Meio se debate para chegar lá

Ciro, Alckmin, Marina e Dias atacaram os melhores colocados na disputa presidencial

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27 de setembro de 2018

MEIO SE DEBATE PARA CHEGAR LÁ

A linha do debate ontem foi dada pelos candidatos da ‘meiuca’ e seus alertas sobre a “polarização odienta”, para ficar numa expressão, no segundo turno. Descolados dos demais, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) foram, naturalmente, os alvos. Praticamente todas as interações de Haddad com seus adversários resvalaram na condenação da corrupção pelos segundos. Já em relação à Bolsonaro, ainda hospitalizado, condenou-se a intolerância, a discriminação e até Álvaro Dias (Pode) – que taxou o PT de “organização criminosa” numa pergunta sobre quem apoiará no segundo turno – o caracterizou como “extrema direita”.

Geraldo Alckmin (PSDB) bateu na tecla do “momento de reflexão” dos eleitores que não querem “ajudar o PT a voltar ao poder”. Terceiro colocado nas pesquisas, Ciro Gomes (PDT) – que foi ao debate contrariando orientações médicas – ressaltou que ganha de Bolsonaro, Haddad e Alckmin nas simulações de segundo turno. A nova estratégia de Marina Silva (Rede) é claramente focada no voto feminino. A candidata se dirigiu às mulheres várias vezes, e fez perguntas sobre as propostas dos candidatos para elas. Os chamados “nanicos”, com exceção de Álvaro Dias, continuaram ligados à chave anterior, e apresentaram ideias. Algumas mais claras, outras mais confusas (bem confusas, na verdade) caso do Cabo Daciolo (Patriotas) que desceu dos montes para o debate e, nas considerações finais, “profetizou” sua vitória no primeiro turno com 51%.

Vamos à saúde. Apareceu bem pouco. A interação mais longa aconteceu no último bloco, quando Alckmin perguntou a Ciro quais são as prioridades para a área “que mais preocupa os brasileiros”. O candidato do PDT falou que pretende implantar no país a rede de policlínicas do Ceará, com o objetivo de resolver o gargalo dos brasileiros na busca por especialistas e exames. Falou em fortalecer a atenção básica, premiando com R$ 100 mil as unidades de saúde que se sobressaírem numa pesquisa que incluiria atendimentos materno-infantis, controle de diabetes, hipertensão e satisfação dos usuários. Na réplica, o ex-governador de São Paulo disse que vai investir na área, e incluiu o saneamento básico como um componente importante para a saúde. Disse que água tratada, vacinas e antibióticos são os três grandes responsáveis pelo aumento da expectativa de vida do brasileiro (não, as políticas de proteção social não têm nada a ver com isso, aparentemente). Na tréplica, Ciro pegou carona, puxando brasa para a sardinha da reindustrialização do país, eixo do seu programa. Afirmou que o complexo industrial da saúde é importante e que o país deveria investir mais e produzir mais remédios por aqui, e que isso empregaria não as pessoas nos Estados Unidos e na Europa, mas aqui.

No segundo bloco, quando jornalistas perguntaram aos candidatos, Débora Bergamasco (SBT) questionou Guilherme Boulos sobre referendos, inclusive sobre a descriminalização das drogas. O candidato do PSOL disse que sim, que sabia que era um tema tabu, mas que faria um trabalho prévio à consulta popular para informar a população e que as drogas deveriam ser um problema do SUS. Em outra oportunidade, detalhou mais o que pensa sobre a guerra às drogas, mencionando a consequência mais evidente de seu fracasso: o extermínio da juventude negra e pobre no país.

No último bloco, Marina Silva falou sobre um programa chamado “Vida Digna” e afirmou que as mulheres teriam direito a atendimentos de saúde sempre que precisassem por meio dele. Cabo Daciolo criticou o fundo eleitoral e o fundo partidário porque “tiram dinheiro da educação e da saúde”.

Além da corrupção e do segundo turno, os destaques do debate organizado por SBTFolha UOL foram a criação de empregos e a educação (que, aliás, Haddad disse ser a base de seu programa nas considerações finais). Foram abordadas desde creches até o ensino superior.

SAÚDE E BOULOS

Continuando nosso especial sobre as eleições 2018, a análise da vez se debruça sobre as propostas de Guilherme Boulos (PSOL) para a saúde. Desde a pré-campanha, o tema foi destaque nas falas do candidato. E isso se reflete no programa de governo, em que a palavra “saúde” é mencionada 119 vezes – em média, uma vez a cada duas páginas. Para além da quantidade, há “tutano”. Ele defende o SUS como sistema público, universal e gratuito, de responsabilidade de um Estado forte, com gestão direta e aponta diversas medidas para garantir mais recursos para o Sistema. Também toca em vespeiros, como o aborto legal e a descriminalização das drogas.

LIBERADO

Segundo o cirurgião Antonio Luiz Macedo, chefe da equipe médica que acompanha Jair Bolsonaro no Einstein, não há nenhuma contraindicação que impeça o candidato de participar dos debates na televisão. Há ainda dois, o da Record no domingo e o da Globo na próxima quinta. Bolsonaro deve receber alta do hospital amanhã.

ESQUELETOS NO ARMÁRIO

Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro, desmentiu a reportagem publicada ontem pela Folha baseada em um documento oficial do Itamaraty, de 2011. No telegrama, obtido pelo jornal, ela afirma que teria fugido do Brasil após ser ameaçada de morte por Bolsonaro. O relato foi feito ao vice-cônsul da Noruega e o contato da diplomacia brasileira com ela aconteceu a pedido do então deputado federal. O pano de fundo seria a disputa pela guarda do filho do casal, então com 12 anos. Hoje o jornal traz outra matéria. Desta vez, ouviu cinco pessoas que conviveram com ela na Noruega e confirmam o relato (que já havia sido confirmado pelo então embaixador Carlos Henrique Cardim, que assina os documentos referentes ao caso).  Ana Cristina teria tentado asilo político naquele país, sem sucesso, e repetia que sua “cabeça” valia R$ 50 mil. Segundo as fontes da reportagem, ela chegou ao país fragilizada e recebeu ajuda de vários brasileiros, pois não falava o idioma do país, nem tinha inglês fluente.

Atualmente, Ana Cristina usa o sobrenome Bolsonaro, e tenta se eleger deputada federal pelo Podemos fluminense.

A reportagem de ontem é assinada por Rubens Valente e Marina Dias. A repórter foi ameaçada pela rede de apoiadores de Bolsonaro na internet. Eles acabaram vazando a foto de outra jornalista, homônima, como tentativa de intimidação. O caso foi condenado pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo.

ESQUELETOS NAS REDES

Um artista contrário a Bolsonaro publicou no Instagram uma imagem de simulação de tortura. Nela, um homem ensanguentado e com escoriações tem sua cabeça envolvida por um saco plástico, os braços amarrados e a hashtag #elenão escrita no peito. Grupo simpatizante de Bolsonaro se apropriou da foto, repostando a imagem com a seguinte legenda: “Sobre pais que choram no chuveiro… #EleSIM17”. Essa frase circula como ataque aos gays que causariam “vergonha” aos seus pais.  Pois bem: filho do presidenciável, o vereador pelo Rio Carlos Bolsonaro (PSC), resolveu republicar a postagem da página de direita, adaptando. Sobre a foto escreveu: “Sobre pais que choram no chuveiro!”.

SUSETE

O Centro Brasileiro de Estudos em Saúde (Cebes) estreou ontem o projeto ComunicaSUS. Trata-se de uma radionovela, com dez capítulos, que tem como protagonista a agente comunitária de saúde ‘SUSete’. O primeiro deles já está no ar. Num diálogo descontraído, SUSete e sua amiga Norma abordam retrocessos como a Emenda Constitucional 95 e problemas como a falta de valorização dos profissionais do Sistema Único para alertar: é preciso pensar no SUS nessas eleições. Segundo o Cebes, o objetivo é “ajudar na construção do conhecimento do que seja o SUS, de modo a instrumentalizar a sociedade na luta pelos seus direitos e os trabalhadores da saúde na valorização do seu trabalho na perspectiva do fortalecimento e da consolidação” do Sistema.

PERIGO À VISTA

O novo presidente da Anvisa está com o “trator ligado”, alerta João Peres, editor do site O Joio e o Trigo. Nomeado na última sexta, Willian Dib parece estar alinhado à indústria em um dos temas mais candentes na agência: a rotulagem de alimentos. O debate sobre como devem ser os alertas que informem o excesso de sal, açúcar e gorduras saturadas nas embalagens tem sido judicializado pela principal representante do setor, a Abia.

É que as empresas querem que o país adote um modelo do tipo “semáforo”, em que aparecem cores verde, amarela e vermelha, dependendo da quantidade dessas substâncias que tanto colaboram para o aumento dos índices de obesidade no país. Mas a área técnica da agência reguladora, entidades ligadas à defesa do consumidor e saúde, além de especialistas em alimentação defendem o modelo chileno. As embalagens chamariam atenção por escrito: “alto em açúcares”, “alto em sódio”, etc. O ex-presidente da Anvisa, Jarbas Barbosa, era a favor. Mas Dib, assim que assumiu, tratou de dar uma guinada, dizendo que o modelo defendido pela indústria é melhor. “O novo presidente afirmou ainda que a posição é consensual dentro da agência, o que, sabe-se, não corresponde à realidade”, nota Peres.

Dib fica no órgão até o fim de 2019. Ironia das ironias, é cardiologista. Foi deputado federal e prefeito de São Bernardo do Campo pelo PSDB. Fazia parte da diretoria da Anvisa desde 2016. Foi nomeado para o comando do órgão depois que a indicação original de Michel Temer fez água. Rodrigo Dias, ligado ao Partido Progressista (PP) que já tem o Ministério da Saúde, é acusado de violência contra a esposa. Ele é presidente de outro órgão do governo federal, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

“MUSA DO VENENO”

A deputada federal Tereza Cristina (DEM-MS) já recebeu para sua campanha de reeleição a doação de 12 empresários ligados ao agronegócio, num total de R$ 350 mil. Quem se lembra dela? Recebeu o apelido de “musa do veneno” dos colegas parlamentares por presidir a comissão especial instaurada para desregulamentar a legislação sobre agrotóxicos no país.

FILANTRÓPICAS

O Ministério da Saúde divulgou ontem um balanço (comemorativo) sobre a certificação de entidades beneficentes de assistência social, conhecida pela sigla Cebas. A pasta concedeu este ano 619 Cebas (94 só em setembro!). A certificação isenta as instituições de contribuições sociais, permite que celebrem convênios com o SUS e se beneficiem de emendas parlamentares, propostas e projetos de financiamento, dentre outras coisas. No Brasil, 1.921 entidades possuem Cebas, sendo 1.376 hospitais e 545 unidades ambulatoriais. Os requisitos para obter o certificado, segundo o Ministério, são oferecer pelo menos 60% de internações ou atendimentos pelo SUS e cumprir metas. Ainda de acordo com a pasta, santas casas e hospitais filantrópicos respondem por mais da metade das internações de média e alta complexidade do Sistema Único.

VOLTANDO ATRÁS

Reportagem no Intercept explica como o prefeito de São Paulo Bruno Covas (PSDB) está, na encolha, desfazendo a política de João Doria para o tratamento de usuários de drogas que ficou conhecida no país inteiro com a ação ostensiva de “fim” da cracolândia no ano passado. “No discurso, Covas tem dito que mantém a política de Doria para a Cracolândia. Mas, na prática, o que ele tem feito se assemelha mais ao que fez Fernando Haddad”, escreve o repórter Daniel Mello. Covas já reduziu quase um terço das vagas para internação e deve assinar um convênio com uma ONG, voltado para oferta de vagas de trabalho para usuários de crack.

CASSADO

O Conselho Regional de Medicina do Rio cassou o registro do ex-secretário estadual de saúde, Sérgio Côrtes. O órgão ainda não publicou nada em seu site, a informação foi dada pelo jornal O Globo. Côrtes está preso, desta vez sob acusação de participar de fraudes nos contratos de uma Organização Social que teria lesado em R$ 74 milhões os cofres do estado. Ele responde a outro processo, desdobramento da Lava Jato, em que é acusado, junto com empresários, de desviar R$ 300 milhões da Saúde. Segundo o jornal, ele pretende recorrer da decisão e o martelo deve ser batido pelo Conselho Federal de Medicina.

AGENDA

Hoje será lançado o livro Planos de saúde e dominância financeira, de José Sestelo, que explica as várias metamorfoses pelas quais passou este mercado no país. O evento acontece às 17h na reitoria da Universidade Federal da Bahia, em Salvador.

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