestaram à CPI aponta um culpado para esse sumiço: o ministro Paulo Guedes. Franco foi categórico ao dizer que o dispositivo que teria permitido a compra da vacina da Pfizer foi retirado da MP “por falta de consenso”, “particularmente do Ministério da Economia.”

No lugar do dispositivo em que a União assume os riscos, a MP ganhou uma versão que transferiria ao vacinado o ônus por efeitos adversos. Algo que, convenhamos, segue uma lógica bem… guediana. 

A constitucionalidade do artigo foi questionado dentro do governo, também pela área técnica do Ministério da Saúde. Mas continuou na MP, assinada por Bolsonaro e Guedes em 17 de dezembro, mesmo assim. No mesmo dia, lembra a Folha, o presidente disse a famosa frase: “Se você virar um jacaré, é problema seu”.

Alguma coisa estranha há tanto no sumiço de um dispositivo, quanto no surgimento do outro, pois na reportagem da Folha o Ministério da Economia muda sua versão várias vezes. Até que, confrontado com documentos de outras pastas, reconhece que houve participação de seus servidores em reuniões e que participou da fase final de elaboração do texto. Mas mantém a afirmação de que Guedes não orientou sua equipe contra o dispositivo. 

Segundo o Valor, a CPI quer ouvir Guedes, mas não tem pressa. Deve convocar antes o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, que defendeu a tese de imunidade de rebanho como forma de combate à pandemia sem consultar o Ministério da Saúde.

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