Ideia viva, Guedes nem tanto

A reviravolta na decisão sobre o Renda Brasil – e a crise indisfarçável na equipe econômica

.

Este texto faz parte da nossa newsletter do dia 17 de setembro. Leia a edição inteira.
Para receber a news toda manhã em seu e-mail, de graça, clique aqui.

Era improvável que Bolsonaro desistisse de um programa social com a sua marca, mas a volta atrás da decisão de sepultar o Renda Brasil foi mais rápida do que se pensava. Menos de 24 horas depois da divulgação do vídeo em que proíbe “falar a palavra Renda Brasil”, o presidente deu autorização para que o senador Marcio Bittar (MDB-AC) inclua “um programa” em um dos projetos sob sua responsabilidade. Ele é relator tanto do projeto de lei orçamentário de 2021 quanto da PEC do Pacto Federativo, e alardeou o sinal verde à imprensa. “Tomei café da manhã com o presidente e fui solicitar se ele me autorizava a colocar dentro do orçamento a criação de um programa social que possa atender milhões de brasileiros que foram identificados ao longo da pandemia e estavam fora de qualquer programa social. O presidente me autorizou”, disse o senador. 

E a história melhora: na sequência, Bittar se reuniu com Paulo Guedes “para explicar as intenções de Bolsonaro” ao ministro da Economia, conforme descreve o repórter Daniel Carvalho. “O sinal verde é para criar um programa que, de preferência, migre todos os demais programas para esse programa”, afirmou Bittar. 

Perguntado sobre de onde sairia o dinheiro para tirar do papel essa ideia, o senador desconversou. “Não adianta agora a gente especular da onde que vai cortar”, disse. Mas talvez essa questão não seja solucionada esse ano. “O que pode acontecer é você criar o programa, a rubrica, e você pode esmiuçar isso mais para frente. Você não precisa obrigatoriamente criar, dizer quanto é o valor, de onde vai sair tudo num primeiro momento”, completou Bittar. Ele não respondeu se o “programa” social sem nome será incluído no PLOA ou na PEC. Segundo o Valorsua ideia é apresentar o novo programa na próxima terça-feira.

Ontem também foi um dia de incertezas para Waldery Rodrigues. O ministro da Economia afirmou a interlocutores que aguardava um pedido de demissão do secretário especial de Fazenda. Segundo relatos, Guedes chegou a afirmar que a saída de Waldery seria “o melhor para o Brasil”. Como prêmio de consolação, o governo poderia indicá-lo para um cargo em organismo internacional, segundo apurou O Globo.

E mais bastidores da crise vieram à tona. Parte da equipe econômica compara o episódio com a queda de Marcos Cintra. O ex-secretário da Receita Federal foi defenestrado do governo depois de defender a criação de um imposto nos moldes da CPMF, o que era e continua sendo um desejo de Guedes. Já Waldery pode cair por defender a desindexação, algo que é parte central do plano DDD do chefe. Na Folha, uma interessante reportagem sugere os muitos problemas que o superministério da Economia tem. O desenho institucional, feito para agradar a Guedes quando ele era superministro, acaba concentrando muitas atribuições nas mãos de secretários sem a estrutura e a autonomia necessárias. A Secretaria de Fazenda é uma versão enfraquecida do extinto Ministério da Fazenda, e sob seu guarda-chuva ficam o Tesouro, o Orçamento e várias outras áreas centrais. Nesse sentido, o cargo ocupado por Waldery concentra um sem número de atribuições.

Além disso, ficou mais claro qual foi o erro de Waldery. Na última sexta-feira, a proposta de congelamento dos benefícios previdenciários havia sido discutida e a equipe econômica ficou sabendo que Bolsonaro não concordava com a ideia. Mesmo assim, o secretário especial de Fazenda inclui o assunto na conversa que teve com o G1. Igor Gielow revela que o episódio foi encarado pelo entorno do presidente como mais um exemplo do modus operandi da equipe econômica que vai “ao Planalto discutir medidas, tem algumas ideias vetadas e elas reaparecem ou na boca de líderes no Congresso ou na imprensa”. Mas o colunista da Folha nota: “Isso é um procedimento padrão em Brasília há décadas, mas o fato de o grupo ora no poder não estar habituado com isso parece ter exacerbado as reações”.

Depois da reunião tragicômica em que Bittar foi escalado para explicar as intenções presidenciais a Guedes, o ministro da Economia reuniu a sua equipe presencialmente. O encontro durou quatro horas, e na saída, quase todos os secretários driblaram a imprensa. A única que falou –  Martha Seillier (Programa de Parcerias de Investimentos) – nada disse: “Não tem nenhuma novidade“. A informação de bastidores é que a ordem agora é sambar no ritmo do presidente. E a primeira tentativa será com a PEC que cria a nova CPMF que deve ser submetida a Bolsonaro para que o presidente “determine o que quer, o que não quer e em que velocidade quer”.

E, sobre isso, há outro elemento a ser considerado, que tem a ver com a colheita da arrogância que Paulo Guedes plantou. Isso porque o ministro cavou o rompimento com Rodrigo Maia (DEM-RJ) ao proibir que os integrantes da equipe econômica falassem com ele. Só que para ser aprovada, a nova CPMF precisa ser colocada em pauta, naturalmente. E até o início de 2021, é Maia quem dita o ritmo das votações na Câmara. “Sem um canal de comunicação com Maia, Guedes depende do núcleo político do governo para que uma proposta impopular, como a criação de um imposto semelhante à CPMF, tenha chance de avançar no Congresso”, resume a Folha.

Mas parte desse núcleo político trabalha pela queda de Guedes, por conta da sua oposição ferrenha ao projeto de obras públicas Pró-Brasil. “Militares, aliados de Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) e bolsonaristas mais ideológicos querem que o presidente dê um ultimato ao seu ex-superministro. Na ala militar, o titular da Economia é visto como o patrono da tentativa de enterro do Pró-Brasil, o plano de infraestrutura que faz brilhar os olhos do general Walter Braga Netto (Casa Civil) e outros”, conta Igor Gielow. Segundo o colunista, Guedes hoje se sustenta graças a uma combinação de medo que o presidente tem de desagradar a Faria Lima e paranoia, já que o ministro acena, sempre que pode, com a possibilidade de impeachment caso Bolsonaro opte por dar ouvidos à ala governamental que apoia mais gastos. 

Apostas abertas

Só que o Pró-Brasil, apelidado por Guedes de “PAC da Dilma”, deve ser lançado nas próximas semanas. E um aviso de remanejamento de recursos destinados à Educação, Agricultura e até Defesa foi emitido pelo governo para dar sustentação ao programa ainda esse ano. Já os “3 Ds” de Paulo Guedes perderam uma perna. No café da manhã com Marcio Bittar, o presidente teria deixado claro que não vai apoiar a desindexação. De acordo com a coluna Painel, “Bolsonaro não quer nem ouvir falar” no congelamento de benefícios, aposentadorias e salários pagos pelo governo. Partidário do ‘flamba, assopra’, Bolsonaro ontem cumprimentou Guedes durante a posse de Pazuello por uma “série de medidas para conter os empregos no Brasil” e a isenção de impostos de medicamentos.

Leia Também: